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Ricos são nova ameaça climática para cidades do litoral dos EUA

Christopher Flavelle

23/04/2018 12h29

(Bloomberg) -- Quando o furacão Irma chegou a Big Pine Key, na Flórida, em setembro, causou o desmoronamento do piso da casa móvel de cor creme de Terry e Sharon Baron. Em Marathon Key, 32 quilômetros ao norte, o vento arrancou a casa móvel de Diane Gaffield da base de concreto e jogou-a contra a casa do vizinho.

A alguns quarteirões dali, a casa móvel de Kimberly Ruth simplesmente desapareceu na tempestade.

O furacão Irma foi apenas o começo dos problemas. O código de construção de Florida Keys proíbe a substituição ou grandes reparações de casas móveis danificadas devido à sua vulnerabilidade a furacões. Por isso, as pessoas que moram em um dos quase 1.000 trailers e veículos recreativos danificados ou destruídos pela tempestade têm três opções: encontrar acomodações mais resistentes, porém mais caras; consertar ou substituir as casas e torcer para que os fiscais não percebam; ou abandonar a região.

"Não tem lugar para morar", disse Sharon Baron.

Em todo os EUA, a resposta do governo ao clima extremo está afastando do litoral as pessoas de baixa renda, como o casal Baron, muitas vezes em nome da segurança. Especialistas em habitação, economistas e ativistas cunharam o termo "gentrificação climática".

Seguro por inundação

Requisitos de construção cada vez mais rigorosos tornam mais caro construir casas. O aumento dos prêmios do seguro federal por inundação torna mais caro morar nessas casas. E quando os governos locais emitem títulos para pagar por muros marítimos e outras proteções, como foi feito em Miami no ano passado, os impostos costumam aumentar, o que eleva ainda mais os custos.

Furacões e inundações danificam muito mais as casas de famílias de baixa renda, que normalmente são mais velhas e mais vulneráveis à água e ao vento. Essas casas, por sua vez, frequentemente são substituídas por casas maiores e mais caras. E quando tempestades destroem moradias sociais, às vezes elas nem sequer são substituídas, o que reduz ainda mais as opções disponíveis para pessoas que não podem pagar as taxas crescentes de mercado.

Em uma recente tarde ensolarada, Sharon Baron, de 73 anos, considerava suas opções em frente ao trailer temporário que ela e o marido conseguiram da Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA, na sigla em inglês).

Depois de 44 anos na região de Keys, eles não querem ir embora. Mas juntos ganham apenas US$ 32 mil por ano, a maior parte da Previdência Social, então não podem pagar os US$ 2 mil por mês que, segundo eles, custa um aluguel nas proximidades. Todos os meses, um funcionário da FEMA passa por lá e gentilmente incentiva o casal a encontrar uma nova casa antes de 1º de junho, início da próxima temporada de furacões.

Moradores, pesquisadores e ativistas afirmam que o aquecimento global está começando a mudar não apenas as características físicas das cidades litorâneas, mas também a composição econômica e demográfica. E as autoridades locais estão começando a se preocupar com isso.

"A hospitalidade é a espinha dorsal da economia aqui", disse Christine Hurley, autoridade do condado responsável por prédios, planejamento e cumprimento do código na região de Keys. Ela disse que o setor turístico não consegue operar sem trabalhadores que possam morar lá. "Hotéis e restaurantes terão que começar a transportar pessoas que moram a uma hora e meia de distância de Miami?"