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Trader da Petrobras foragido nos EUA coloca setor na berlinda

Sabrina Valle e Lucia Kassai

11/02/2019 15h08

(Bloomberg) -- Para seus amigos, Rodrigo Berkowitz vivia de acordo com a sua renda, em uma casa alugada nos arredores de Houston.

O ex-trader de petróleo da Petrobras comprava roupas em shoppings de lojas outlet e suas duas filhas estudavam em uma escola pública. Para uma viagem de Natal em família a Orlando, o plano dele era percorrer o trajeto de cerca de 1.500 quilômetros com seu SUV Honda CR-V preto -- porque gastar com passagens de avião era loucura, disse.

Por isso, eles ficaram chocados quando surgiu a notícia, em dezembro, de que a Polícia Federal brasileira havia emitido mandados de prisão contra cerca de 15 ex-traders de petróleo e intermediários. Embora alguns dos suspeitos tivessem aparecido em investigações de corrupção anteriores no Brasil, desta vez surgiu um novo nome: Berkowitz.

Os investigadores brasileiros afirmaram que o trader de 39 anos fazia parte de um grupo de ex-funcionários da Petrobras acusados de receber mais de US$ 31 milhões em propinas de intermediários ligados a algumas das maiores empresas de trading de commodities do mundo -- Glencore, Vitol Group e Trafigura -- entre 2011 e 2014. Em troca, as empresas recebiam mais contratos a preços mais baixos.

Com codinomes tirados da cultura popular, Berkowitz era "Batman", um ex-chefe usava o apelido "Phil Collins" e outro era chamado de "Flipper", mostram documentos judiciais.

Lava Jato

A investigação é um desdobramento da Operação Lava Jato no Brasil, que já envolveu dezenas de líderes empresariais, inclusive vários executivos da Petrobras, e políticos, com destaque para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Agora, o caso Berkowitz pode abrir uma janela para o obscuro mundo do trading de commodities, no qual as empresas compram e vendem bilhões de dólares em matérias-primas e combustíveis fósseis, muitas vezes com pouca supervisão regulatória direta. A polícia brasileira busca cooperação de autoridades dos EUA, da Suíça, do Reino Unido, das Bahamas e do Uruguai, o que poderia expor as empresas a um amplo escrutínio.

O Departamento de Justiça dos EUA e o FBI se uniram à investigação do Brasil, e as autoridades americanas poderiam abrir uma investigação própria, disse Filipe Pace, chefe da Operação Lava Jato, em entrevista, em Curitiba. O Departamento de Justiça preferiu não comentar sobre a Petrobras.

'Tolerância zero'

A Vitol afirmou que está cooperando com as autoridades brasileiras e que seria inadequado comentar sobre acusações específicas.

"A Vitol reitera que tem uma política de tolerância zero com propinas e corrupção e, como afirmado anteriormente, a Vitol sempre cooperará com as autoridades de qualquer jurisdição em que opera", afirmou a empresa, em comunicado.

A Trafigura afirmou que leva as acusações a sério e nega que sua diretoria tivesse conhecimento desse suposto esquema. A Glencore afirmou que leva a ética e o compliance a sério e que está cooperando com a investigação.

Visto de informante

Os suspeitos já estão cooperando com as autoridades. Um brasileiro acusado de atuar como intermediário para firmas de trading, que foi detido por um breve período na Flórida em 20 de dezembro, está colaborando com as autoridades americanas e recebeu um visto de testemunha, disse Pace. Um ex-alto executivo e ex-membro do conselho da Trafigura tenta um acordo de delação premiada no Brasil.

Berkowitz também está cooperando com as autoridades americanas e poderia expor suas supostas ligações ilegais com empresas de trading, segundo uma pessoa com conhecimento das investigações, que pediu para não ser identificada porque a informação não é pública. Há evidências de que ele estava realizando atividades ilegais até que um juiz brasileiro emitiu um mandado de prisão contra ele no começo de dezembro, disse a pessoa.

Entre os funcionários da Petrobras que foram alvos de investigadores brasileiros, Berkowitz era o único ainda empregado quando as acusações vieram à tona, e outros se afastaram desde que os supostos crimes ocorreram.

O trader, que trabalhava para a Petrobras havia 17 anos, foi demitido no mesmo dia da emissão do mandado de prisão e proibido de entrar no escritório da Petrobras em Houston, e seus pertences foram enviados em uma caixa para a casa dele. Agora, ele é considerado fugitivo pelas autoridades brasileiras. O nome dele foi colocado na lista de difusão vermelha (Red Notice) da Interpol, composta por indivíduos a serem detidos e extraditados.

Berkowitz não atendeu a telefonemas para comentar o assunto. A Petrobras afirmou que iniciou uma investigação interna em 5 de dezembro, ainda em andamento.

Vida normal

Para um fugitivo, Berkowitz parece estar vivendo normalmente, segundo pessoas que o viram e que pediram para não ser identificadas. Elas contam que o viram fazendo compras em um supermercado Target, comendo em restaurantes e levando as filhas a parques no Texas.

O pai de Berkowitz foi preso no Brasil e é acusado de lavar pelo menos R$ 3,4 milhões (US$ 910.000) para o filho por meio de uma conta offshore no Uruguai. A polícia brasileira rastreou os registros bancários das transações e os e-mails das negociações. Entre eles há pagamentos de contas na Suíça à conta no Uruguai.

O pai dele confirmou as transações financeiras, mas disse que não sabia que resultavam de atividades ilegais, segundo petição apresentada a um tribunal do Paraná. O advogado dele, João Francisco Neto, disse que sua liberação foi concedida por um juiz mediante pagamento de fiança de R$ 5 milhões, o que é contestado pela defesa.

Berkowitz fazia parte de um grupo de traders com poderes para negociar contratos de venda de produtos de petróleo da Petrobras. Com um telefonema, o grupo podia fechar contratos multimilionários com firmas de trading que posteriormente vendiam o produto aos usuários finais.

Durante anos, Berkowitz teria recebido propinas em troca da concessão de contratos a firmas de trading e de descontos sobre o óleo combustível, segundo acusação feita em 19 de dezembro pelos investigadores publicada no website de um tribunal.

--Com a colaboração de Andy Hoffman e Alex Nussbaum.

Repórteres da matéria original: Sabrina Valle em Rio De Janeiro, svalle@bloomberg.net;Lucia Kassai em São Paulo, lkassai@bloomberg.net