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O melhor para o mundo é outra década perdida: Bloomberg View

Satyajit Das

15/06/2016 15h16

(Bloomberg) -- Cada vez mais economistas parecem convencidos de que EUA, União Europeia e China caminham para um período prolongado de crescimento lento - uma estagnação secular, nas palavras do ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers. O Japão da década de 1990 é um bom paralelo. Lá, o estouro de bolhas nos preços dos ativos, que haviam sido infladas por dívidas, levou a diversas rodadas de estímulo fiscal, enorme afrouxamento monetário e juros baixíssimos. Os esforços de resgate proporcionaram estabilidade, mas não uma recuperação sustentável, deixando a economia japonesa travada por crescimento lento, inflação baixa e endividamento elevado.

Esse desfecho não é tão terrível quanto parece. Um político inglês, maravilhado com o badalado bairro de Ginza, em Tóquio, disse que, se aquilo era recessão, ele também queria uma. No entanto, quando o Japão entrou na fase ruim, tinha diversas vantagens internas e internas que não estão disponíveis atualmente. Para muitos países, um tombo como o do Japão é o melhor cenário possível.

Primeiramente, quando a crise começou, a dívida pública era de aproximadamente 20 por cento do PIB, a poupança doméstica era robusta e os investimentos tinham grande viés interno. Ainda hoje, cerca de 90 por cento dos títulos públicos estão nas mãos de compradores japoneses. Isso permitiu que um governo atrás do outro registrasse enormes déficits orçamentários e financiasse gastos internamente, com ajuda da postura flexível do banco central, que manteve baixo o custo de serviço da dívida.

Comparativamente, muitas economias problemáticas da atualidade enfrentam níveis elevados de endividamento -- 80 por cento a 100 por cento do PIB - e dívidas totais também elevadas. Na China, a dívida oficial do governo é menor, aproximadamente 55 por cento do PIB, mas o dado não contempla recursos tomados por grandes bancos e empresas estatais, que têm de alguma forma garantias do governo. Alguns países também enfrentam baixo nível de poupança interna e dependem do capital estrangeiro, o que reduz a capacidade de financiar rombos no orçamento.

Em segundo lugar, a derrapada do Japão ocorreu durante um período de forte crescimento global. Assim, as exportações compensaram em parte a fraqueza da demanda doméstica e os japoneses puderam buscar retorno atraente no mercado internacional, que esbanjava saúde. Agora, diante da demanda fraca e dos mercados nebulosos, os países dificilmente podem buscar ajuda externamente. O comércio internacional e os fluxos de capitais que cruzam fronteiras se intensificaram ao longo das décadas de 1990 e 2000. Hoje, a globalização está sob pressão, limitando a capacidade de países acessarem demanda e fundos no exterior.

Em terceiro lugar, no último quarto de século, o Japão conseguiu desvalorizar o iene para incentivar a atividade econômica de forma intermitente. A depreciação cambial ocorrida após o início do enorme programa de compra de títulos pelo banco central em 2013 proporcionou lucros recordes aos grandes exportadores. Hoje, com o mundo todo penando, qualquer tentativa de ganhar vantagem competitiva por meio de desvalorização cambial tende a provocar retaliações.

Um quarto aspecto é que, quando a bolha estourou, o Japão já era rico e avançado tecnologicamente, com empresas de ponta nos setores automotivo, industrial e de eletrônicos de consumo. Países como a China não estão nem perto desse estágio de desenvolvimento. No início da década de 1990, o PIB per capita no Japão estava ao redor de US$ 29.000 (a valor corrente do dólar), ou 20 por cento maior do que o dos EUA na época. O PIB per capita da China hoje está na casa de US$ 7.500, ou 15 por cento do PIB per capita dos EUA. A China ainda está no estágio inicial de transição de uma economia de manufatura de baixo custo para uma economia voltada para setores mais avançados. Um desaquecimento econômico agora ameaça os esforços do governo para aumentar a renda das pessoas.

Em quinto lugar, embora o envelhecimento da população japonesa dificulte o rejuvenescimento da economia, a pirâmide demográfica no início da crise era favorável. Uma população mais madura já havia acumulado patrimônio considerável. Com a queda nas taxas de natalidade, menos gente precisava ser absorvida pela força de trabalho, o que manteve o desemprego baixo. Em contraste, em muitos países atualmente, taxas elevadas de desemprego e subemprego - especialmente entre os jovens - representam um grande desafio político e social.

Por fim, a sociedade japonesa é insular e homogênea. Apenas um partido governa de fato, o Partido Liberal Democrata, que consegue tocar suas políticas com pouca oposição. A cultura japonesa se baseia na consciência nacional e no estoicismo forjado durante a Segunda Guerra Mundial e o pós-guerra. Os cidadãos aceitam os sacrifícios impostos pelas dificuldades econômicas.

A China tem algumas dessas características. Porém, sociedades com maior diversidade e volatilidade política talvez não aceitem de bom grado as medidas necessárias para enfrentar seus desafios econômicos. Polarização e resistência a políticas austeras -- evidentes na Europa e em outras partes do mundo - prometem turbulência durante fases prolongadas de piora da economia.

A experiência do Japão é instrutiva, não preditiva. Infelizmente, como observou o escritor brasileiro Paulo Coelho, "cada vez que repetimos o mesmo erro, o preço sobe".

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do comitê editorial da Bloomberg LP e seus proprietários.