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Análise do recado do Fed tem mais rigor após tombo dos mercados

Craig Torres e Richard Miller

28/01/2019 15h27

(Bloomberg) -- O presidente do banco central americano precisa dar explicações, depois de as mensagens sobre política monetária abalarem os mercados financeiros ao longo do último mês.

Jerome Powell dará entrevista coletiva na quarta-feira em Washington, logo após a reunião de dois dias do Comitê de Mercado Aberto (FOMC) do Federal Reserve. Investidores esperam que o comitê mantenha inalterada a taxa básica de juros. O comunicado da decisão será analisado minuciosamente por quem busca indicações de que a instituição ainda espera subir os juros duas vezes neste ano, como sinalizou em dezembro.

No entanto, o recado pode ser mais sutil e a fala de Powell será estudada com maior rigor porque a perspectiva econômica ficou mais incerta diante da desaceleração do crescimento global e do impacto da paralisação do governo americano.

O risco de interpretação equivocada pode ser alto.

"O Fed precisa equilibrar essas expectativas, soando adequadamente responsivo a qualquer fraqueza que possa surgir na economia ou nos mercados, mas ao mesmo tempo articular a visão de que espera que a economia subjacente fique relativamente firme'', levando a provável aumento nos juros, disse Nathan Sheets, economista-chefe da PGIM Fixed Income que já comandou a Divisão de Assuntos Internacionais do Fed. "É um equilíbrio muito difícil de criar."

Powell precisa evitar as armadilhas de comunicação do último mês.

As bolsas dos EUA desabaram após investidores interpretarem as informações da reunião do FOMC em dezembro como sinal de que o Fed estava determinado a apertar os juros mesmo diante dos maiores riscos na economia. Os esforços de Powell durante a entrevista coletiva não acalmaram os investidores, mas ele conseguiu enfatizar a paciência da política monetária duas semanas depois.

Enquanto isso, o panorama global se deteriorou. Embora o mercado de trabalho americano ainda pareça forte, a paralisação do governo durante 35 dias levou a cortes nas estimativas para o PIB do primeiro trimestre.

Desafios de comunicação

É difícil transmitir paciência em um comunicado de aproximadamente 300 palavras. Qualquer mudança no palavreado pode gerar mal-entendido outra vez. O Fed pode lidar com esses desafios de comunicação de várias maneiras.

O primeiro parágrafo do comunicado atualiza as condições da economia. Em dezembro, o FOMC afirmou que a "atividade econômica vem subindo em ritmo forte''. Talvez as autoridades estejam menos convictas disso agora. A confiança do consumidor e de empresários industriais piorou, mas o desemprego permanece no menor nível em anos.

Também falta clareza. Na sexta-feira, o presidente Donald Trump concordou em reabrir o governo federal por três semanas, mas a paralisação afetou agências que produzem estatísticas e o Fed não teve acesso a indicadores econômicos importantes.

"Como dizer algo definitivo sem ter dados?", questionou Laura Rosner, economista sênior da Macropolicy Perspectives.

No segundo parágrafo, a menção do comunicado de dezembro a "alguns aumentos graduais adicionais'' deu a entender que o Fed tinha maior urgência em subir os juros do que o indicado na ata da reunião, divulgada três semanas depois. A ata afirmou que "o comitê tem condições de ser paciente em relação a firmar mais" a política monetária.

Usar alguma variação da palavra "paciência" no comunicado implica riscos. O mercado de juros futuros sugere que não haverá alta da taxa básica neste ano. Essa expectativa pode se consolidar porque "paciência'' não passa ideia específica de tempo, o que pode gerar mais volatilidade se o FOMC ainda tiver intenção de aumentar os juros.

Seth Carpenter, que já trabalhou no alto escalão do Fed e hoje é economista-chefe para os EUA da UBS Securities, explica que o comunicado pode ser construído para manter opções em aberto, por exemplo afirmando que o comitê entende que pode ser paciente em relação a qualquer acréscimo adicional.

O comitê também pode alterar a declaração de que os riscos estão "praticamente equilibrados''. De acordo com a ata da reunião de dezembro, os integrantes do Fed listaram pelo menos cinco riscos de decepção com a economia e três riscos no sentido de superação de expectativas. De lá para cá, os riscos de decepção provavelmente aumentaram.

"O Fed deve reconhecer que a economia global se desacelerou e que não está claro como isso pode afetar a economia dos EUA", disse Andrew Levin, economista da Faculdade Dartmouth que já foi conselheiro do banco central.

Diante das limitações do comunicado, Powell precisa usar a entrevista coletiva para dar seu recado. Ele poderá explicar como a paciência entra na estratégia de elevar os juros e que essa estratégia pode mudar se a economia se deteriorar.

--Com a colaboração de Christopher Condon.

Repórteres da matéria original: Craig Torres em Washington, ctorres3@bloomberg.net;Richard Miller em Washington, rmiller28@bloomberg.net