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Aramco suspende IPO que despontou prematura: Bloomberg Opinion

Liam Denning

23/08/2018 11h08

(Bloomberg) -- Há muito tempo noto que momentos da vida do príncipe Mohammed bin Salman se aproximam curiosamente com os de Elon Musk, presidente da Tesla. Assim como Musk, o príncipe agora tem até um meme brincando com sua declaração de que o financiamento estava garantido.

A tão aguardada abertura de capital da Saudi Arabian Oil Co. (Saudi Aramco) foi suspensa, segundo apurado pela Bloomberg News. Como já se passaram dois anos e meio desde que a oferta inicial de ações foi ventilada, essa suspensão soa como algo que talvez nunca aconteça. Autoridades sauditas insistem que a IPO (initial public offering) não foi cancelada, conforme a Reuters havia noticiado antes, mas acontecerá quando o governo decidir.

Seja como for, as declarações confiantes do príncipe sobre a gigantesca IPO foram prematuras e o valor de mercado de US$ 2 trilhões que ele citou decididamente não estava assegurado.

Uma explicação óbvia para o adiamento é que, embora a cotação do petróleo esteja bem acima do que estava no começo de 2016, o barril na casa de US$ 70 ainda não é suficiente para desencadear a decisão.

É uma explicação óbvia, mas rasa. O buraco é mais embaixo: assim como o aviso de Musk no Twitter de que estudava fechar o capital da Tesla a US$ 420 por ação, todo o conceito de abertura de capital da Aramco era prematuro.

Bassam Fattouh e Laurence Harris, do Instituto de Estudos em Energia de Oxford, resumiram a questão em um trabalho publicado em março de 2017, no qual afirmaram que a IPO não poderia ser isolada de reformas e ajustes na Arábia Saudita e o que ritmo dessas reformas determinaria o valor de mercado da Saudi Aramco.

Em outras palavras, o príncipe usou a IPO como parte do marketing para promover seu plano de reformar a economia saudita, mas ao fazer isso, ele começou pelo final.

Quando tentei calcular o valor de mercado da Aramco há alguns meses, duas conclusões vieram à tona. Primeiramente, chegar a US$ 2 trilhões seria praticamente impossível sob qualquer hipótese razoável. Em segundo lugar, o maior determinante do valor de mercado seria a taxa de desconto atribuída pelos investidores ao fluxo de caixa livre da petrolífera, o que é acima de tudo, uma avaliação dos dividendos. As hipóteses de longo prazo sobre o preço do petróleo importam (também por isso o preço atual é um motivo raso), mas o prêmio de risco era o fator decisivo: 1 ponto percentual criava uma variação de pelo menos US$ 200 bilhões.

Esse prêmio de risco é intrinsecamente vinculado ao projeto de reforma da Arábia Saudita. Acionistas minoritários têm receio de empresas estatais, mesmo uma tão respeitada quanto a Aramco, mas essa venda é mais fácil se os investidores confiarem no país em questão.

Vender ações da Aramco não era um passo necessário para mudar o regime de subsídios à energia no mercado doméstico, mas fazer isso favoreceria uma eventual IPO, refletindo reformas econômicas mais amplas e removendo um grande ônus da demonstração financeira da companhia.

A mesma lógica se aplica a outra razão apresentada pelo príncipe para justificar a IPO: a capitalização do Fundo de Investimento Público (PIF). Essa diversificação de recursos estatais ? extraindo dinheiro da Aramco para investir em outros setores ? costuma ser confundida com esforços para diversificar a economia saudita. Não é o que ocorre, embora a diversificação econômica seja o determinante do futuro do país, na medida que a perspectiva para o petróleo piora.

O fundo poderia desempenhar papel vital ao direcionar capital inicial para empreendimentos não petrolíferos na Arábia Saudita. Porém, dedicou bilhões de dólares a investimentos no exterior, como uma participação na Uber Technologies, e fundos administrados por SoftBank Group e Blackstone Group. E aparentemente discutiu ajudar a fechar o capital da Tesla, segundo o próprio Musk. Também há relatos de que o PIF estuda apoiar outra fabricante de veículos elétricos dos EUA, a Lucid Motors. O PIF se parece mais com um fundo de hedge estatal do que com um acelerador da economia local.

O fato é que o plano de obrigar a Aramco a pagar o PIF pela participação na Saudi Basic Industries concretiza muitos dos desejos de Riad no curtíssimo prazo. O governo insiste que a IPO poderia vir depois, mas seu incentivo é questionável, dado que a Aramco consegue captar dinheiro barato e entregar para os cofres públicos. A narrativa de reforma não para em pé quando decisões reforçam o emaranhado que une os diversos feudos do reino. Mas essa tática traz dinheiro e evita os aborrecimentos associados à listagem de ações.

É assim desde o começo. A IPO da Aramco foi o atrativo do programa saudita de reformas quando deveria ser a cereja em cima do bolo.