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Análise: Remédios do BCE não funcionam tão bem assim com idosos

Chris Bryant

03/06/2016 13h50

(Bloomberg) -- Mario Draghi zerou as taxas de juros, deu uma liquidez enorme aos bancos e expandiu muitíssimo o balanço do Banco Central Europeu - mas, mesmo assim, a economia da zona do euro não decolou. Uma má notícia para qualquer companhia que opere na região.

O motivo mais frequentemente mencionado para isso é o falido sistema bancário europeu, que sugou quantidades sem precedente de liquidez, mas não conseguiu transferir grande parte dela para os consumidores.

Mas há outro fator menos óbvio que poderia estar influindo: o envelhecimento da população da região. E isso não vai desaparecer - nem se Draghi consertar os bancos.

A população da Europa está envelhecendo mais rapidamente que a dos EUA. Ter menos trabalhadores para sustentar um número maior de aposentados é um problema que a economia cresça ou para que o orçamento se equilibre.

Mas uma população envelhecida também pode limitar a efetividade da política monetária, um fator que talvez não seja tão bem compreendido. Para entender o motivo, é útil pensar em como a flexibilização quantitativa (QE, na sigla em inglês) pode estimular a atividade econômica.

Vejamos o primeiro caminho: o canal do crédito. A QE deveria encorajar os bancos a fornecerem mais empréstimos aos mutuários, o que, junto com as taxas de juros baixas, deveria estimular o crescimento.

Talvez esse seja o canal mais importante, porque a zona do euro é mais dependente dos empréstimos bancários que os EUA. As condições do crédito na zona do euro melhoraram, mas a expansão creditícia ainda é bastante modesta considerando o baixo nível das taxas de juros.

Na verdade, isso se deve principalmente ao fato de que os balanços dos bancos da zona do euro continuam detonados, e as famílias vêm tentando diminuir os empréstimos desde a crise financeira.

Mas a demanda por empréstimos também poderia estar limitada por outra razão: pessoas mais velhas são menos propensas a tomar empréstimos. A teoria sugere que as pessoas na faixa dos 20 e dos 30 anos costumam ser mais sensíveis às mudanças nas taxas de juros porque tomam empréstimos para financiar sua formação acadêmica, comprar uma casa e formar uma família.

Hoje, no entanto, os jovens são um grupo proporcionalmente menor na Europa e estão se casando e tendo filhos mais tarde. Além disso, o desemprego entre os jovens continua sendo alto. O aumento de preço dos imóveis significa que obter uma hipoteca para comprar uma casa seja só um sonho para muitos jovens. Por isso, a demanda por crédito continua sendo fraca.

Depois, consideremos o canal do risco: a queda dos rendimentos na dívida dos governos deveria obrigar os investidores a optar por ativos mais arriscados, como as ações.

Os rendimentos dos papéis corporativos desmoronaram na Europa e os preços das casas estão subindo rapidamente em alguns países, como a Alemanha. Contudo, o reequilíbrio das carteiras de valores não se estendeu de fato para o mercado acionário.

O prêmio pelo risco das ações - o retorno adicional exigido pelos investidores por ter ações em vez de ativos sem riscos, como títulos de governos - continua sendo alto na zona do euro.

Há muitos motivos para isso, inclusive a preocupação com a volatilidade, a crise da dívida soberana, a fraqueza do crescimento econômico e dos lucros corporativos e também os bancos (mais uma vez).

Mas é possível que a demografia também esteja desempenhando um pequeno papel: pessoas mais velhas tendem a ter maior aversão a riscos, porque elas não querem perder seus investimentos por causa de uma queda do mercado acionário. Os poupadores costumam passar para ativos mais seguros, como papéis de dívida e dinheiro, à medida que se aproximam da aposentadoria.

Na teoria, um número maior de idosos implica uma demanda local menor por ações. Bancos e empresas não-financeiras enfrentam, portanto, um custo alto das ações na zona do euro, que inibe o crédito e os investimentos.

Por último, consideremos o canal da riqueza: a alta dos preços dos ativos deveria fazer com que as pessoas se sintam mais ricas e comprem mais coisas.

Idosos têm mais ativos financeiros que pessoas mais jovens, por isso lucram mais com qualquer aumento dos preços de imóveis, ações e títulos provocado pela QE. Seus gastos em coisas como assistência médica e viagens deveriam ser algo positivo para a atividade econômica e, consequentemente, para as empresas.

No entanto, é provável que o efeito de riqueza da QE na Europa seja menor que nos EUA. Draghi lamentou em um discurso recente que as famílias americanas destinem um terço de seus ativos financeiros a ações, sendo que na França e na Itália a proporção é de um quinto e, na Alemanha, de apenas um décimo.

Além disso, quase 40% dos ativos dos alemães estão em dinheiro e em depósitos bancários (proporção que se compara com menos de 15 por cento para as famílias americanas, segundo Draghi).

É improvável que idosos que possuem apenas esses ativos com rendimentos baixos para financiar sua aposentadoria ou que estejam preocupados com o aumento dos déficits nos planos de pensão dos setores público e privado - outra consequência da QE - aumentem o consumo.

Por não aproveitarem muitos dos benefícios da QE, não é surpreendente que os aposentados alemães estejam entre os adversários mais veementes de Draghi. Mas eles não são apenas uma dor de cabeça política para Draghi. Seus hábitos de poupança limitam as chances que o BCE tem de estimular a demanda, e isso prejudica todas as empresas europeias.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião da Bloomberg LP e de seus proprietários.