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O paradoxo do Uber: como o aplicativo libera e aprisiona seus motoristas na 'economia colaborativa'

O Uber está no centro do debate sobre a economia colaborativa, também chamada de "economia do bico" - Getty Images
O Uber está no centro do debate sobre a economia colaborativa, também chamada de 'economia do bico' Imagem: Getty Images

Carl Miller - BBC Click

19/11/2019 15h51

Não ter um chefe, ser independente, trabalhar em casa, na lanchonete, no carro... Isso é realmente tão maravilhoso quanto alguns imaginam?

Os debates sobre as oportunidades, riscos e desafios da economia colaborativa, também chamada de "economia do bico", estão sendo travados em todo o mundo.

O aplicativo Uber faz parte de uma série de plataformas que oferecem novas maneiras de comprar e vender produtos, alugar bens ou contratar outras pessoas temporariamente.

Em vez de funcionários assalariados, os profissionais são pagos pelos consumidores pela realização de um trabalho específico. As plataformas argumentam que não empregam quem presta o serviço, apenas conectam clientes com pessoas que desejam ganhar dinheiro.

Nenhuma empresa é mais simbólica dessa mudança na vida profissional que a Uber. Como consequência, a empresa tornou-se um alvo frequente nas discussões sobre o que a "economia do bico" realmente representa.

São novas formas de trabalho flexíveis e libertadoras ou meios para um tipo de controle remoto do trabalho que mina direitos básicos?

Salário mínimo

Abdura Hadi, motorista do Uber que trabalha nas ruas de Londres há cinco anos, percebeu uma mudança nos últimos tempos. "Costumava trabalhar em média de seis a oito horas, durante seis dias por semana, para sustentar minha família. Agora, são dez a 12 horas."

Ele notou também, que nestes cinco anos, o número de motoristas da Uber aumentou rapidamente, mas não o número de clientes.

O aumento da concorrência tornou crítica uma parte específica da plataforma Uber: o programa que determina quem recebe cada viagem. No entanto, nem Hadi nem seus companheiros sabem como isso funciona.

"Minha família depende do algoritmo. Às vezes, acho isso assustador, mas, se fosse justo, tudo bem", diz ele.

O centro da controvérsia em torno do Uber é que a revolução que causou não é apenas econômica, mas também jurídica. As leis trabalhistas que antes eram razoavelmente claras tornaram-se confusas, como a questão de saber se os motoristas do Uber são ou não empregados da empresa.

Até o mais básico de qualquer trabalho está no centro da controvérsia: quanto os motoristas do Uber realmente ganham. "É fato que os motoristas estão ganhando menos que o salário mínimo", diz Hadi.

Isso foi negado pela empresa, que realizou um estudo conjunto com pesquisadores da Universidade Oxford, do Reino Unido, com base nos dados da própria companhia, que incluiu os custos operacionais do veículo e o tempo de espera entre as viagens.

A análise apontou que o motorista de Uber médio de Londres ganha cerca de 11 libras (R$ 60) por hora trabalhada. Isso é um pouco acima do salário mínimo praticado na cidade.

Dados vs. relatos

O pesquisador Ken Jacobs, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, estudou os custos ocultos com os quais motoristas da Uber têm de lidar.

Jacobs os dividiu em cinco áreas principais: o tempo gasto esperando viagens, o custo de retornar às áreas mais concorridas após uma viagem, a manutenção e seguro de veículos, a falta de remuneração quando se fica doente, durante os intervalos para almoço e horas livres, e a não remuneração das férias. "Tende-se a subestimar as despesas reais de um motorista", diz Jacobs.

'Vergonha, Uber', diz um cartaz em protesto de motoristas em Nova York - Getty Images - Getty Images
'Vergonha, Uber', diz um cartaz em protesto de motoristas em Nova York
Imagem: Getty Images

Meera Joshi, ex-chefe da Comissão de Táxis e Limusines de Nova York, responsável por regular serviços como o Uber em toda a cidade, diz que dados mais precisos são essenciais. "Sem isso, você tem apenas coisas anedóticas. Você ouve histórias sobre salários baixos, mas não tem como quantificá-las realmente", diz Joshi.

A comissão de Joshi forçou a Uber a fornecer dados sobre motoristas que operam em Nova York. "O que descobrimos foi que as condições eram piores do que os motoristas nos descreveram, e 96% ganhavam menos que o salário mínimo na cidade. A maioria dos motoristas era a principal fonte de renda de suas famílias", acrescenta.

Depois que o órgao regulador implementou proteções referentes ao salário mínimo para cobrir os 80 mil motoristas de Nova York envolvidos, US$ 225 milhões (R$ 942,6 milhões) por mês "voltaram aos bolsos dos motoristas", diz Joshi.

Prisão e liberdade

O estudo da Universidade Oxford também destaca que os motoristas da Uber têm níveis mais altos de satisfação com a vida que outros trabalhadores, mas também níveis mais altos de ansiedade. "É o paradoxo do Uber", diz Duncan McCann, pesquisador da New Economics Foundation.

"É uma prisão e algo libertador. Você pode ativar o aplicativo e começar a trabalhar, mas, se você tem uma família para sustentar, é obviamente menos flexível. Você precisa trabalhar quando há mais demanda: horários de pico e fins de semana."

E o Uber é apenas a "ponta do iceberg", acrescenta. "A maioria dos trabalhadores da economia do bico são mulheres que trabalham como cuidadoras e com limpeza. Há plataformas que anunciam abertamente pagamentos abaixo do salário mínimo."

"Os motoristas estão no centro de nosso serviço, não podemos ter sucesso sem eles, e milhares de pessoas vêm trabalhar na Uber todos os dias com foco em como melhorar sua experiência dentro e fora das ruas", disse a empresa em um comunicado.

"Para rastrear seus ganhos ou obter maior proteção de seguro, continuaremos trabalhando para melhorar a experiência para e com os motoristas."

Mas, de muitas maneiras, a economia colaborativa simplesmente reintroduz questões muito antigas de condições e direitos trabalhistas, apenas de uma nova maneira.

Nas décadas anteriores, os funcionários lutaram para ter seus direitos reconhecidos. Agora, a luta dos trabalhadores é para serem reconhecidos como funcionários.