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'Não acompanhei, você é que está me contando', diz Skaf sobre Bolsonaro usar comediante para ironizar PIB

Skaf lançou o Conselho Superior Diálogo pelo Brasil, uma espécie de versão bolsonarista do extinto "Conselhão" - Antonio Cruz/ Agência Brasil
Skaf lançou o Conselho Superior Diálogo pelo Brasil, uma espécie de versão bolsonarista do extinto 'Conselhão' Imagem: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Ricardo Senra - @ricksenra - Da BBC Brasil em Londres

06/03/2020 18h57

Menos de 24 horas depois de se encontrar com Jair Bolsonaro na sede Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pela segunda vez em um mês, o presidente da entidade, Paulo Skaf, disse que a federação "não tem alinhamento político nenhum" com o presidente da República.

"Fiesp e partido político, aqui nunca se misturou os dois assuntos", disse, em entrevista à BBC News Brasil.

Questionado, no entanto, se isso significa que ele não vai se filiar à Aliança Pelo Brasil — partido que Bolsonaro tenta criar e pelo qual Skaf é cotado para ser candidato ao governo paulista nas eleições de 2022 ?, o líder da Fiesp se recusou a responder.

"Isso é um assunto meu, pessoal, que eu não vou misturar com assuntos da Fiesp. Obrigado, boa sorte para você", afirmou em entrevista por telefone nesta sexta-feira (06/03).

Na quinta, ele promoveu um almoço que reuniu Bolsonaro, seis ministros — incluindo Paulo Guedes (Economia) — e um grupo de 40 empresários. Em meio a elogios ao presidente, que já se comprometeu a voltar à Fiesp em junho, Skaf lançou o Conselho Superior Diálogo pelo Brasil, uma espécie de versão bolsonarista do "Conselhão" criado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para garantir base de apoio em diferentes setores econômicos e sociais.

Se a versão petista também incluía juristas, artistas e religiosos, o Conselho recém-lançado se limita a empresários de peso, entre os quais Fábio Coelho (Google), Jerome Cadier (Latam Airlines) e Luiz Carlos Trabuco (Bradesco).

"Esses grupos, somados, representam 1 trilhão de dólares em patrimônio, empregam 4 a 5 milhões de pessoas, exportam bilhões de dólares, geram muita riqueza para o Brasil", diz Skaf, que também afirma à reportagem que considera o resultado de 1,1% de crescimento do PIB "bom".

Recém-anunciado, o valor não chega à metade do previsto pelo mercado após a eleição de Bolsonaro.

A reportagem tentou perguntar como Skaf e o empresariado perceberam a reação do presidente Bolsonaro, que não quis comentar o tema e escalou um comediante da TV Record para falar sobre o desempenho da economia do país. "PIB? O que é PIB? Pergunta o que é PIB", disse Bolsonaro ao humorista, que chegou a oferecer bananas a repórteres.

O tema foi assunto de capa nos principais jornais brasileiros e teve repercussão no exterior, incluindo o jornal The New York Times.

"Olha, eu nem acompanhei isso, viu, para te falar a verdade. Você é que está me contando esse negócio aí", respondeu o principal porta-voz da indústria brasileira.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Como foi a reunião com o presidente Bolsonaro na Fiesp?

Paulo Skaf - Muito boa. Tivemos 40 comandantes, presidentes de grandes grupos brasileiros de todas as áreas — agricultura, comércio, indústria, serviços, hotelaria, saúde, infraestrutura, companhias áreas, indústria automobilística, de trens, aviões, bens e consumo. Um grupo multissetorial.

Houve um diálogo muito bom entre o presidente, que veio acompanhado de seis ministros, e esses grupos que, somados, representam 1 trilhão de dólares em patrimônio, empregam 4 a 5 milhões de pessoas, exportam bilhões de dólares, geram muita riqueza para o Brasil. Todos demonstraram muita confiança, esperança e vontade de as coisas estarem no caminho certo.

BBC News Brasil - Esse encontro acontece logo depois da divulgação do resultado do PIB: 1,1%, um pouco menor que a previsão da Fiesp no fim do ano (1,2%), menos da metade do que era previsto no início da gestão (2,55%). Chegou-se a em 3% depois reforma da Previdência. Como vê esse resultado aquém das expectativas?

Skaf - Não surpreendeu nada, estávamos esperando um crescimento de 1% no ano passado. Até porque, até o mês de agosto, não havia crescimento, a situação estava bem ruim. A expectativa era um crescimento de 1% e veio 1,1%, para nós não houve grandes surpresas. No ano anterior, a previsão era 1,1% e acabou fechando com 1,3% depois da revisão. Nós não sabemos qual vai ser a revisão nesse ano.

Mas o nosso foco está muito mais a partir desse ano do que do primeiro ano. Então, não foi uma surpresa para nós 1,1%. Nós estávamos esperando 1%, 1,1%, 1,2%, 0,9%... Foi dentro, não houve nada de extraordinário nisso, não. Para este ano, sim, a expectativa é de 2,5%. A preocupação que fica é qual será o efeito do coronavírus nesse resultado. Isso, sim, está suscitando dúvidas.

skaf1 - Carolina Antunes/PR - Carolina Antunes/PR
Presidente Bolsonaro na Fiesp com Paulo Skaf
Imagem: Carolina Antunes/PR

BBC News Brasil - Como classifica o resultado. É bom ou ruim?

Skaf - Bom. É o que estávamos esperando mesmo. A economia começou a aquecer a partir de agosto e nós acompanhamos mês a mês, a gente não espera o ano para se surpreender com o resultado, positivo ou negativo.

Agora, olhando para frente, porque também ficar curtindo o passado não vai resolver os problemas futuros: a economia está numa direção correta, as reformas estão sendo aprovadas. Naturalmente, falta a reforma tributária, a administrativa, faltam muitas coisas acontecerem.

Mas, olhando para frente, a expectativa é de crescimento de 2,5% em 2020 e com o coronavírus estamos revendo, na expectativa de qual amplitude e qual efeito pode dar no crescimento desse ano.

De qualquer forma, não teremos crescimento menor que 2% neste ano, na pior hipótese.

BBC News Brasil - O senhor falou em reformas. Desde fim do governo Dilma Rousseff, há uma expectativa muito forte no mercado de que as reformas fizessem o Brasil crescer de forma mais expressiva. Aconteceu, primeiro, o teto de gastos no governo de Michel Temer, depois a reforma trabalhista, agora veio a reforma da Previdência. Mas a economia não deslancha. O Brasil segue em um crescimento muito baixo, na avaliação de analistas. O que acontece? Por que a economia não deslancha, mesmo com as reformas, que sempre foram colocadas como fiel da balança, tendo acontecido?

Skaf - No ano passado, o crescimento público foi negativo, o privado foi positivo. Então, começa sim a deslanchar. A partir da aprovação das primeiras reformas, seja a trabalhista, a da Previdência, algumas desburocratizações, juros que baixaram, nós estamos assistindo — tirando a questão do coronavírus — um novo cenário.

A bolsa batendo recordes, o dólar de forma competitiva, os juros mais baixos da história, as pessoas — inclusive a classe média — investindo na bolsa de valores, as empresas captando recursos através do mercado de capitais. Coisas boas. Há uma expectativa positiva, confiança no país, imagem boa para investimentos aqui, tanto de grupos brasileiros quanto estrangeiros.

Muita coisa aconteceu, sim, positiva. Agora, quando se faz uma reforma estrutural, a resposta não é no dia seguinte, né? Se fosse assim, seria uma maravilha. Estava-se discutindo há décadas uma reforma, a da Previdência. Finalmente, ela acontece. Se tudo se resolvesse nos primeiros seis meses... Seria um milagre. Mas não existe milagre.

BBC News Brasil - Mas a gente está falando de quatro anos, não seis meses. Esse processo começa no governo Temer.

Skaf - Por isso mesmo que reverteu uma situação que era muito negativa. Analise quanto foi o crescimento público e o privado. O que acontecia, muitas vezes, era uma forçada do setor público, injetava muito dinheiro, se endividava, fazia até atitudes irresponsáveis, provocava uma reação.

Agora não, agora você sente que é o setor privado, de forma saudável, consistente, sem favores, sem coisas erradas, e que as coisas estão caminhando com muita solidez. Então, o caminho melhorou, sim. Só não vê quem não quer.

A situação do país é bem melhor, algumas reformas aprovadas, outras em discussão e caminhando para aprovação, combate rígido à corrupção, outro ambiente de seriedade no país, retomada de crescimento. O ano passado gerou mais de um milhão de empregos no Brasil, entre formais e informais foi perto de 1,5 milhão de empregos. Por isso que digo que prefiro olhar para frente a ficar curtindo o que passou e o que a gente já sabe.

Agora, é inconteste que o país melhorou. Esses 40 comandantes de grande parte do PIB que ontem estiveram aqui nos seus depoimentos mostraram claramente uma retomada de confiança, esperança. Mais do que aqueles que estão no dia a dia, investindo, comprando, vendendo, empregando, ninguém pode estar credenciado a falar se está bom ou não está.

Estou dizendo a realidade do que está acontecendo.

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Skaf afirma à reportagem que considera o resultado de 1,1% de crescimento do PIB 'bom'
Imagem: Getty Images

BBC News Brasil - Sobre futuro, como o senhor está puxando, sabe-se que o ministro Paulo Guedes defende um novo imposto sobre transações financeiras. Uma espécie de nova CPMF ou algo semelhante. Que acha?

Skaf - Naturalmente, não sou a favor de nenhum tipo de CPMF até porque liderei uma campanha nacional contra a CPMF e reconhecidamente temos um papel decisivo para o fim da CPMF em 2007. Por coerência até, eu discordo desse imposto e vejo muitos inconvenientes nele.

Mas, na verdade, o ministro Paulo Guedes não está falando em CPMF. Ele está falando em desonerar a folha de pagamento e ontem nós demos uma proposta para ele para desoneração da folha de pagamento. A proposta é a seguinte: com o crescimento, vai haver crescimento de arrecadação. Cada vez que cresce o PIB, o crescimento da arrecadação é maior que o do PIB. O inverso também é verdadeiro.

Considerando que há uma lei que limita os gastos, o lei do teto, haverá alguma folga ao longo dos próximos anos com a arrecadação que não deve ser gasta, segundo a lei do teto. O ideal é a situação de crescimento sem gasto.

A nossa proposta é que parte desse crescimento, ou esse crescimento, seja desonerado da folha de pagamento. A arrecadação que tiver vai ser usada para redução de impostos no país. Que imposto? O imposto sobre a folha de pagamento.

Esse estudo nós fizemos com base técnica, científica, e é possível ser feito ao longo dos próximo anos. Você encontra caminhos... Se você desonera a folha e cria outro imposto, você tapa um buraco e abre outro. Nessa proposta, não.

BBC News Brasil - O presidente teria explicado aos presentes na Fiesp sobre a decisão dele por trazer um humorista e fazer aquela cena em relação ao comentário sobre PIB. O que o presidente disse a vocês?

Skaf - Não entendi.

BBC News Brasil - O presidente teria explicado o motivo de ter levado um comediante para o encontro com jornalistas no dia em que se divulgou o PIB. O senhor acompanhou essa história...

Skaf - Eu sinceramente não ouvi essa parte. Eu não saí da reunião. Se ele fez alguma brincadeira, alguma coisa, eu não sei do que você está falando. Sinceramente, e não fui ao banheiro em nenhum minuto.

BBC News Brasil - O que o senhor achou dessa cena?

Skaf - Achei de quê?

BBC News Brasil - O que o senhor achou pessoalmente dessa cena? O presidente junto a um comediante perguntando o que é PIB...

Skaf - Olha, eu nem acompanhei isso, viu, para te falar a verdade. Você é que está me contando esse negócio aí.

BBC News Brasil - Eu vou contar, então. O presidente, no dia do anúncio do PIB, foi para a portaria do Palácio da Alvorada e levou Carioca, um comediante da Record. Questionado por jornalistas sobre o que achava do resultado de 1,1%, o presidente se recusou a responder e pediu que o comediante respondesse. O presidente Jair Bolsonaro perguntou o que era PIB, o comediante fez sinal de banana e jogou bananas para os jornalistas em uma cena constrangedora para quem estava ali. O senhor não sabia que isso aconteceu?

Skaf - Olha, sinceramente, isso para mim... Eu não dei atenção a isso. Se você quer saber o que motivou ele a ter feito isso ou aquilo, deve perguntar a ele, não a mim. Sinceramente, para mim é irrelevante isso aí.

Eu estou muito mais preocupado que esse país retorne crescimento, promova reformas, gere empregos, gere desenvolvimento, e eu repito: nós enxergamos que o caminho traçado é um caminho positivo, de reformas, combate à corrupção, busca de crescimento e diálogo com a sociedade. Veja que a reunião de ontem é um bom exemplo disso. Eu sinceramente não dei atenção a isso aí.

BBC News Brasil - Eu faço a pergunta ao senhor não para saber o que motivou o presidente. Mas o senhor como...

Skaf - Já respondi. Para mim é irrelevante.

BBC News Brasil - Para a indústria brasileira, que depende de...

Skaf - Para mim, relevantes são os interesses do Brasil. Há temas muito mais importantes para se preocupar e é com o que me preocupo. Agora, cenas pontuais, declarações pontuais, não dou grande relevância.

BBC News Brasil - O senhor disse que esse retrato de '40 comandantes' vendo com bons olhos o governo diz muito. Mas, para algumas pessoas, aquele grupo não era representativo, não representa a indústria como um todo. O senhor sabe que parte da indústria não está satisfeita, nem com o presidente, nem com o senhor, pelo fato de o senhor, nas palavras dos críticos, ter um alinhamento muito próximo ao presidente. E isso poderia transformar a Fiesp em uma organização 'chapa branca' ou com menos poder de influência, uma vez que teria um alinhamento político. Como vê os comentários?

Skaf - Os grupos que estavam aí são conhecidos por todo mundo e altamente representativos. Muitos outros não estavam, porque naturalmente você não conversa com o país inteiro em uma sala de reunião. Você está se referindo a pessoas anônimas. Então, se você falar os nomes das pessoas...

Nós mostramos os nomes das pessoas, que mostraram a cara, se declararam, e você mesmo disse que a reação foi muito boa. E ninguém ontem falou que os problemas foram resolvidos. (Falaram) que nós estamos na direção para resolver os problemas e o diálogo ajuda muito, tudo isso é positivo. Agora, se você conhece alguém que pensa diferente, primeiro isso é da democracia. Segundo, eu não sei de quem você está falando.

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Em dezembro de 2015, a Fiesp declarou apoio ao impeachment de Dilma Rousseff
Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil

BBC News Brasil - O fato de o senhor estar próximo, por exemplo...

Skaf - Olha, nós não temos alinhamento político nenhum. Temos alinhamento de interesses do país. A Fiesp apoia, sim, a política eficiente. Ela não é partidária, senão não haveria razão de existir a Fiesp se ela não pudesse apoiar políticas corretas de interesse do país.

O que defendemos aqui são reformas estruturais, retomada de crescimento, emprego, combate à corrupção. Defendemos uma linha que está acontecendo. Se a entidade não tiver como característica defender políticas de interesse do país, não tem razão de ela existir.

Agora, nada tem a ver com política partidária. Repito a você: em uma democracia, cada um pode manifestar sua opinião.

BBC News Brasil - O senhor deixou clara a diferença entre apoio político e apoio a projetos...

Skaf - Não é projetos. A gente está falando de agenda para o país. E a agenda do país é a agenda que nós entendemos.

BBC News Brasil - Ok.

Skaf - No momento em que o governo está na agenda que nós defendemos, nós vamos ser contra? Então vamos ser contra de todo jeito. Só que quem é contra de todo jeito não constrói nada. É isso que estou falando. Obrigado.

BBC News Brasil - Agora, se o alinhamento não é político, isso significa que o senhor não vai se filiar à Aliança pelo Brasil. É isso?

Skaf - Olha, a Aliança nem existe. E a Fiesp e partido político, aqui nunca se misturou os dois assuntos.

BBC News Brasil - O senhor não vai se filiar ao partido?

Skaf - Isso é outro assunto.

BBC News Brasil - Exato, estou falando desse outro assunto mesmo.

Skaf - Como cidadão brasileiro, qualquer cidadão tem direito a filiação partidária. E você ter uma filiação partidária não significa que você tenha nenhum compromisso com eleições e nada disso.

Isso é um assunto meu, pessoal, que eu não vou misturar com assuntos da Fiesp. Obrigado, Ricardo, boa sorte para você.