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Governos e indústria buscam saída para Troller

Jipe tem frota total em circulação de cerca de 20 mil unidades, a maioria nas mãos de fãs do modelo - Divulgação
Jipe tem frota total em circulação de cerca de 20 mil unidades, a maioria nas mãos de fãs do modelo Imagem: Divulgação

Cleide Silva

São Paulo

14/02/2021 16h00

Resumo da notícia

  • Governo e empresários do Ceará fazem esforço para salvar marca brasileira adquirida pela Ford
  • Considerada um dos ícones da indústria automobilística do País, Troller foi criada por empresários cearenses
  • Três grupos teriam declarado interesse, segundo secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Maia Junior

Considerada um dos ícones da indústria automobilística do País, e criada por brasileiros em pleno Nordeste, região que não estava no mapa de grandes montadoras até início dos anos 2000, a Troller passou por dois donos nacionais e foi parar nas mãos da norte-americana Ford, que em janeiro anunciou seu fechamento para o fim do ano.

Há um esforço para salvar a marca brasileira que produz, no Ceará, o Troller T4, jipe que tem frota total em circulação de cerca de 20 mil unidades, a maioria nas mãos de fãs do modelo, os "troleiros". Governo do Ceará, Federação das Indústrias, Ministério da Fazenda e Prefeitura de Horizonte, onde está a fábrica, buscam interessados em adquirir a empresa.

Há três grupos que declararam interesse e três que, por enquanto, fizeram sondagens, informa o secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Maia Junior. "Nosso papel é apenas intermediar as discussões, pois as negociações ocorrem diretamente entre a Ford e os interessados", explica ele.

Segundo Maia, o Estado pretende estender a um eventual comprador o benefício fiscal oferecido a todas as indústrias que se instalam no Ceará, que é o prazo de 36 meses para recolhimento de 75% do valor do ICMS. O pagamento normalmente tem de ser feito em até um mês.

O secretário afirma que as três empresas que já indicou para a Ford são do setor automotivo e têm interesse só na Troller, e não nas outras duas fábricas que a Ford fechou em janeiro em Taubaté (SP) e Camaçari (BA), onde produzia os modelos Ka e EcoSport, e na unidade de motores em Taubaté (SP).

"A prioridade do Ceará é a garantia da produção desse carro, que é genuinamente cearense desde o seu desenvolvimento, e a garantia dos empregos de hoje (cerca de 500). "Não queremos ninguém para construir galpões e só daremos o benefício com essas garantias; fora disso não tem conversa", afirma Maia.

Artesanal

A fábrica começou a operar em 1995 pelos esforços do cearense Rogério Farias. Formado em administração de empresas, nunca seguiu essa profissão. Preferia criar veículos - lanchas, carretas agrícolas, carro anfíbio, jipes e picapes estão em seu currículo. Antes ele foi dono - junto com o irmão Bill -, da Fyber, que produziu mais de 7 mil buggies em 19 anos.

O jipe da Troller foi desenvolvido como um fora de estrada para enfrentar dunas, morros e estradas nas praias e florestas do Ceará. No início a produção era manual, com peças de diversas marcas adquiridas no mercado. O primeiro motor era do Volkswagen Santana e depois da MWM. Eram fabricadas de duas a três unidades ao mês por uma equipe de dez pessoas.

O veículo foi ganhando adeptos, especialmente entre pilotos de rali, e os pedidos aumentaram. Farias não tinha como investir na ampliação, então associou-se, em 1997, ao empresário Mário Araripe, que ficou com 75% da empresa e depois com a totalidade. A fábrica ganhou linha de montagem para produção em série, que passou a 100 unidades ao mês.

O jipe cearense feito em fibra de vidro ganhou fama mundial em 2000, quando ficou em quarto lugar no Paris Dakar. Nos dois anos seguintes ganhou o Campeonato Mundial de Rally e chegou a ter pelo menos cem unidades exportadas para Arábia Saudita, Egito e Sudão.

Em 2002, Farias saiu da Troller e passou a produzir autopeças que fornecia para a montadora. Hoje, aos 70 anos, tem uma empresa de elevadores residenciais desenvolvidos por ele. "Se eu tivesse dinheiro comprava ela de novo", diz. "Mas eu faria algo diferente, como um veículo elétrico, que é o futuro".

Araripe comandou a Troller até 2007, quando a vendeu para a Ford. Hoje é dono de vários empreendimentos, entre os quais a Casa dos Ventos, um dos maiores grupos do setor de energia eólica. Procurado, não quis falar com a reportagem.

Incentivos

A Ford adquiriu a Troller para poder transferir à fábrica de Camaçari (BA), inaugurada em 2001, benefícios do regime automotivo especial do Norte e Nordeste, que dá isenção do IPI. Como na época o programa valia para quem já estava instalado nas regiões, foi a estratégia da montadora americana de escapar do recolhimento de alguns impostos. O mesmo fez a Fiat, que comprou uma fábrica de motores para beneficiar a unidade da Jeep aberta em 2015 em Goiana (PE).

Hoje, o secretário Maia Junior teme que a estratégia dificulte a compra da Troller, pois o benefício está atrelado à fábrica do Ceará. "Já pedimos ao governo federal o desmembramento, do contrário quem quiser a Troller teria de comprar também a fábrica baiana para ter acesso ao incentivo."

Em 13 anos, a Ford modernizou as instalações da Troller, investiu R$ 215 milhões em 2014 e no ano passado lançou a nova geração do T4, feita na plataforma da Ranger. O jipe também recebeu melhoramentos como câmbio automático e custa a partir de R$ 170 mil. Teve 1,3 mil unidades vendidas em 2020.

Fábricas de carros à venda

O Brasil tem hoje quatro fábricas de veículos à venda, cujos fechamentos foram anunciados em dezembro e janeiro. Uma é da Mercedes-Benz, que produzia carros de luxo em Iracemápolis (SP), e três da Ford na Bahia, Ceará e São Paulo.

A planta da Mercedes é a mais nova delas. Inaugurada em 2016, é compacta e bem equipada e, ao lado, tem uma moderna pista de testes. O grupo informa que segue em busca de alternativas e que é primordial garantir um futuro para a fábrica. A venda é uma alternativa.

O complexo da Ford em Camaçari abriga, junto à fábrica de carros, vários fornecedores de peças que eram conectados à linha de montagem. A intenção do grupo é vender as instalações para uma empresa que mantenha a produção de veículos. Esse também era objetivo para a planta do ABC paulista, fechada em 2019. Mas, sem conseguir um comprador do setor automotivo, a área foi vendida para uma construtora e um grupo de investidores. Está sendo preparada para ser um dos maiores centros logísticos do País.

O governo da Bahia já falou com embaixadores da Coreia do Sul, da Índia e do Japão para pedir ajuda na busca de interessados nesses países.

Para a área da filial de motores, em Taubaté, o desejo também é que fique com empresa automobilística, mas as chances são ainda menores do que na Bahia. A prefeitura local informa que, com o governo federal, mantém conversas com um interessado. O governo do Estado estaria falando com dois grupos, mas nomes e setores de atuação não foram revelados.