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Reforma administrativa é enviada ao Congresso sem análise jurídica

A ausência da análise formal foi reconhecida em documento assinado pelo subchefe adjunto de Gestão Pública da SAJ, Jandyr Maya Faillace Neto - Evaristo Sá/AFP/24-05-2019
A ausência da análise formal foi reconhecida em documento assinado pelo subchefe adjunto de Gestão Pública da SAJ, Jandyr Maya Faillace Neto Imagem: Evaristo Sá/AFP/24-05-2019

Jussara Soares e Idiana Tomazelli

08/10/2020 12h00

O governo enviou sua proposta de reforma administrativa ao Congresso Nacional antes de o texto ser analisado formalmente pela Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão responsável por aconselhar o presidente da República sobre a adequação legal de propostas e atos normativos do Poder Executivo.

A ausência da análise formal foi reconhecida em documento assinado pelo subchefe adjunto de Gestão Pública da SAJ, Jandyr Maya Faillace Neto, em 8 de setembro, cinco dias após o envio da proposta. O documento foi obtido pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

"A nova versão, encaminhada ao Congresso Nacional, foi referendada pelo ministro de Estado da Economia e submetida ao presidente da República logo após a decisão sobre a matéria, sem que houvesse tempo de análise formal por esta Subchefia para Assuntos Jurídico (sic)", diz o texto. A reforma administrativa foi elaborada ainda no fim do ano passado pela equipe econômica, mas ficou engavetada até setembro deste ano, quando a ala política do governo decidiu encaminhar a proposta. O texto foi enviado 24 dias depois de o então secretário Paulo Uebel, responsável pela formulação da reforma, pedir demissão justamente pela demora na agenda. O próprio presidente Jair Bolsonaro já havia dado indicações de que a reforma poderia ficar para 2021.

O cavalo de pau na orientação do governo teve como objetivo tentar sinalizar compromisso com a agenda de ajuste em meio à crescente desconfiança dos investidores, daí a mudança rápida. Mas a proposta chegou ao Congresso desidratada, sem incluir servidores que já estão na carreira, a pedido de Bolsonaro.

No documento, a SAJ reconhece que a matéria foi "intensamente debatida, resultando em documento diferente do originalmente proposto" e admite que a nova versão não passou pelo crivo formal do órgão.

Apesar disso, a SAJ ressaltou que "participou intensamente das discussões em torno da matéria e não identificou, em nenhum momento, contrariedade a dispositivo constitucional inabolível". Em seguida, o subchefe adjunto recomendou o arquivamento do processo de acompanhamento da proposta.

O mesmo processo já havia sido temporariamente arquivado em 29 de julho, quando ainda não havia perspectiva de envio do texto e duas semanas antes de Uebel pedir demissão.

A análise formal pela SAJ é feita para afastar qualquer risco de o presidente assinar uma proposta ou norma que afronte dispositivos da Constituição. Sua ausência pode ser usada para questionamentos, sobretudo de categorias de servidores que já têm combatido a reforma administrativa.

A proposta do governo, que está parada na Câmara à espera da análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), enfrenta resistências entre as categorias de servidores por flexibilizar a estabilidade para a maior parte das carreiras do serviço público. A reforma pretende criar cinco tipos de vínculos para servidores públicos, apenas um deles com garantia de estabilidade no cargo após três anos de experiência. O texto mantém a previsão de realização de concursos públicos, mas também vai permitir ingresso por seleção simplificada para alguns vínculos.

Privatizações

Uma versão da proposta de reforma foi alvo de análise pela Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais (SAG) da Casa Civil em 11 de março. Nesse documento, é possível identificar que a equipe econômica pretendia incluir na reforma administrativa um dispositivo para acelerar a privatização de empresas estatais de União, Estados e municípios.

Pelo texto, as estatais existentes na data da promulgação da emenda constitucional seriam privatizadas, caso o Executivo não manifestasse interesse público na manutenção da empresa num prazo de dois anos.

"Trata-se de uma forma de instar os entes a reavaliarem a necessidade de empresas estatais explorando atividade econômica, já que historicamente estas padecem de problemas como ineficiência, alto endividamento, engessamento da força de trabalho, entre outros", diz o documento.

Entidades que representam os servidores públicos criticaram a ausência de parecer formal da SAJ sobre a reforma. O Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado diz em nota que a reforma administrativa "viola cláusulas pétreas da Constituição Federal" e tem "diversas outras inconsistências conceituais e jurídicas". Para a entidade, a ausência de análise pela SAJ ajuda a explicar esses problemas.

O fórum impetrou na semana passada um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo acesso a todos os documentos da proposta. O objetivo é saber quais são os cálculos detalhados do impacto da reforma e se o órgão jurídico do Ministério da Economia analisou o texto.

Já o presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), Marcelino Rodrigues, disse que o fato de o SAJ não ter realizado o "anteparo jurídico" mostra o atropelo do governo. "Foi um envio de supetão. O próprio presidente disse várias vezes que essa discussão ficaria para 2021."