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Grandes compradores de títulos aproveitam taxas negativas

Brian Chappatta e Andrea Wong

22/08/2016 15h23

(Bloomberg) -- Seria considerado absurdo, se não fosse pelo contorcionismo sem precedentes nos mercados financeiros globais.

A China e o maior fundo de títulos internacionais da Pacific Investment Management Co. estão abocanhando dívidas do Japão de rendimento negativo, comprando papéis que retornam menos do que se pagou por eles. Claro que há uma forma de gerar lucro com a operação.

O motor da estratégia é o apetite global insaciável por ativos denominados em dólar, que representa uma oportunidade para investidores com verdinhas sobrando: a chance de conseguir rendimento adicional, um luxo na era dos menores juros da história. Para quem concede empréstimos em dólar, até mesmo notas japonesas com prazo de três meses - com rendimento negativo de 0,24 por cento - oferecem retorno interessante por meio de um contrato de swap que fixa as taxas de câmbio.

A Pimco, que administra US$ 1,51 trilhão e tem dólares de sobra, aproveita o fenômeno. Seu Foreign Bond Fund, que oferece proteção contra oscilações cambiais, vem comprando dívida pública japonesa de curto prazo neste ano, segundo dados compilados pela Bloomberg. A operação rendia cerca de 1,2 por cento na segunda-feira. A China também anda comprando com gosto, acumulando uma quantia recorde desses papéis no trimestre passado, de acordo com dados do Ministério das Finanças do Japão.

"Em alguns mercados, nós podemos comprar até ativos de rendimento negativo e fazer hedge em dólares para criar rendimentos positivos atraentes", explicou Sachin Gupta, que administra o fundo da Pimco, com US$ 7,8 bilhões, da cidade de Newport Beach, na Califórnia. A dívida japonesa de curto prazo "é o instrumento mais livre de risco possível" no país e, quando mantida em carteira até o vencimento, o lucro está garantido desde o começo, segundo ele.

A operação mostra como políticas de juros negativos fora dos EUA estão virando os mercados de renda fixa de ponta-cabeça, ao estimular a demanda por ativos denominados em dólar e complicando estratégias de investimento tradicionais. A contrapartida é que os investidores globais que tentam fugir de US$ 9 trilhões em títulos soberanos de rendimento negativo precisam pagar para se proteger de riscos cambiais quando compram dívidas dos EUA. Para gestores de recursos que lidam com euros e ienes, os títulos do Tesouro americano com prazo de 10 anos não pagam quase nada quando se exclui os custos de hedge.

Já quem tem dólares para emprestar se sobressai. E é aí que a China entra em cena.

O Banco Popular da China tem US$ 3,2 trilhões em reservas cambiais - quantia sem igual no mundo - e cerca de 60 por cento do montante está em dólares, tornando a autoridade monetária chinesa forte candidata a aproveitar esse tipo de operação.

"As reservas em dólar deles estão em notas do Tesouro dos EUA, rendendo sei lá o quê, mas eles podem ganhar muito mais do que isso concedendo empréstimos em dólares", disse Peter Stella, consultor que vive em Falls Church, no estado americano de Virgínia, e trabalhou durante 25 anos para o Fundo Monetário Internacional. Ele chefiou as divisões de banco central e operações monetárias e cambiais do FMI de 2005 até 2009.

"O risco é praticamente zero para o banco central", ele disse. "Proporcionar liquidez em dólares com certeza é algo que os bancos centrais vêm fazendo."

Estatísticas comprovam o apetite cada vez maior dos chineses por dívidas do Japão. Os fluxos acumulados da China em notas japonesas bateram recorde em junho, chegando a 10 trilhões de ienes (US$ 99 bilhões), de acordo com dados do Ministério das Finanças do Japão.