Com Congresso prestes a aprovar previdência mais dura para civis, reforma branda para militares patina
A Reforma da Previdência para servidores federais civis e trabalhadores da iniciativa privada deve ser aprovada nesta semana no Congresso Nacional, o que fará grande parte dos brasileiros se aposentar, em média, mais tarde e com benefícios menores do que atualmente. A expectativa é que a proposta, que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados, receba o aval final do Senado amanhã.
Já a reforma para os integrantes das Forças Armadas - enviada ao Parlamento em março pelo governo de Jair Bolsonaro atrelada a uma reestruturação da carreira que aumenta a remuneração - segue em discussão em uma comissão especial na Câmara, composta, em boa parte, por deputados egressos de carreiras militares.
Críticos da proposta dizem que ela não reduz privilégios dos militares e reclamam do aumento de salários em um momento de corte de gastos. A justificativa das Forças Armadas é que a categoria não recebe reajuste há anos, tendo ficado muito atrás dos ganhos de outras carreiras federais, como juízes, procuradores e auditores fiscais.
Se a proposta for aprovada, a remuneração bruta de um general do Exército, topo da carreira, poderá subir 37%, de R$ 24.786,96 para R$ 33.947,24, a depender dos adicionais que conseguir incorporar, por exemplo, como recompensa por cursos de qualificação.
Já o soldado em início de carreira teria aumento de 18% no mesmo período, com o soldo passando de R$ 1.950,00 para R$ 2.294,50.
O deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG), que integra a comissão especial, reconhece que a mudança na aposentadoria dos militares, comparada com a de servidores federais civis e trabalhadores da iniciativa privada, é tímida. A reforma prevê aumento de alíquota (dos atuais 7,5% para 10,5% em 2021) e do tempo mínimo de contribuição de 30 para 35 anos. No entanto, não fixa idade mínima como no caso dos civis, que só poderão se aposentar aos 62 anos, se mulher, e aos 65, se homem.
Além disso, mantém os benefícios de integralidade (se aposentar com a última remuneração) e paridade (continuar a receber na inatividade os reajustes dados aos ativos), já retirados das demais carreiras federais e dos trabalhadores do setor privado. Prevê também regras de transição mais suaves para os que estão na ativa, em relação às dos civis.
"Na verdade, para os militares federais não está havendo reforma da previdência. O que está havendo realmente é aumento salarial, com reestruturação da carreira, porque há muito os militares se ressentem de um tratamento salarial diferente das demais carreiras federais", disse à BBC News Brasil o deputado, que por mais de trinta anos atuou na Polícia Militar de Minas Gerais.
"A (Reforma da) Previdência do conjunto dos servidores (civis) e dos trabalhadores da iniciativa privada, em relação aos militares, está em situação pior. Isso é fato", afirmou ainda Gonzaga.
Gonzaga, porém, diz que essa diferenciação "não é uma questão de certo ou errado", mas uma "avaliação política" por causa das características especiais da carreira, já que os militares assumem, com "risco de vida", a responsabilidade "na garantia do território nacional, da soberania e da democracia".
O projeto de lei enviado por Bolsonaro, ele mesmo militar reformado, prevê aumento de gastos de R$ 86,65 bilhões em dez anos devido à reestruturação da carreira das Forças Armadas e redução de despesas em R$ 97,3 bilhões com inativos e pensionistas no mesmo período. Dessa forma, a economia líquida seria de R$ 10,45 bilhões. No caso da reforma dos civis, a meta era economizar R$ 1 trilhão, mas o valor já caiu para R$ 800 bilhões.
Pontos de discórdia
Um dos pontos que têm gerado discórdia na comissão especial da Câmara é a reestruturação prever aumentos de remuneração maiores para militares no topo da carreira do que para os de patentes mais baixas. A crítica a essa diferença tem unido parte dos deputados do PSL aos partidos de esquerda, como PT, PSOL e PCdoB. O governo argumenta que os reajustes estão atrelados à "meritocracia" na medida em que recompensam os que fizerem cursos de qualificação das Forças Armadas equivalentes a mestrado e doutorado.
O líder da bancada do PSL, deputado Delegado Waldir (GO), que protagonizou embates fortes com Jair Bolsonaro na semana passada, chegou a remover da comissão o líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), por ele estar se mantendo fiel à proposta do governo.
"Não tem aumento para militares de patentes mais altas, o que tem são ajustes nas atividades de escolaridade. É plausível que tenham benefícios maiores em cima dos cursos que fizeram", defende o deputado Coronel Chrisóstomo (PSL-RO).
Ele rebate ainda as outras críticas à reforma dos militares dizendo que a categoria sofreu achatamento de salários no governo de Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, as Forças Armadas perderam benefícios - que críticos consideravam privilégios - como pensão vitalícia às filhas, passagem para a reserva com provento acima do último salário na ativa, licença especial e auxílio-moradia.
"Essa reforma (proposta por Bolsonaro) é em cima da de 2001. Não existe reforma branda, estamos fazendo um esforço hercúleo. Mas aceitamos porque o momento é de cada um dar seu esforço para o país crescer e melhorar", acrescentou.
Policiais militares e bombeiros
Outro ponto que tem atrasado o andamento da matéria na Câmara foi a decisão de incluir na mudança das regras de aposentadoria das Forças armadas os militares dos Estados (policiais e bombeiros). Se isso for aprovado, uma grande vantagem para essas categorias será assegurar também os benefícios de integralidade e paridade, que hoje só vigora em parte das unidades federativas.
No entanto, o efeito do aumento da contribuição não será o mesmo em todos os Estados, pois alguns já cobram alíquotas maiores da que está sendo proposta. Com isso, em alguns casos, policiais militares e bombeiros serão beneficiados mas as contas públicas serão negativamente afetadas, enquanto em outros, acontecerá o oposto.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), também integrante da comissão, alertou nesta semana que os Estados não têm estimativas ainda do impacto que a inclusão de policiais militares e bombeiros pode ter em suas contas.
A comissão está há duas semanas tentando votar o relatório do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos), relator da reforma dos militares, mas o texto segue sendo modificado.
Como a proposta está sendo analisada em "caráter terminativo", se for aprovada na Comissão, pode ir direto para o Senado. No entanto, deputados podem apresentar recurso para levar a matéria ao Plenário da Câmara.
"Se for mantida a diferença de reajuste para praças e militares de patentes mais altas, vamos querer levar a proposta para o plenário", garante o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ)
E a reforma dos civis?
A Reforma da Previdência que atinge a maioria dos civis (por enquanto, ficaram de fora os servidores estaduais e municipais) foi aprovada no início de outubro em primeiro turno no Senado por 56 votos favoráveis e 19 contrários. A expectativa é que o placar positivo para o governo se repita nesta terça, mas a oposição tentará aprovar destaques que suavizem as mudanças.
No primeiro turno, os senadores alteraram o texto que veio da Câmara para garantir a continuidade do abono salarial (benefício de um salário mínimo) para trabalhadores com renda de até dois salários mínimos (quase R$ 2 mil). A proposta do governo era reduzir esse limite para R$ 1.300, o que geraria economia de cerca de R$ 70 bilhões em dez anos aos cofres federais.
A meta inicial do ministro da Economia, Paulo Guedes, era que a reforma gerasse economia de ao menos R$ 1 trilhão em uma década. Mas após as alterações realizadas na Câmara e no Senado até agora, esse valor está agora em cerca de R$ 800 bilhões.
O governo defende a reforma para equilibrar as contas públicas e liberar recursos que hoje vão para a aposentadoria para investimentos em outras áreas, como educação, saúde e segurança pública.
O rombo da União com aposentadorias e pensões de servidores civis, militares e setor privado (INSS) tem crescido rapidamente nos últimos anos por causa do envelhecimento da população e e somou R$ 266 bilhões no ano passado.
Nesse sentido, uma mudança importante que atingirá a maior parte da população é a criação de idades mínimas para aposentadoria. A proposta prevê que a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal, precisará trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65 anos, caso homem. Há regras diferenciadas para algumas categorias, como policiais e professores.
A fixação de idade mínima atinge principalmente pessoas de maior renda, que hoje conseguem se aposentar por tempo de contribuição, abaixo de 60 anos. Além disso, a reforma mantém o piso das aposentadorias em um salário mínimo e dificulta a obtenção valores mais altos, ao mudar o cálculo dos benefícios.
PEC Paralela
A Reforma da Previdência é uma proposta de emenda constitucional (PEC) e, por isso, precisa ser aprovada em dois turnos por deputados e senadores.
Há uma PEC paralela tramitando no Senado que tenta facilitar a implementação da reforma em Estados e municípios, depois que esses entes foram excluídos da proposta na Câmara.
Os governos federais e municipais também enfrentam rombos na Previdência e, sem a PEC paralela, caberá a cada governador e prefeito enfrentar o ônus de realizar sua reforma.
O problema é que esse texto, caso passe no Senado, também teria que ser aprovado depois pelos deputados, onde o cenário tende a ficar ainda mais reativo com a proximidade das eleições municipais. O ceticismo é grande no Congresso.
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