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Brasil hesita em subir juros no último minuto e irrita críticos

Mário Sérgio Lima, Arnaldo Galvão e Randall Woods

21/01/2016 09h44

(Bloomberg) -- Praticamente desde o momento em que assumiu o Banco Central do Brasil, cinco anos atrás, Alexandre Tombini ouve os clamores dos críticos que juram que ele está em conluio com os políticos obcecados com o crescimento a qualquer custo. Sua inesperada decisão, na noite de quarta-feira, de abster-se de elevar as taxas de juros não ajudará muito a silenciar essa teoria.

A questão não foi apenas a decisão em si. Foram as circunstâncias incomuns que levaram a ela. Na manhã de terça-feira, horas antes de sentar-se com os outros sete diretores do Comitê de Política Monetária (Copom) para iniciar a reunião de dois dias, o presidente do BC emitiu um sucinto comunicado dizendo que ele e seus colegas levariam em consideração um novo relatório do FMI que prevê uma contração econômica maior no Brasil. A implicação era clara: não esperem um aumento nos juros para conter a inflação, não agora que a economia está tão frágil.

Foi um passo muito pouco ortodoxo, que causou um miniescândalo (com aqueles mesmos críticos dizendo que Tombini quebrou o protocolo), aprofundou a sensação de confusão nos mercados financeiros brasileiros e salientou a dimensão da situação em que está a autoridade monetária. A inflação pode ter subido para mais de 10 por cento pela primeira vez em 12 anos, mas a economia pode encolher mais de 3 por cento pelo segundo ano seguido. E o BC não sabe qual alavanca puxar.

"O Banco Central já tinha pouca credibilidade em relação à meta da inflação e a decisão de hoje é um novo golpe", escreveu Neil Shearing, economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics, em uma nota técnica na quarta-feira. "Podemos agora adicionar a questão da autonomia do BC a uma lista já longa de razões para estarmos preocupados com a direção da economia do Brasil".

Problemas econômicos

Entre essas razões estão o aumento do desemprego, a diminuição da produção industrial, a queda das vendas do varejo e a ampliação do déficit no orçamento federal. Para piorar, o processo de impeachment contra a presidente e um crescente escândalo de corrupção aumentaram as disputas internas no Congresso, tornando praticamente impossível que os parlamentares entrem em acordo sobre as medidas pensadas para reanimar o crescimento.

O Fundo Monetário Internacional, como resultado, revisou para baixo suas estimativas para o produto interno bruto do país, na terça-feira, projetando uma contração de 3,5 por cento neste ano e estagnação no próximo. A sequência marcaria o período mais longo sem crescimento em mais de um século.

Embora a recessão possa justificar a decisão de manter as taxas de juros inalteradas, o BC não comunicou essa estratégia nas semanas anteriores à reunião, segundo Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg Consultores Associados. Em vez disso, Tombini enfatizou a mensagem de que traria a inflação de volta para a meta até o fim do ano que vem, antes de mudar de rumo ao publicar a nota sobre as projeções do FMI.

Os swaps de taxas de juros caíram após o comentário de Tombini sobre o FMI porque os traders trocaram as apostas para a decisão de quarta-feira de um aumento de 50 pontos-base para apenas 25. Foi a maior queda em dois meses.

Pressão política

O comunicado de Tombini veio dois dias depois de o jornal O Estado de S. Paulo publicar que o PT o pressionaria para reduzir as taxas de juros. Esta foi a mais recente de uma série de novas reportagens dizendo que o BC estava sendo pressionado para defender a agenda do partido do governo para estimular o crescimento. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse no mês passado que elevar os juros mais prejudicaria os investimentos do que conteria a inflação.

"Isso dá a impressão de que eles usaram o FMI como desculpa", disse Zara. "É difícil dizer até que ponto a política influenciou as coisas -- se é que o fez --, mas o mercado avaliará essa possibilidade".

A assessoria de imprensa do Banco Central não respondeu a um e-mail enviado na quarta-feira à noite para comentar se a política pesou em sua decisão. Em um comunicado que acompanhou a decisão, a autoridade monetária disse que levou em consideração o aumento das incertezas, especialmente no exterior. Dois membros do Copom divergiram e votaram por um aumento de 50 pontos-base.

Economistas como Cristiano Oliveira, do Banco Fibra, disseram que o freio surpresa de Tombini poderia criar volatilidade quando os mercados abrissem nesta quinta-feira, porque os investidores estão tentando decifrar a nova estratégia do BC para o crescimento e a inflação. Alberto Ramos, economista-chefe do Goldman Sachs Group para a América Latina, disse que a decisão minará sua credibilidade e mostra um comprometimento menor com o combate aos aumentos dos preços.

"Eu não me surpreenderia se o Banco Central começasse a falar em reduzir os juros", disse ele.