No país do lítio, cidades fantasmas lembram outra bolha
(Bloomberg) -- O Chile sabe o que significa ser descartável.
As cidades fantasmas que salpicam o norte do país são uma lembrança dolorosa de uma época em que o país foi substituído quase da noite para o dia como maior produtor mundial de fertilizantes. Hoje, as edificações em ruínas e as fábricas enferrujadas são um sinal para as mineradoras que apostam em uma grande expansão do lítio.
Os preços do lítio triplicaram em três anos, provocando uma corrida para encontrar um substituto do mineral branco e macio usado para fabricar baterias para uma série de produtos, de carros elétricos a telefones celulares. Enquanto pesquisadores de instituições como o Departamento de Energia dos EUA e a Universidade de Stanford trabalham nos bastidores para desenvolver uma alternativa química, os executivos do setor de mineração local afirmam que o apogeu e a queda do Chile no passado muitas vezes geram preocupações.
A mineradora Sociedad Química y Minera de Chile, ou SQM, acredita que o negócio do lítio "continuará por um tempo", mas o CEO Patricio de Solminihac reconhece que a empresa precisa estar sempre de olho no próximo grande acontecimento. A natureza das tecnologias disruptivas implica que "elas surgem do nada e se desenvolvem a uma velocidade incrível", disse.
Foi o que aconteceu no início do século 20, quando cientistas alemães inventaram um fertilizante sintético que podia ser produzido a um custo muito menor do que o dos nitratos extraídos por meio da mineração e que o Chile exportava para todo o mundo. Os preços dos nitratos despencaram e, na década de 1930, a economia chilena entrou em colapso com a falência das mineradoras. O governo deu calote na dívida externa, a agitação social forçou o presidente a fugir para o exílio e os acampamentos de mineração no deserto de Atacama, antes movimentados, se transformaram em cidades fantasmas, desmoronando sob a inclemência do sol e dos ventos.
Embora o lítio atualmente não seja elemento central da economia chilena (papel que cabe ao cobre), as mineradoras estão expandindo a produção agressivamente. O Chile possui as maiores jazidas de lítio do mundo, cerca de 47 por cento das reservas globais estimadas. A China e a Austrália vêm na sequência, com cerca de 20 por cento e 17 por cento das reservas, respectivamente.
O setor disparou à medida que mais consumidores têm acesso a veículos elétricos e dispositivos de armazenagem de eletricidade. As produtoras já estão com dificuldades para acompanhar o ritmo. No futuro, o mercado continuará apertado, levando em consideração a previsão de que a demanda pelo lítio aumentará 12 por cento ao ano nas próximas duas décadas, segundo a consultoria especializada em lítio SignumBOX, com sede em Santiago.
Vincent Sprenkle, gerente de pesquisa do Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico do Departamento de Energia dos EUA, disse que um substituto poderia ser desenvolvido em cinco anos para ajudar a atender essa demanda. Seriam necessários mais alguns anos para tornar esse substituto comercial.
"No passado, o período entre a invenção e a aplicação comercial era de décadas", disse por telefone, de Richland, Washington. "Mas com tanto esforço colocado no desenvolvimento de baterias na atualidade, isso poderia acontecer mais rapidamente do que vemos normalmente."
Isso não diminuiu o apetite das mineradoras por novos grandes projetos de lítio. Neste mês, a chinesa Tianqi Lithium anunciou que se tornará a segunda maior acionista da SQM, com um acordo de US$ 4,1 bilhões.
A SQM está investindo US$ 525 milhões para praticamente quadruplicar a produção de suas operações chilenas até o início de 2021 e a Albemarle, com sede nos EUA, investirá US$ 500 milhões neste ano para expandir as operações no Chile e na China e construir uma nova mina na Austrália.
No geral, o setor exigirá um investimento de capital de cerca de US$ 10 bilhões na próxima década para atender a demanda, disse Solminihac aos acionistas, no mês passado.
"Muitas vezes perguntamos aos especialistas qual é o próximo passo no ramo de baterias e eles dizem que são as baterias avançadas de lítio, com quantidades maiores de lítio", disse David Klanecky, vice-presidente da divisão de lítio da Albemarle. "Achamos que temos um futuro brilhante à nossa frente."
Grande parte do investimento está concentrado no mesmo deserto que foi o epicentro da expansão do nitrato no Chile. Os caminhões que transportam lítio bruto das salinas para as usinas de processamento trafegam ao lado das antigas ferrovias que transportavam nitrato para os portos. O que resta das cidades fantasmas, que muitas vezes se resumem a grupos dispersos de paredes de tijolos ou silhuetas de casas que ainda não desabaram, é visível da estrada.
Um cemitério próximo é testemunha da atividade frenética que em algum momento consumiu a cidade mineira de Chacabuco. O cemitério está tão lotado que as cruzes de madeira se tocam. Ao longo das décadas, uma espessa camada do solo rico em nitratos que cobre o deserto foi soprada para cima das sepulturas dos que trabalhavam nele.
"O Atacama continua sendo o maior provedor de riqueza do Chile", disse Sergio González, historiador da Universidade de Tarapacá que ganhou o Prêmio Nacional de História de 2014. "Há sempre um risco de substituição, mas o problema surge quando o país não investe o suficiente em tecnologia para fortalecer a indústria e gerar vantagens competitivas."
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