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Reviravolta em delações da J&F pode reabrir negociação de ativos

Cristiane Lucchesi, Felipe Marques, Fabiana Batista e Tatiana Freitas

06/09/2017 16h37

(Bloomberg) -- A revisão surpresa do acordo de delação premiada assinado pelos bilionários irmãos Batista com o Ministério Público Federal (MPF) do Brasil abre caminho para que US$ 8 bilhões em vendas de ativos possam ser renegociados pelos compradores.

A J&F Investimentos, holding que controla os ativos da família, incluindo a gigantesca empresa de frigoríficos JBS, correu para vender ativos para sobreviver à turbulência causada pelo acordo de delação premiada de sete executivos da empresa, entre eles os irmãos Joesley e Wesley Batista, que confessaram pagamentos de propinas e outros crimes. Em maio, a J&F aceitou pagar R$ 10,3 bilhões (US$ 3,3 bilhões) em multas como parte de um pacto que o MPF classificou como o maior acordo de leniência do mundo.

Agora, a decisão da Procuradoria-Geral da República de revisar os acordos de delação premiada de três desses executivos abre caminho para que os compradores questionem preços ou garantias originalmente acordados.

Executivos das áreas de fusões e aquisições de bancos, que pediram anonimato por discutirem as possibilidades, afirmam que o novo cenário pode exigir atualizações em contratos para melhorar garantias e evitar que as transferências de ações enfrentem restrições legais. O pior cenário inclui o cancelamento dos acordos, disseram eles. Outra pessoa a par do assunto afirmou que a revisão afetaria apenas os três executivos da J&F cujos acordos de delação estão sob análise, e não o acordo de leniência da empresa.

"Dependendo da linguagem dos contratos, os compradores podem tentar extrair mais concessões, preço ou outra coisa", disse David Tawil, presidente e cofundador da Maglan Capital, em Nova York.

'Possíveis omissões'

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse na segunda-feira que os benefícios concedidos a três executivos da J&F podem ser revogados devido a possíveis omissões em seus depoimentos após o surgimento de um novo áudio de conversas entre Joesley Batista e outro executivo, na quinta-feira, que exige esclarecimentos. A gravação, que parece ter sido feita por acidente, sugere possíveis "atos ilícitos" ocorridos na Procuradoria-Geral da República e no Supremo Tribunal Federal (STF), disse Janot, que não forneceu mais detalhes.

A J&F informou em comunicado que o nova gravação será "rapidamente esclarecida" e não vai comprometer o ato de "boa-fé" dos executivos. A empresa preferiu não comentar como os acordos poderiam ser afetados. Em outro comunicado, Joesley Batista pediu desculpas pelas declarações feitas na gravação em áudio.

As vendas de ativos fizeram parte do acordo entre a JBS e credores bancários para a renegociação de R$ 20,5 bilhões em dívidas, disseram pessoas a par do assunto em julho.

"A Justiça pode determinar que os pagamentos das vendas de ativos sejam depositados em juízo para depois decidir quem vai receber", disse o advogado Daniel Bialski, acrescentando que os contratos podem já conter algumas cláusulas protegendo-os de mudanças no acordo de leniência da empresa e também nos acordos de delação premiada dos executivos.

Nos últimos três meses a J&F vendeu ativos como a fabricante de sandálias Alpargatas e a produtora de celulose Eldorado Brasil Celulose. A companhia atualmente responde por cerca de 20 por cento dos acordos de fusão e aquisição fechados no Brasil neste ano, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Irmãos Batista

Os Batista tiveram papel fundamental na venda de US$ 8 bilhões em ativos, realizada pela J&F em apenas três meses, a preços considerados elevados por analistas e com múltiplos acima da média, segundo dados compilados pela Bloomberg. Executivos de bancos que participaram das negociações afirmam que Wesley e Joesley sempre trabalham em equipe, com uma estratégia de negociação simples e direta.

No caso da Eldorado, Wesley foi o negociador direto e ligou para Joesley diversas vezes para informá-lo e discutir a venda, disse uma pessoa a par do acordo, que pediu anonimato porque a informação não é pública. O Bradesco BBI foi o único assessor da venda da Alpargatas e o Banco Santander Brasil e o Bradesco assessoraram a venda da fabricante de laticínios Vigor Alimentos.

A pressão para a venda de ativos o mais rápido possível também foi compensada pelas perspectivas positivas das empresas e pelo número de compradores interessados. A Eldorado, a mais recente venda a ser fechada, foi negociada por R$ 15 bilhões, ou 9,3 vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização. A Vigor obteve uma avaliação de 17 vezes o Ebitda, segundo cálculos feitos por analistas do JPMorgan Chase, e o Santander coloca a avaliação da Alpargatas em 10,7 vezes o Ebitda. O múltiplo médio para fusões e aquisições no Brasil neste ano é de 5,5 vezes o Ebitda, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Queda da JBS

Os ativos ligados a JBS caíram com a notícia sobre o possível cancelamento dos acordos de delação premiada. Os títulos com vencimento em 2024 caíram 1,9 centavo, para 98,7 centavos de dólar, e as ações tiveram declínio de 8,3 por cento, para R$ 7,87. O Itaú BBA reduziu o preço-alvo das ações de R$ 16 para R$ 6, afirmando que o cancelamento da delação colocaria em risco as ações adotadas pela empresa desde maio para estabilizar sua dívida e normalizar suas operações.

"Os acordos de fusão e aquisição só foram possíveis porque os acordos de delação premiada permitiram que a empresa negociasse ativos livremente", disse Daniel Gerber, advogado com atuação em diversas investigações de corrupção no Brasil, incluindo o processo do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, na Operação Lava Jato.

"Mas se o acordo judicial foi baseado em uma mentira, o Executivo ou o Judiciário podem entender que foram prejudicados durante as negociações e questionar se os bens deveriam ter sido disponibilizados para venda", disse ele.