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Em busca de oportunidades, pais se afastam da criação dos filhos na China

28/02/2019 10h02

Jèssica Martorell.

Pequim, 28 fev (EFE).- Diariamente, quando abre sua pequena lavanderia e tinturaria no centro de Pequim, Zou Xinxin se pergunta por que ela e o marido estão a centenas de quilômetros dos dois filhos pequenos. Há 11 anos, o casal teve que partir para ajudar no desenvolvimento da família e agora, com sorte, conseguem ver as crianças duas vezes ao ano.

Em 2017, enquanto 244 milhões de chineses tiveram que se mudar de cidade para conseguir melhores oportunidades, quase sete milhões de crianças passaram a ser criadas apenas pelos avôs nas zonas rurais do país, de acordo com números oficiais.

No seu humilde negócio na capital, Zou Xinxin mostra as fotos dos filhos, um de 9 e outro de 5 anos, com nostalgia, mas sem conseguir conter um sorriso ao ver os rostinhos deles na tela do celular.

"Todas as noites fazemos uma chamada de vídeo", contou ela à Agência Efe.

As crianças agora moram com os avôs na província de Zhejiang, no leste, a quase 1.500 quilômetros de Pequim.

Enquanto fazia ajustes na calça de um cliente, ela contou que envia dinheiro aos sogros periodicamente para que as crianças tenham toda a assistência necessária.

"É muito difícil. Quando nos despedimos das crianças sempre choramos. Mas tive que vir porque na minha província o salário é muito baixo e o custo de vida é igual ao de Pequim. Com o nosso salário lá não podíamos prosperar", explicou.

Embora a decisão tenha sido complicada, quando o mais novo completou um e o mais velho fez dois, ela os enviou para os avós, já que em Pequim o casal não tinha como ter ajuda e o trabalho era demasiado.

No último feriado do Ano Novo chinês, Zou Xinxin conseguiu ir para Zhejiang com o marido e aproveitar dez dias com os filhos.

"Depois do verão, eu vou para lá passar um mês, mas o meu marido ficará aqui", lamentou.

Agora, ela conta os dias para poder voltar definitivamente para sua cidade e viver com toda a família, sem precisar de um celular como intermediário.

"Quando encontrarmos alguém para passar o negócio, voltaremos porque as crianças estão crescendo e os avôs já não conseguem mais controlá-los e educar é mais difícil", ponderou.

Histórias como a de Zou Xinxin evidenciam a outra face do crescimento econômico da China, que deixou para trás o seu passado agrário à custa da precarização do trabalho nas grandes cidades.

Longe de tentar solucionar este problema social, as autoridades continuam dificultando, por exemplo, a escolarização dos filhos dos migrantes nas cidades onde eles trabalham.

Outro exemplo é o de Song Wanli e Liu Hui, que deixaram a província de Henan há 20 anos para trabalhar em Pequim, onde agora administram uma mercearia. As duas filhas do casal, de 14 e 16 anos, estão com os avôs em Henan, enquanto em Pequim o casal cria o filho de 13 anos.

"Elas são muito maduras", comentou Liu sobre as filhas, que, assim como Zou Xinxin, ela só vê duas vezes por ano.

No entanto, ela disse que planeja reunir a família quando as adolescentes entrarem para a faculdade. Apesar de admitir ser duro viver longe, ela afirmou tentar ver o lado positivo da situação.

"Pode ser um tipo de motivação para elas. O pai e eu trabalhamos muitas horas e podem pensar: 'como eles, também temos que nos esforçar", argumentou.

A cada seis meses, o casal envia 3 mil iuanes (R$ 1.600) aos avôs para alimentação e lazer das meninas. "O colégio custa outros 2 mil iuanes (R$ 1.100) por semestre", contou.

A maioria dos trabalhadores migrantes chineses é de Henan e de províncias como Sichuan, Anhui e Hunan, onde nas zonas rurais cerca de 44% das crianças vivem sem a mãe ou sem o pai, de acordo com números divulgados pela imprensa local.

As mesmas fontes estimam que existam até 61 milhões de meninas e meninos nesta situação em todo o país.

Apesar das conquistas da China no combate à pobreza, atualmente 30 milhões de pessoas ainda sofrem com esse problema, que provoca deslocamentos do campo para as cidades, que registraram um forte crescimento da população nos últimos anos. EFE