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Consumidor saudita boicota Turquia após morte de jornalista

Abbas Al Lawati e Cagan Koc

23/11/2018 15h03

(Bloomberg) -- Biscoitos e iogurte estão entre as armas escolhidas contra a Turquia por perseguir o governo da Arábia Saudita pelo assassinato brutal de Jamal Khashoggi, em Istambul.

Defensores do governo saudita têm pedido boicote de produtos turcos no Twitter. Entre os maiores alvos estão o laticínio Pinar Sut Mamulleri Sanayii e a Ulker Biskuvi Sanayi, que tem duas fábricas na Arábia Saudita e lidera o mercado de biscoitos por lá.

"O objetivo não é destruir a economia", escreveu no Twitter o usuário saudita Naifco, que tem mais de 500.000 seguidores. "É expressar nossa raiva de maneira civilizada."

O que está em jogo é um relacionamento que inclui US$ 4,8 bilhões em comércio bilateral, um grande mercado de exportação para importantes empresas turcas e o gasto generoso dos turistas sauditas, que podem estar indignados com os repetidos esforços da Turquia para expor o papel saudita no assassinato do colunista do jornal Washington Post, em 2 de outubro.

Usar laços econômicos para influenciar interesses políticos não é algo sem precedentes para o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman. Em disputas recentes, ele se mostrou disposto a lançar mão da potência financeira do reino para punir o Canadá e a Alemanha.

Crise cambial da Turquia

O embate não poderia ter vindo em pior momento para a Turquia. A economia já foi abalada pela crise cambial, que desencadeou inflação e ameaça gerar recessão. O impacto econômico da postura dos sauditas não será sentido imediatamente, mas já se faz evidente no mercado imobiliário. Os sauditas foram grandes compradores de propriedades na Turquia em 2017. No mês passado, ficaram em sexto lugar, comprando 37 por cento menos imóveis, de acordo com dados oficiais.

As bolsas também podem ser atingidas "se a tensão se intensificar e tudo isso for levado a sério pelos sauditas", afirmou em relatório Melis Pocar, pesquisadora da Oyak Yatirim. Segundo ela, Ulker e Pinar podem ser especialmente afetadas porque a Arábia Saudita é o principal mercado de exportação para essas duas empresas.

Ameaças comerciais

A situação reflete uma tensão mais profunda entre as duas maiores economias do Oriente Médio. Em público, o governo saudita se mostra mais conciliador e as críticas à Turquia estão limitadas às redes sociais e à mídia tradicional.

Autoridades em Ancara não manifestaram, mas muitos turcos expressam raiva da Arábia Saudita no website Eksisozluk.com. Nas 30 páginas de comentários sobre o assunto na plataforma, alguns pedem boicote à peregrinação anual dos muçulmanos a Meca.

Na Arábia Saudita, se destaca no Twitter a hashtag que incentiva usuários a listar companhias turcas para boicote. Outra campanha, iniciada nas redes sociais no mês passado, incentiva centenas de milhares de turistas a evitar a Turquia.

Turistas sauditas gastam, na média, US$ 1.200 por cabeça na Turquia, ultrapassando alemães e russos, segundo informação referente a maio passada pelo gerente geral da MasterCard na Turquia, Yigit Caglayan.

A análise dos posts que defendem boicote sugere que a maioria é replicada de contas ligadas ao governo, incluindo a conta do usuário Naifco, explicou o professor Marc Owen Jones, da Universidade Hamad bin Khalifa, do Catar, que é rival da Arábia Saudita.

Segundo Jones, que estuda propaganda estatal nas redes sociais no Oriente Médio, alguns posts vêm de contas do governo saudita que produzem mensagens automáticas (bots). "É o governo que está no comando disso, seja de modo implícito ou explícito", disse o professor.

Repórteres da matéria original: Abbas Al Lawati em Dubai, aallawati6@bloomberg.net;Cagan Koc em Istambul, ckoc2@bloomberg.net