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Análise: Próximo presidente pode colocar Brasil no rumo ou afundar crise

Rachel Gamarski, Mario Sergio Lima e Raymond Colitt

29/08/2018 06h00

(Bloomberg) -- Para sobreviver à crise, a alimentação dos brasileiros precisou se adaptar. Uma tradicional churrascaria rodízio da capital federal passou a oferecer desconto para os clientes que escolhem apenas um tipo de carne para a refeição, enquanto um restaurante italiano de luxo começou a parcelar o pagamento das refeições.

Diante da necessidade de se reinventar, os restaurantes estão reduzindo seus preços pela primeira vez em 13 anos. "Os brasileiros tiveram que mudar seus hábitos e ir a restaurantes mais baratos", disse Paulo Solmucci Júnior, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. "Restaurantes tradicionais e importantes fecharam e muitos estão em risco. Estávamos otimistas este ano. Mas a economia nos decepcionou."

Como as finanças públicas estão em frangalhos em meio à crise econômica, o aperto de cinto é inevitável, independentemente de quem vença as eleições de outubro, diz Raul Velloso, consultor econômico e especialista em finanças públicas.

"O próximo presidente estará sob pressão e, se ele não fizer a coisa certa, cai", disse Velloso em uma entrevista. "Todos eles sabem disso", afirmou, sobre os candidatos.

Se nada for feito, o orçamento do país vai estourar no ano que vem, quebrando a regra constitucional que limita o crescimento do gasto público, de acordo com projeções do governo preparadas para a Bloomberg News. Está em jogo o futuro da segunda maior economia das Américas e a credibilidade de R$ 3,7 trilhões em dívidas do governo federal.

Como a maioria dos países, o Brasil não fez um bom trabalho equilibrando seu orçamento, mas a recente crise expôs problemas estruturais perigosos que provocam gastos cada vez maiores e déficits crescentes. Com mais de 90% de todo o orçamento composto de despesas obrigatórias, o governo não tem quase nenhum espaço de manobra.

Entre as medidas de austeridade contempladas está o congelamento dos aumentos do salário mínimo e o corte nos benefícios de aposentadorias que equivalem a 8,4% do PIB.

Se o próximo governo não abordar a questão no primeiro semestre de 2019, corre o risco de perder a confiança do investidor desde o início, disse Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do Banco Safra. "Os mercados estão atualmente em compasso de espera, mas eles podem piorar, piorar muito."

De olho nas eleições

Milhões de brasileiros já estão lutando para sobreviver. Ticia Goes, de 25 anos, formada em biomedicina e comunicação, passou três anos estudando no Chile. Agora, ela trabalha meio período em uma cafeteria em Brasília, porque os R$ 1.100 por mês que ela receberia para trabalhar em um laboratório não são suficientes para viver.

"Temos que tentar melhorar o cenário econômico e político", disse Goes. "Eu quero monitorar os candidatos e escolher bem - aqueles que têm boas propostas".

Enquanto todos os principais candidatos reconhecem o desafio financeiro do país, poucos oferecem soluções realistas, de acordo com dois funcionários do Ministério da Fazenda que encontraram todos os seus assessores econômicos em reuniões a portas fechadas, projetadas para facilitar a transição após as eleições de outubro.

Se um esquerdista como Ciro Gomes ou Fernando Haddad vencer, a moeda vai enfraquecer mais de 10% nos três meses seguintes, segundo quase três de quatro clientes pesquisados pelo Grupo Nomura. Quase a metade esperaria mais do que um aumento de 300 pontos-base da taxa básica de juros até o final de 2019.

O PT de Haddad, que governou o país de 2003 a 2016, propõe revitalizar os bancos estatais e oferecer mais empréstimos baratos, o tipo de políticas que levaram a um alto endividamento e à ampliação dos déficits. O partido também quer introduzir controles de capital para reduzir as flutuações da moeda estrangeira.

Dilma Rousseff mudou de rumo para buscar austeridade após sua reeleição como presidente em 2014 e sofreu impeachment dois anos depois. Seu sucessor, o presidente Michel Temer, viu as reformas que enviou ao Congresso e que eram favoráveis ao mercado pararem depois de usar seu capital político para se salvar do seu próprio escândalo de corrupção.

No entanto, mesmo que os brasileiros escolham um líder austero que consiga lidar rapidamente com os excessos do Estado, o país não retomará o tipo de crescimento que desfrutou no auge do "boom" das commodities há quase uma década.

Os impostos, a burocracia e a falta de investimento pressionaram o potencial de crescimento da economia para apenas 2% ao ano, segundo Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central do Brasil e atual economista-chefe do UBS Brasil.

"Não é o mesmo Brasil, e consertar o orçamento não é suficiente", disse Volpon. "Outras reformas são necessárias, mas duvido que o próximo governo tenha esse tipo de capital político."