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Uber precisa ser realista sobre avaliação de US$ 69 bi: Gadfly

Leila Abboud

16/03/2017 16h23

(Bloomberg) -- O Uber Technologies fez algo incomum na França recentemente. A empresa se sentou para negociar as condições de trabalho e pagamento com os motoristas.

Esse é o tipo de coisa que um empregador faria, não é mesmo? Mas, como o Uber já afirmou em tribunais de vários lugares do mundo, o aplicativo de transporte compartilhado não emprega motoristas. Todos eles são autônomos, responsáveis pelo pagamento do próprio carro, da gasolina e do seguro, e trabalham quando bem entendem. O Uber não paga encargos trabalhistas, não faz contribuições à seguridade social, não concede licença médica nem garante um salário mínimo. A única coisa que faz é cobrar uma comissão de 20 por cento a 30 por cento por conectar o motorista com o passageiro.

Esse modelo transformou o Uber, fundado em 2009, na empresa de tecnologia de capital fechado mais bem avaliada do mundo. No entanto, é pouco provável que ele sobreviva à segunda década de existência do Uber. Caberia perguntar inclusive se é mesmo um modelo ou se é apenas um caso espetacularmente bem-sucedido de arbitragem regulatória financiada pelos bilhões do Vale do Silício.

Os motoristas estão entrando com ações judiciais de Nova York a Belo Horizonte para tentar conseguir mais proteções. Em um caso de referência em Londres, a Justiça concedeu direitos trabalhistas, como licença médica remunerada e férias, a dois motoristas.

Políticos e órgãos reguladores, especialmente na Europa, onde os governos precisam dos encargos trabalhistas para custear os benefícios sociais, estão angustiados com a chamada "economia informal", que está esvaziando os cofres públicos. Um legislador britânico interrogou recentemente executivos do Uber e da Amazon perguntando por que os contribuintes devem apoiar os custos baratos das gigantes da internet.

Na verdade, o modo em que os motoristas do Uber estão classificados ? como funcionários ou trabalhadores independentes ? é o maior risco para sua avaliação de US$ 69 bilhões. Embora as receitas estejam crescendo rapidamente, rumo a US$ 5,5 bilhões em 2016, o Uber continua sendo absolutamente não rentável, de acordo com a Bloomberg News. Nos primeiros nove meses do ano passado a empresa perdeu US$ 2,2 bilhões sobre vendas de US$ 3,8 bilhões.

E todo esse dinheiro é torrado com o Uber operando com o custo de mão de obra mais barato que alguma vez poderá ter. (Pelo menos até os carros autônomos serem inventados).

Os prejuízos se devem em grande medida ao fato de subsidiar os motoristas durante os períodos em que os descontos para os clientes significam que as tarifas não cobrem os custos. Mas talvez seja hora de dedicar dinheiro a uma forma mais sustentável de manter os trabalhadores contentes. O Uber sempre diz que seus "motoristas parceiros" adoram a independência e a flexibilidade que têm, então por que não provar oferecendo um emprego de verdade para quem quer um? Os motoristas que realmente preferirem a liberdade poderiam conservá-la, e o grupo descontente, que continua levando o Uber aos tribunais, poderia fazer parte da equipe da empresa.

É claro que isso não seria barato. Na França ? reconhecidamente um lugar caro para contratar empregados ?, colocar alguém na folha de pagamento acrescenta até 50 por cento em encargos de um salário.

O Uber sem dúvida preferiria oferecer medidas de meio-termo, como férias remuneradas ou contribuições à previdência, mantendo seu sacrossanto modelo "sem empregados". Na França e no Reino Unido, os executivos disseram que estão abertos a ideias desse tipo.

Mas é difícil imaginar que isso consiga aplacar a ira de alguns motoristas. Na França, o Uber foi forçado a negociar depois de manifestações em que os motoristas bloquearam os aeroportos de Paris. A empresa agora está negociando com a esperança de não ter de pagar um salário mínimo. Uma lei trabalhista aprovada no ano passado deu aos trabalhadores independentes de "plataformas digitais" o direito de se organizarem.

Em muitos lugares, o Uber logo estará negociando como o empregador que não quer ser. Basta ver como os caminhoneiros estão começando a sindicalizar os motoristas em Seattle, nos EUA. Por isso, embora a relutância do Uber em ceder terreno no emprego faça sentido para tentar defender essa avaliação gigantesca, a empresa provavelmente terá de mudar ? pelo menos em alguns países. Melhor se adiantar às coisas do que ter que se submeter a um novo modelo.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião da Bloomberg LP e de seus proprietários.