Por que preço dos combustíveis é tão crucial para popularidade do governo
Preocupado com o impacto que uma alta nos preços de combustíveis pode ter sobre a popularidade do seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou amortecer os impactos políticos da volta dos impostos sobre gasolina e etanol, prevista para esta quarta-feira (01/03), com uma solução intermediária.
O corte total de PIS/Cofins havia sido adotado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) para baratear combustíveis no ano passado, medida que críticos avaliaram como eleitoreira.
O ministro da Fazenda do atual governo, Fernando Haddad, anunciou nesta terça (28/2) que a reoneração da gasolina fica em R$ 0,47 e a do etanol, em R$ 0,02. O diesel permanecerá livre de tributação até o fim de 2023.
No mesmo dia, a Petrobras divulgou que o preço da gasolina nas distribuidoras cairá R$ 0,13 e passa de R$ 3,31 para R$ 3,18. O diesel terá uma redução de R$ 0,08 (de R$ 4,10 para R$ 4,02).
Com isso, o aumento na gasolina será de R$ 0,34.
Vale ressaltar que esses são os preços praticados na venda às distribuidoras de combustíveis. O impacto final na bomba pode variar pelo país, a depender dos custos de produção e da margem de lucro das distribuidoras.
Além disso, o governo vai adotar uma novo imposto sobre exportação de óleo cru para compensar a perda de arrecadação com a volta apenas parcial dos tributos.
"Essa reoneração prevê, desde o dia 12 de janeiro, suprir as metas fiscais estabelecidas voluntariamente pelo Ministério da Fazenda. Digo isso porque o Orçamento prevê um déficit de R$ 231 bilhões e nós nos comprometemos a reduzir esse déficit neste ano para menos de 1% do Produto Interno Bruto", disse o ministro
"Nós começamos a fazer gestão no sentido de recompor as receitas que foram prejudicadas com as decisões tomadas por ocasião do processo eleitoral por um governo que visava reverter um quadro desfavorável [nas pesquisas de intenção de voto].
O ministro da Fazenda ainda disse que Lula decidiu prorrogar a desoneração porque "havia rumores em Brasília de uma tentativa de golpe de Estado".
O governo, para compensar a reoneração parcial, decidiu taxar as exportações de petróleo cru em 9,2% com o objetivo de arrecadar R$ 6,7 bilhões.
Para isso, o governo vai criar por meio de uma medida provisória um novo imposto sobre exportação de petróleo, com previsão inicial de duração de quatro meses.
A projeção da Fazenda é que, no caso da Petrobras, por exemplo, esse impostos deve representar certa de 1% do lucro da empresa.
Segundo Haddad, o Congresso vai decidir, ao analisar a medida provisória, se adota esse novo imposto de forma permanente, mantendo as alíquotas menores sobre gasolina e etanol.
A disputa no governo
O anúncio representou uma vitória para Fernando Haddad, que sofreu pressão de lideranças do PT contra a volta dos impostos.
O receio da ala política do governo é que o encarecimento dos combustíveis afete a popularidade do governo já no seu início.
Haddad defendia um retorno imediato desses impostos no primeiro dia da gestão Lula, devido à necessidade de reforçar o caixa da União para cobrir a ampliação dos gastos sociais e reduzir o rombo nas contas públicas, projetado para fechar o ano em mais de R$ 200 bilhões.
No entanto, a pressão da ala política do governo já havia levado à prorrogação da desoneração do diesel e do gás de cozinha até o final do ano e da gasolina e do etanol até fevereiro.
"Cobra-se do Presidente da República, com razão, responsabilidade social, que ele está tendo, e responsabilidade fiscal, que ele está tendo. E ele é campeão de unir essas duas agendas durante seus oito anos de governo", disse Haddad, ao anunciar as novas medidas.
"Eu penso que o presidente Lula vai buscar uma linha fina entre uma coisa e outra. E, na minha opinião, ele encontrou um meio termo muito adequado de fazer com que o peso da decisão recaísse sobre vários atores, exportadoras, Petrobras", acrescentou o ministro.
O Ministério da Fazenda afirma que o novo modelo vai garantir a arrecadação de R$ 28,8 bilhões que estava prevista para este ano com volta integral dos impostos sobre os dois combustíveis a partir de março.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, usou o Twitter na última sexta-feira para defender a prorrogação do corte de impostos, até que o novo Conselho de Administração da Petrobras, que assume em abril, possa discutir uma nova política de preços de combustíveis.
Essa política hoje segue a oscilação do petróleo no mercado internacional, o que tem resultado em preços mais altos.
O novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e Hoffmann defendem que os preços sigam os custos de produção nacional, em vez da cotação internacional, enquanto críticos dessa opção dizem que isso traria prejuízos à estatal, afetando sua capacidade de investimentos.
"Não somos contra taxar combustíveis, mas fazer isso agora é penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha", argumentou Hoffmann.
Como os combustíveis impactam a popularidade?
Os itens mais sensíveis para a vida da população e que, portanto, podem afetar mais a popularidade do governo são diesel e gás de cozinha - não à toa, estão com desoneração prorrogada até o fim do ano.
O encarecimento do gás de cozinha, essencial para alimentação, tem impacto direto para a população mais pobre.
Já o diesel abastece os caminhões que rodam o país transportando os mais diversos produtos, inclusive alimentos. Por isso, uma subida de preço tende a impactar também o custo de outros produtos, que ficariam mais caros para o consumidor final.
Além disso, o governo monitora o risco de protestos de caminhoneiros que poderiam ocorrer com o aumento do preço do diesel.
Em 2018, durante o governo de Michel Temer, um movimento desse tipo paralisou muitas rodovias no país, provocando retração econômica.
No caso da gasolina, críticos dessa desoneração argumentam que o preço desse combustível não afeta tanto a população mais pobre, que em geral não utiliza automóvel próprio.
Por outro lado, o item impacta trabalhadores de baixa renda, como entregadores e motoristas de aplicativo, além de pesar sobre a classe média e setores mais ricos.
Como nota o cientista político da consultoria Tendências, Rafael Cortez, são segmentos que historicamente têm mais capacidade de pressionar o governo e que têm sido mais críticos ao PT.
Pesquisas de intenção e voto durante a eleição mostravam que Bolsonaro tinha apoio superior a Lula entre todos os segmentos com renda familiar acima de dois salários mínimos, enquanto o petista vencia entre os mais pobres.
Ele lembra ainda que o debate sobre o encarecimento dos combustíveis ocorrem em um momento em que a sociedade como um todo já acumulou um desgaste com a inflação mais alta nos últimos anos.
"Isso afetou não só as classes de renda mais baixa, mas também essa classe média baixa que de alguma maneira emergiu, entrou no mercado de consumo, mas também sofreu bastante por conta dos últimos anos com a inflação andando muito, muito alta", afirma.
"E como o Bolsonaro soube muito bem dar vazão a esse grupo, a expressar demandas dessa natureza, a complexidade política se tornou ainda maior na hora do governo tomar essas decisões (de rever a desoneração)", analisa ainda.
Para Cortez, também está no radar do governo a possibilidade uma eventual perda de popularidade abrir espaço para o fortalecimento do bolsonarismo, inclusive de alas mais extremistas que atuaram na invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro.
O próprio ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, manifestou essa preocupação em entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo.
"A pergunta é: o governo Lula vai melhorar a vida do povo brasileiro? Se a resposta for sim, o golpismo tende a ser uma força declinante. Se o governo enfrentar dificuldades no resultado, aí abre espaço para a emergência do golpismo", argumentou Dino.
Subsídio pode ter efeito inverso na inflação de longo prazo?
A equipe econômica, por outro lado, argumentava que manter o subsídio aos combustíveis para evitar uma inflação mais alta agora teria um impacto inverso no longo prazo.
Segundo essa visão, o rombo elevado nas contas públicas teria o efeito de reduzir a confiança de agentes do mercado na economia brasileira, contribuindo para uma desvalorização do real frente a dólar, o que encareceria os produtos importados e pressionaria a inflação.
Para o analista chefe de Petróleo e Gás Natural do UBS BB, Luiz Carvalho, esse efeito deveria desencorajar o subsídio amplo de qualquer combustível, até mesmo do diesel, considerado mais sensível.
"Se você subsidiar o preço do diesel, isso vai levar a uma depreciação do câmbio, que vai fazer com que todos os outros produtos que são contados em dólar fiquem mais caros em reais."
"Uma depreciação do câmbio vai levar o preço do trigo, da soja, do milho, do açúcar, do minério, do próprio petróleo o estarem mais caros em reais do que, eventualmente, o próprio benefício que você teria na inflação (com o corte de impostos)", acrescentou.
Segundo Carvalho, o mais adequado seria o governo avaliar subsídios para grupos específicos.
"Você poderia fazer algo mais direcionado para os taxistas, os motoristas de Uber, eventualmente até os caminhoneiros autônomos, por exemplo. Porque grande parte dos outros caminhoneiros, eles são CLT (trabalhadores com carteira assinada) que trabalham para grandes transportadoras que são ultra capitalizadas", ressalta.
Para consultora econômica Zeina Latif, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, a desoneração da gasolina é totalmente "inadequada" do ponto de vista ambiental, fiscal e social, tendo em vista o grupo social de maior renda que ela atende.
Na sua avaliação, a manutenção do subsídio sobre o diesel também é discutível devido ao impacto nas contas públicas, mas é mais compreensível.
"O país tem ainda uma matriz de transporte que depende muito do diesel e existe a preocupação com paralisação de caminhoneiros, categoria que tem uma relação mais próxima com o bolsonarismo", reconhece.
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