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Análise: Brexit faz roleta russa com setores automóveis e aviação

Chris Bryant

30/03/2017 10h32

(Bloomberg) -- Poucos setores avançaram tanto na era moderna no Reino Unido como o automotivo e o de aviação. A fabricação de automóveis atingiu o maior nível em 17 anos em 2016. E graças a empresas aéreas de descontos como a EasyJet, os britânicos viajam para o continente pagando somente uns trocados.

A base dessas conquistas hoje está ameaçada. O Reino Unido inicia dois anos de negociações para sair da União Europeia. O governo da primeira-ministra Theresa May tenta projetar confiança, mas tem pouco controle sobre o desfecho das conversas. O Brexit poderá criar muitos perdedores, mas os segmentos de carros e aeronaves - símbolos do livre comércio e livre movimento de pessoas - estão especialmente vulneráveis.

É fato que o Reino Unido tem chances de aumentar o comércio com países de fora da UE. Aliás, precisa fazer isso. Contudo, mais da metade dos passageiros dos aeroportos britânicos está vindo de ou voltando para nações da UE. Mais da metade dos automóveis britânicos exportados tem como destino o continente. Tudo isso precisa de proteção ? até porque a indústria do Reino Unido não vive uma fase de sucesso.

O chamado Brexit "duro", que substituiria o mercado comum por tarifas da Organização Mundial do Comércio (OMC), pode elevar o custo de montagem e exportação de um veículo do Reino Unido em quase 2.400 libras esterlinas (US$ 3.000), segundo estimativas da PA Consulting Group.

No caso dos aeroportos, a expectativa é que o crescimento do tráfego de passageiros caia pela metade por causa da depreciação da libra, de acordo com a Moody's. No pior cenário possível, o Reino Unido pode ser expulso da Área Comum Europeia de Aviação. Sem um acordo ou providências das companhias aéreas, a EasyJet não poderá oferecer voos dentro da Europa. A irlandesa Ryanair Holdings poderá enfrentar problemas similares no Reino Unido.

Como as companhias aéreas europeias precisam ter cidadãos europeus como acionistas majoritários, talvez investidores britânicos precisem se livrar de ações. Um exemplo do caráter suicida do Brexit seria obrigar uma empresa a determinar que investidores vendam suas ações.

Para os entusiastas do Brexit, esses argumentos são terrorismo psicológico. Eles acham que a razão prevalecerá: a indústria automotiva alemã não quer perder acesso sem tarifas ao mercado britânico e a Espanha não se beneficiará de restrições aéreas que atrapalhem o fluxo de turistas britânicos para a Costa Brava.

Esse "otimismo ligeiramente lunático" (nas palavras do presidente da Ryanair, Michael O'Leary) precisa acabar. Os outros 27 integrantes da UE não parecem inclinados a oferecer tratamento especial ao governo britânico. Até o lobby do setor automotivo alemão avisou que a prioridade é preservar a unidade da UE:

"O Reino Unido é um mercado importante para nós, mas o mercado da UE é muito mais importante. Se a UE se desintegrar, isso seria muito pior para nosso setor", declarou Matthias Wissmann, presidente da Associação Alemã da Indústria de Automóveis.

Carsten Spohr, que comanda a Deutsche Lufthansa, parecia desanimado nesta semana: "O Brexit significa Brexit - nosso setor não será isento". Será "virtualmente impossível" chegar a um acordo abrangente para a aviação dentro do prazo disponível, acrescentou.

Um aspecto preocupante é que o Reino Unido não parece preparado. O governo não encomendou qualquer estudo a respeito do impacto sobre as companhias aéreas, admitem os ministros.

O setor automotivo britânico está desesperado para participar do momento único de transição dos motores de combustão para os carros elétricos. Mas isso requer investimentos e as montadoras estrangeiras estarão reticentes até que os novos termos comerciais da UE sejam definidos. O montante de investimentos anunciado pelo setor automotivo ficou um terço menor em 2016, segundo a Sociedade de Fabricantes e Comerciantes de Motores.

As empresas não vão aguardar de braços cruzados até que tudo se resolva. A EasyJet está montando uma unidade operacional sediada na UE para evitar problemas. Trata-se de um risco de que empregos e investimentos migrem para o continente. A Ryanair já está priorizando o crescimento fora do Reino Unido.

Diante dos perigos, só podemos desejar sorte aos britânicos nas negociações. Eles vão precisar.

Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do comitê editorial da Bloomberg LP e seus proprietários.