IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Brasil é o mercado mais aquecido para remédios contra obesidade

James Paton e R.T. Watson

31/10/2018 16h57

(Bloomberg) -- Primeiro os brasileiros começaram a se empanturrar de alimentos pouco saudáveis. Agora, clamam por medicamentos para perder peso.

A taxa de obesidade disparou na última década no Brasil, que hoje é o maior motor de crescimento dos tratamentos para perda de peso no mundo e o segundo maior mercado do Saxenda, o medicamento líder do setor, da Novo Nordisk. As pessoas engordaram depois que o país se tornou um dos principais alvos das fabricantes de alimentos embalados.

Podendo pagar ou não, um número cada vez maior de pacientes frustrados está tirando mais de US$ 150 por mês do próprio bolso para comprar os medicamentos.

"Muitas pessoas vêm aqui procurando Saxenda", disse Bruna Kury, médica do Rio de Janeiro. Algumas pessoas inclusive começam o tratamento antes de ir ao consultório dela, na Barra da Tijuca, e compram o medicamento sem receita, disse.

A epidemia mundial de obesidade está abrindo avenidas de crescimento para o setor farmacêutico em países em desenvolvimento como o Brasil e em outros mercados fora dos EUA, onde quase quatro em cada 10 adultos entram na categoria. Atualmente, mais de 700 milhões de pessoas são consideradas obesas em todo o mundo, o que aumenta o risco de diabetes, doenças cardíacas e câncer, além dos custos com a saúde.

Após lançamentos no México e no Chile, a Novo planeja levar o medicamento injetável para mais dois países da América Latina, ampliando a lista de mais de três dezenas de mercados espalhados pelo mundo. A empresa também citou vendas melhores do que as esperadas em diversos lugares, do Oriente Médio à Coreia do Sul. No Brasil, como em todos os lugares, com exceção de programas limitados na Dinamarca e nos Emirados Árabes Unidos, os custos dos medicamentos contra a obesidade não são cobertos pelo sistema de saúde estatal.

"Estamos surpresos com a aceitação e a disposição de pagar do próprio bolso", disse Lars Fruergaard Jorgensen, CEO da Novo, em entrevista. "Observamos um crescimento mais forte fora dos EUA do que nos EUA."

Pesquisas realizadas antes da eleição presidencial no Brasil mostraram que a saúde -- que recebe a segunda maior fatia do orçamento do governo -- é uma das principais preocupações dos eleitores, de acordo com a imprensa local. O governo do presidente eleito Jair Bolsonaro planeja uma auditoria imediata dos gastos com saúde.

Tatiana Chaves, que mora no bairro nobre de Ipanema, no Rio, disse que após atingir um pico perigoso, passou de 186 quilos para 105 quilos por meio de cirurgia bariátrica, exercícios, dieta e medicação, que conseguiu comprar com a ajuda do pai. Ela perdeu quase 15 quilos com o Saxenda, mas foi obrigada a parar por causa do preço.

"Eu queria continuar, pelo menos até chegar minha meta", disse Tatiana, 39. "Mas não dá agora."

O apetite por tratamentos para perda de peso no país, que tem mais de 200 milhões de habitantes, reflete um problema de saúde cada vez maior que, em muitos casos, requer medicamentos, além de mudanças na dieta, e exercícios, segundo os médicos. A taxa de obesidade no Brasil disparou para mais de 22 por cento, tendência atribuída pelos médicos a alimentos pouco saudáveis, à falta de atividade física e ao fato de as pessoas ficarem dentro de casa para evitar a violência em algumas áreas. A genética também contribui.

O Brasil perde apenas para os EUA e responde por cerca de um quinto das prescrições mundiais de medicamentos contra obesidade, segundo a Novo, que citou dados da empresa de pesquisa IQVIA. Os EUA representam mais de um terço do mercado.

"O número de receitas pode ser elevado em comparação com outros países", disse Maria Edna de Melo, presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. "Mas ainda é muito baixo se comparado com o número de pacientes que precisam do tratamento."

As empresas de alimentos vêm se tornando cada vez mais agressivas para garantir a ampla disponibilidade de produtos de baixo custo, que contribuem para o ganho de peso em países como o Brasil. Elas também pressionam os governos a adiar a aprovação de impostos aos refrigerantes ou de leis que possam prejudicar as vendas, segundo Marion Nestle, especialista em nutrição, alimentação e saúde pública da Universidade de Nova York.

"Países em desenvolvimento com rendas crescentes são ótimos lugares para comercializar alimentos pouco saudáveis relativamente baratos, mas altamente rentáveis", disse, por e-mail.

Isso ajuda a explicar por que as empresas farmacêuticas começaram a se concentrar em mercados emergentes como Brasil, Rússia, Índia e China, que deverão ajudar a mais do que triplicar o tamanho do mercado de medicamentos contra a obesidade até 2021, segundo a consultoria Visiongain, com sede em Londres. As vendas globais do Saxenda deverão dobrar para mais de US$ 1 bilhão em seis anos.

Os pacientes precisam de receita para comprar o medicamento, mas o papel muitas vezes não é exigido pelas farmácias brasileiras, disseram os médicos. Kury, a especialista do Rio, disse que muitas vezes recebe pacientes que já haviam começado a usar o medicamento sem orientação. Ela mostra preocupação com os pacientes que tomam medicamentos ou doses erradas e com a entrada de médicos sem experiência em obesidade no campo.

Danielle Ribeiro perdeu nove quilos em cerca de três meses combinando Saxenda e exercícios diários. A engenheira desempregada de 29 anos, que agora pesa 61 quilos, disse que não é obesa, nem está acima do peso, mas acredita que o nível de gordura corporal dela estava muito elevado. Seus gastos com medicamentos e outros programas chegam a US$ 300 por mês, mais do que um salário mínimo no Brasil.

"Tira uma foto e não fica legal", disse.

Kury, que além de médica pratica CrossFit, disse que o remédio é adequado para muitas pessoas que vão ao seu consultório e que lutam contra a balança, e que muitas vezes o medicamento as ajuda a perder peso rapidamente. Ela disse que o consultório está movimentado nas últimas semanas devido à proximidade do verão.

"As pessoas querem resultados antes do carnaval", disse.