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Coronavírus: As economias latinas que levarão mais tempo para se recuperar da covid-19 (e por que o Brasil não é uma delas)

Nem todos os países terão que esperar o mesmo tempo para recuperar seu nível de PIB - EPA via BBC
Nem todos os países terão que esperar o mesmo tempo para recuperar seu nível de PIB Imagem: EPA via BBC

Guillermo D. Olmo

BBC News Mundo

18/10/2020 08h28

Todos os relatórios econômicos publicados por organismos internacionais repetem o alerta: a América Latina será a região mais atingida pela pandemia do coronavírus.

Para a Comissão Econômica da América Latina e do Caribe (Cepal), esta é a maior crise econômica em um século nesta parte do mundo.

Embora comece a detectar sinais positivos inesperados, o Banco Mundial estimou em um relatório recém-publicado que o Produto Interno Bruto (PIB) da região cairá 7,9% em 2020, um colapso sem precedentes na história recente.

Mas Abhijit Surya, analista especializado em América Latina da unidade de inteligência econômica do Grupo Economist, adverte: "Há países que vão se recuperar muito rapidamente, como Chile ou Uruguai, e outros que têm muitos problemas que não conseguirão superar até provavelmente 2023 ou 2024".

Na realidade, determinar quando um país se recuperou de uma crise não é fácil, e os economistas têm ideias diferentes sobre quais indicadores observar.

Um dos mais utilizados é o PIB, valor total dos bens e serviços produzidos em um país em um determinado período.

Apesar das dúvidas que o vírus gera sobre o comportamento da economia, para a qual ainda não está disponível uma vacina eficaz, o PIB da maioria dos países latinos deve crescer novamente em 2021.

Mas o PIB regional não retornará aos níveis pré-pandêmicos até pelo menos 2023.

Em alguns países, esse caminho árduo para recuperar a riqueza perdida pode ser ainda mais longo.

Surya indica que "os países que conseguirem manter os estímulos econômicos por mais tempo se sairão melhor na recuperação".

Como aconteceu em outros lugares, quando o coronavírus atingiu os países da região, os governos passaram a adotar medidas de apoio à economia, desde ajuda direta às famílias lançada no Brasil pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), aos programas de compra de dívida pública adotados pelos bancos centrais do Chile e da Colômbia.

O objetivo era apoiar o crescimento e a atividade em um momento em que o vírus os deprimia impiedosamente.

Mas a persistência da pandemia obrigará os países a manter esse esforço extra e ninguém sabe por quanto tempo.

Nas palavras de Martín Rama, economista-chefe da região do Banco Mundial: "Quando a pandemia começou, os estímulos eram aplicados como se fosse uma corrida de curta distância. Agora vemos que será mais uma maratona".

Quem está mais bem equipado para uma corrida de longa distância com essas características?

Para responder a esta pergunta, foram ouvidos, além de Surya, outros dois economistas que se dedicam a analisar países latinos, Alberto Ramos, do banco Goldman Sachs, e William Jackson, analista da consultoria britânica Capital Economics.

Os especialistas apontaram claramente que um dos fatores preponderantes é o grau de endividamento de um país. Porque quanto maior for a dívida, menor será a margem que terá para continuar a apoiar as suas empresas e cidadãos e promover assim a recuperação econômica.

Também foram levados em consideração critérios como a queda do PIB em 2020, as previsões de recuperação do PIB para níveis prévios à pandemia e a relação proporcional entre o déficit público (relação entre arrecadação fiscal e gastos do governo) e o PIB.

A partir da avaliação dos três especialistas, conjuntamente com estes índices, a reportagem identificou os países da América Latina com o pior prognóstico econômico na pandemia, apresentados a seguir, em ordem alfabética.

Argentina

Com uma das quarentenas mais longas e rígidas da região, a Argentina é uma das economias que mais sofreu e o Banco Mundial estima que o país fechará 2020 com 12,3% a menos em seu PIB e quase o dobro de pobres do que no início do ano.

O governo do presidente Alberto Fernández aplicou medidas de estímulo no valor de 3,5% do PIB, mas a Argentina, sobrecarregada por problemas de solvência durante décadas, não pode sustentar esse esforço indefinidamente.

Surya ressalta que, "em algum momento, eles terão que retirar os estímulos, porque não é fiscalmente sustentável".

Fernández teve uma folga no início do ano quando acertou com os credores uma reestruturação de mais de US$ 66 bilhões (R$ 364 bilhões) de dívidas vencidas.

William Jackson, da Capital Economics, diz que que "o governo agiu rapidamente ao reestruturar a dívida, mas, na realidade, adiou um problema que surgirá novamente em meados da década".

Alberto Ramos, da Goldman Sachs, também não está otimista. "A Argentina tem muita dificuldade e incerteza, apesar da reestruturação, porque tem um grande déficit fiscal que está sendo monetizado, e isso está gerando muita pressão cambial".

Essa dinâmica ameaça agravar a espiral inflacionária, elevando os preços, em que a economia argentina está presa há anos, o que é um freio ao seu crescimento.

Soma-se a tudo isso os controles de câmbio e de preços que dificultam a atividade econômica e que, na opinião dos analistas, desestimulam potenciais investidores.

O Banco Mundial acredita que o PIB da Argentina não retornará ao seu nível pré-pandêmico antes de 2023.

Equador

O Equador também concordou recentemente com uma reestruturação de sua dívida, que hoje chega a 68,9% do PIB. Um obstáculo muito grande para fazer o esforço fiscal exigido pela situação atual.

Com um déficit fiscal que disparou para 8,9% neste ano, o Equador enfrenta o difícil desafio de aumentar sua receita tributária sem sufocar ainda mais sua economia já abalada.

"Podemos ver um retorno à austeridade enquanto a economia ainda está sofrendo", diz Jackson.

Analistas do Banco Mundial apontam que a economia equatoriana precisa de "reformas estruturais", mas quando o presidente Lenín Moreno tentou aumentar os impostos sobre os combustíveis em outubro de 2019 para aumentar as receitas do Estado, ele enfrentou protestos massivos que o obrigaram a recuar.

Ramos alerta que "o clima de tensão política continua no país e pode afetar o crescimento".

O Equador é outro candidato a não recuperar seu PIB de 2019 pelo menos até 2023.

México

A recuperação provavelmente também será mais lenta no México. Mas, ao contrário da Argentina ou do Equador, seu fardo não será dívida.

O presidente Andrés Manuel López Obrador chegou ao poder prometendo sanear as contas públicas e reduzir o déficit público, e a pandemia não parece tê-lo desviado de seu objetivo.

"Em circunstâncias normais, tudo bem, mas agora você precisa de mais gastos públicos", diz Surya.

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O presidente do México prioriza a contenção do déficit e muitos economistas que acreditam que este não é o momento para isso.
Imagem: Reuters via BBC

O governo mexicano tem sido um dos mais relutantes em aplicar medidas de apoio à economia, o que provavelmente explica em parte porque o PIB do México vai cair cerca de 10% em 2020.

A queda do turismo, fundamental para o país, também atingiu a economia, e especialistas concordam que este será um dos últimos setores a se recuperar.

A queda do preço do petróleo também não ajuda o México, que, paradoxalmente, também pode estar enfrentando sua grande oportunidade.

Os problemas de transporte e o perigo potencial de restrições alfandegárias levaram a "uma tendência global de aproximar as cadeias de suprimentos dos mercados, e o México está muito perto do grande mercado que são os Estados Unidos", diz Surya.

Mas, segundo Ramos, do Goldman Sachs, o governo López Obrador "não criou o ambiente mais favorável para os negócios".

Venezuela

Sem cifras oficiais há anos, o Banco Mundial não inclui a Venezuela em sua análise, mas segundo Jackson, da Capital Economics, em um contexto de preços baixos do petróleo, "as coisas só vão piorar em um país que já era uma tragédia antes da pandemia".

A unidade de inteligência econômica do Grupo Economist "acredita que o país perderá cerca de 30% do seu PIB este ano em 2020, o que com o que foi perdido desde que Nicolás Maduro chegou ao poder acumulará uma queda de perto de 70%". Em seu último relatório, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a queda será de 25%.

O governo venezuelano culpa as sanções dos Estados Unidos por seus problemas econômicos, enquanto a maioria dos observadores culpa a má política econômica do governo e sérios problemas estruturais na economia venezuelana.

Nenhum relatório prevê quando o PIB da Venezuela deixará de cair e quando recuperará seu nível de 2019.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), um terço dos venezuelanos não recebem alimentos suficientes e milhões deixaram o país nos últimos anos.

E o Brasil?

Os analistas ouvidos pela reportagem não se mostraram muito otimistas quanto às perspectivas do Brasil, mas posicionam o país em um nível menor de risco entre seus pares na região.

Contam contra o Brasil o fato de ter proporcionalmente a segunda maior dívida pública da América Latina, que corresponde a 91,5% do PIB, de acordo com o FMI, e também ao grande déficit fiscal, que deve ser de R$ 861 bilhões, correspondente a 12% do PIB, de acordo com a previsão mais recente do Ministério da Economia, divulgada no final de setembro.

Ao mesmo tempo, o Brasil tem uma das menores previsões de queda do PIB em 2020 na América Latina. Em seu ultimo relatório, o Banco Mundial previu uma contração de 5,4%, abaixo dos 8% previstos em junho. "O Brasil vai ser uma das economias (latinas) com melhor desempenho neste ano", diz Surya, do Grupo Economist.

Na opinião de Surya, o Brasil não ter adotado no país um lockdown nacional, como em outros países, além de ter sido liberado linhas de crédito para empresas e um auxílio emergencial para pessoas físicas, suavizou o impacto econômico da pandemia.

Surya destaca ainda que o Brasil "tem um dos melhores sistemas de saúde da América Latina". Porém, ele diz que o prognóstico para o país não é claro.

"A questão é a sustentabilidade fiscal. Bolsonaro prometeu um ajuste nas contas públicas, mas o que aconteceu durante a pandemia é que foi preciso aplicar políticas de gastos massivos. A questão é se isso vai ser controlado."

Ramos, do Goldman Sachs, afirma que o país não vai conseguir manter as políticas de estímulo da economia por muito mais tempo.

"O Brasil avançou muito pouco nas reformas fiscais necessárias. O déficit tem aumentado devido aos estímulos à economia, o que fará com que feche o ano com um índice próximo de de 17% do PIB e com uma dívida próxima de 100% do PIB. Isso não permite que haja grandes perspectivas de melhora em 2021 nem em 2022", diz Ramos.

Além disso, "há muito ruído político e institucional em torno disso, o que também não ajuda", porque o país precisa conter a expansão da dívida pública. "Isso requer cortes de gastos e capital político para implementar as medidas necessárias."

Dados positivos inesperados

Apesar do panorama desolador, o último relatório do Banco Mundial apontou alguns aspectos positivos inesperados para a América Latina.

O comércio mundial está voltando aos níveis pré-pandêmicos, o que favorece os países da região que dependem das exportações de matérias-primas, cujo preços nos mercados internacionais têm se mantido, talvez favorecidos pela vigorosa recuperação da demanda chinesa.

O volume de remessas também foi mantido. Apesar de um declínio inicial acentuado, os imigrantes latinos continuam a enviar dinheiro para casa, o que ajudou muitos a sustentar suas famílias em seus países de origem.

As medidas de estímulo aplicadas por governos e bancos centrais também foram mais "robustas" do que o esperado.