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Torcedores serão o juiz mais rigoroso de Neymar

Mac Margolis

19/02/2016 16h31

(Bloomberg View) - Se tem um brasileiro que dispensa apresentações, esse é Neymar. O famoso atacante do Barcelona, de 24 anos, é o jogador de futebol mais conhecido do Brasil depois de Pelé. O mesmo heroísmo em campo que lhe rendeu iates e carros de luxo deu algum alívio ao país castigado por escândalos políticos e por uma brutal desaceleração econômica.

Pelo menos até agora. Nesta semana, um juiz federal brasileiro ordenou o congelamento de quase US$ 50 milhões dos ativos de Neymar, incluindo um jato particular, um iate e uma coleção de carros potentes e imóveis luxuosos. Essa quantia é muito superior aos aproximadamente US$ 16 milhões que, segundo os promotores, o ás do futebol deixou de pagar em impostos nos últimos anos: a pena padrão do Brasil para sonegadores inclui o pagamento dos impostos e uma multa pesada.

Que os ídolos não estejam acima da lei é uma boa notícia para o Brasil. Afinal, o país está atravessando uma faxina profunda de transações suspeitas no governo e nos conselhos corporativos. A Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, levou alguns dos mais poderosos figurões e executivos do Brasil aos tribunais e até para a cadeia.

O purulento escândalo obriga a presidente Dilma Rousseff a continuar lutando contra a campanha de impeachment que está se fechando em torno de seu popular antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, que supostamente teria aceito propinas de empresas para arrumar uma casa de campo e reformar um apartamento na praia.

Então, é tentador considerar que o caso contra Neymar faz parte de uma renovação ética maior. Quem dera que o Brasil tivesse essa sorte. A Lava Jato é animadora, mas recente, e fazer carreira na política continua sendo visto como uma forma rápida de chegar à impunidade.

Um exemplo é o Congresso brasileiro. Em dezembro, quase 30 por cento dos deputados da Câmara e 40 por cento dos senadores respondiam a processos penais, de acordo com Congresso em Foco, um site que monitora o Parlamento.

E, no entanto, esses parlamentares têm liberdade para votar leis e receber salário, a menos que seus colegas decidam suspender-lhes a imunidade parlamentar e que o Supremo os condene. Mas espere sentado: apenas 16 parlamentares no cargo foram condenados nos últimos 28 anos.

Para as celebridades, a situação é mais difícil. Embora alguns brasileiros tenham status de estrela do rock, a fama pode torná-los alvos fáceis, especialmente no futebol. Pelé, o maior ídolo de todos os tempos, reverenciado no Brasil como "o Rei", estava na lista de convidados de palácios do mundo inteiro, mas sua aura não ajudou muito quando seu filho foi condenado por lavagem de dinheiro e envolvimento com o tráfico de drogas nem impediu que Pelé aparecesse nas manchetes quando sua empresa de marketing esportivo foi acusada de se apropriar de dinheiro destinado à caridade. (Pelé não foi implicado pessoalmente, mas sua reputação ficou abalada).

Romário, outro atacante famoso, foi detido e ficou preso durante um curto período em 2009 por não pagar pensão alimentícia. E, em 1994, a seleção brasileira de futebol inteira foi convocada pela Receita Federal após ganhar a Copa do Mundo, quando voltava ao país em um avião cheio de contrabando. "A impunidade se aplica mais aos poderosos do que aos famosos", disse-me o jornalista esportivo Juca Kfouri. "Os ídolos do Brasil nunca foram poupados".

Pode ser que seja uma questão cultural. Afinal, o futebol é praticamente uma religião no Brasil, talvez porque nesse campo o mérito e o talento vencem os contatos e a riqueza. Os brasileiros, com toda razão, têm orgulho do jogo que lhes deu cinco Copas do Mundo inigualáveis (apesar do papelão da seleção na última Copa) e os talentos locais talvez sejam a exportação de valor agregado mais bem-sucedida do país.

Isso faz com que o futebol seja uma marca importante demais para mexer com ele, uma convicção que se gaba da destreza dos pés e abomina as artimanhas. Os brasileiros exultavam no ano passado quando a procuradora-geral dos EUA, Loretta Lynch, indiciou cartolas da Fifa com acusações de corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Talvez a suposta sonegação fiscal de Neymar pareça um pequeno deslize em comparação com as ofensas que os todo-poderosos do Brasil são acusados de cometer. Mas é provável que nem os tribunais nem o povo brasileiro tenham piedade dele. Resta saber como o jogo vai acabar para a seleção de elite de políticos e magnatas do país.