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Análise: Por que rendimento de notas EUA está em mínima recorde

Mohamed El-Erian

06/07/2016 11h31

(Bloomberg) -- Nesta semana, os EUA foram o caso mais recente de economia avançada a registrar uma queda para patamares recorde do rendimento de seus títulos soberanos de referência com vencimento em 10 anos, junto com o achatamento contínuo da curva de rendimento para seus títulos do Tesouro.

Mas os fatores tradicionais não conseguem explicar esses acontecimentos. Isso também significa que os sinais transmitidos aos mercados e as implicações para a economia e a política não podem ser analisados da maneira habitual. Em vez disso, três grandes conclusões podem ser tiradas dessas circunstâncias sem precedentes.

O notável declínio dos rendimentos dos títulos do Tesouro não está seguindo um caminho convencional, particularmente porque diz muito mais sobre a Europa e o Japão do que sobre os EUA.

Geralmente, os rendimentos baixos e o achatamento da curva de rendimento nos EUA são sinais fortes de que uma recessão se aproxima - e, neste caso em particular, sinalizariam uma dolorosa retração econômica, considerando o quanto os rendimentos caíram e o quanto a curva se achatou.

No entanto, essa leitura não se aplica neste caso: em vez de ter sido influenciada pelas condições dos EUA, a curva de rendimento dos títulos do Tesouro foi capturada por acontecimentos na Europa e, em menor grau, no Japão - especificamente, as perspectivas de mais desaceleração econômica e a probabilidade de mais estímulos do banco central (inclusive juros mais baixos no Reino Unido e uma expansão do programa de compra de títulos, de grande escala, empreendido pelo Banco Central Europeu).

Os temores com a lentidão do crescimento no exterior se intensificaram nos últimos dias por causa do resultado do referendo do Brexit, que acrescenta incertezas institucionais incomuns a condições econômicas já frágeis, a uma situação financeira fluida e a uma posição desequilibrada da política, excessivamente dependente dos bancos centrais.

Estima-se, corretamente, que as consequências da decisão do Reino Unido, em referendo, de sair da União Europeia levarão a menos investimentos corporativos no país e menor confiança do consumidor.

Embora a injeção de liquidez do Banco da Inglaterra e a flexibilização dos requisitos de reserva dos bancos possam agir como um fator moderador, o impacto será marginal. A proposta de reduzir a taxa do imposto corporativo, feita pelo ministro das Finanças, George Osborne, trará benefícios econômicos ainda mais limitados, embora complique as negociações com a UE e alimente o receio de que o "establishment político" mais uma vez favorece as "elites empresariais".

O crescimento baixo do Reino Unido terá efeitos desfavoráveis de contaminação no restante da Europa. Isso será agravado pelas restrições impostas à política econômica pelos efeitos desestabilizadores dos movimentos contrários ao establishment, apesar do arrependimento que surgiu depois da votação pelo Brexit.

A boa notícia para os americanos é que a contaminação negativa transmitida pelo crescimento lento na Europa provavelmente será limitada. Os EUA ainda estão no comando de seu destino econômico, embora pouco possa ser feito em relação à curva de rendimento.

Como os juros negativos em grande parte da Europa fazem com que os ativos de renda fixa dos EUA se tornem ainda mais atraentes para investidores em títulos do mundo inteiro, o declínio resultante nos rendimentos e o achatamento associado da curva excederão muito o que decorre exclusivamente das perspectivas econômicas e políticas dos EUA. O impacto benéfico dos rendimentos baixos sobre a economia será limitado e poderia até ser compensado por considerações financeiras.

É improvável que os juros baixos em todo o mundo avançado deem um impulso à atividade econômica. E o mais importante, eles pouco fazem para lidar com antigos ventos contrários estruturais que, nos últimos dias, foram agravados por incertezas quanto ao futuro das relações comerciais e empresariais do Reino Unido com o restante da União Europeia.

No entanto, as mudanças nos rendimentos vão exercer ainda mais pressão sobre o sistema bancário porque obscurecem as perspectivas de receitas e lucro. Isso é particularmente preocupante para os bancos europeus cujo processo de recuperação foi mais lento que o dos pares americanos e para os quais a qualidade de crédito das carteiras de empréstimo se verá afetada pela desaceleração econômica.

Os rendimentos mais baixos também vão amplificar os temores de que empresas que não são bancos assumam riscos excessivos. Na tentativa de cumprir objetivos inalterados - e cada vez mais irreais -, é provável que os investidores se estirem ainda mais em busca de retornos financeiros, o que aumenta o risco de instabilidade financeira no futuro. Isso vai complicar mais a desafiadora tarefa dos responsáveis pela política do Federal Reserve.

Nenhum desses acontecimentos será recebido como uma notícia boa pelo Fed, que já carrega um fardo político excessivo.

Além de fazer com que as decisões sobre os juros se tornem mais complicadas - como aumentar ou não neste ano - os acontecimentos recentes provavelmente acentuarão os temores em relação à capacidade que as políticas macroprudenciais e o aparato regulatório têm de fazer frente aos obstáculos cada vez maiores para a estabilidade financeira e o bem-estar econômico no futuro.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial nem da Bloomberg LP e de seus proprietários.