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BNDES deixa projetos inacabados pela América Latina e África

David Biller

01/12/2016 12h06

(Bloomberg) -- O local escolhido para construção da usina de eletricidade de Punta Catalina, na República Dominicana, deveria estar cheio de gente trabalhando, mas o ritmo está devagar. Do outro lado do Oceano Atlântico, as obras da usina hidrelétrica de Lauca, em Angola, estão enfrentando o mesmo risco.

São as vítimas do fracasso do ambicioso programa de empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que já rivalizou com o Banco Mundial em termos de tamanho da carteira de empréstimos e de desembolsos. Só que os desembolsos diminuíram em meio a acusações de tráfico de influência e gastos questionáveis.

Dos US$ 7 bilhões que o BNDES destinou a 25 projetos de construção no exterior desde 2009, foram liberados somente US$ 2,3 bilhões. Em outubro, a instituição disse que havia suspendido pagamentos adicionais após uma investigação ter revelado propinas por construtoras para assegurar contratos lucrativos dentro do País.

Com a retirada de empreendimentos fora do território nacional, o BNDES deixou uma trilha de projetos inacabados da América Latina à África e líderes estrangeiros bastante irritados.

A presidência de Angola informou no mês passado que enviará uma delegação para pressionar o BNDES a retomar os financiamentos. O governador da província de Chaco, na Argentina, veio em setembro para defender sua posição.

"Encontramos uma série de problemas que temos que endereçar e tem que resolver. Sempre vai haver uma discussão porque isso afeta atividades, governos, pessoas, empresas," disse a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos, em entrevista na sede da instituição, no Rio de Janeiro. "Nós estamos trabalhando para resolver. O que gera estresse é a paralisia, e tudo que a gente não tem aqui é paralisia."

Crise de identidade

O BNDES enfrenta uma espécie de crise de identidade. O banco foi criado há 64 anos para desenvolver a indústria e a infraestrutura, mas sob os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a concessão de empréstimos se multiplicou por cinco. Boa parte foi para empresas que ficaram conhecidas como campeãs nacionais que iriam conquistar o mundo - ou pelo menos os setores nos quais atuavam.

Uma delas era a Odebrecht, que hoje vê seu ex-presidente na cadeia por causa do escândalo de corrupção na Petrobras. O BNDES deu à construtora quase US$ 6 bilhões em créditos para exportação entre 2009 e 2015, a serem quitados por governos estrangeiros. O principal produto de exportação da Odebrecht era o conhecimento em engenharia. Teoricamente, a companhia também tinha missão de promover a exportação de produtos brasileiros para cada projeto no exterior.

Após o afastamento de Dilma em maio e mais tarde o impeachment dela, Maria Silvia assumiu a tarefa de esfriar as ambições do banco. A "dama de ferro", apelido que ganhou quando comandava a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), entre 1999 e 2002, agora trabalha para transferir o foco do BNDES para projetos que gerem retorno social dentro do Brasil, como sistemas de esgoto.

Seis meses após o BNDES suspender o financiamento para outros países, alguns mostram que cansaram de esperar. O governador de Chaco declarou após reunião com Maria Silvia que o BNDES pretendia continuar apoiando um aqueduto, mas no mês passado pediu aos legisladores da província autorização para buscar financiamento em outro lugar.

Angola, país que mais recebeu fundos do BNDES, informa que mobilizou outros recursos para duas hidrelétricas, em meio a demissões e greves de trabalhadores. E a República Dominicana anunciou em outubro que vai emitir até US$ 600 milhões em títulos para concluir a usina de Punta Catalina.