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Pode ser tarde demais para evitar uma catástrofe na Venezuela, diz economista de Harvard

04/02/2016 15h55

SÃO PAULO - Em artigo para o Financial Times, o economista e professor de Harvard Ricardo Hausmann fez um diagnóstico bastante desolador para o seu país natal, a Venezuela, de onde ele já foi ministro nos anos 1990. " Provavelmente é tarde demais para evitar uma catástrofe venezuelana de forma completa", ressaltou.

"Enquanto os mercados se preparam para os efeitos negativos da queda dos preços do petróleo, a Venezuela será provavelmente a primeira grande peça de dominó a cair", afirma Hausmann. Internamente, o cenário mais provável é de um iminente colapso econômico e uma crise humanitária; internacionalmente, implicará no maior e no mais bagunçado default soberano para mercados emergentes desde a crise argentina de 2001. " A situação é agravada pela incapacidade do sistema político, no momento, para resolver a situação".

Mas por que a Venezuela está nesta situação? Em primeiro lugar porque, enquanto a maioria dos outros países exportadores de petróleo utilizaram o "boom" das commodities para guardar algum dinheiro, o ex-presidente Hugo Chávez (morto em 2013), usou o dinheiro para quadruplicar a dívida externa, permitindo gastos como se o preço médio do barril do petróleo fosse de US$ 197,00 em 2012, quando foi de fato US$ 111,00. "Além disso, ele mutilou o setor privado através de nacionalizações e controles de importação. Com o fim do boom, o país foi colocado em uma situação desesperadora", ressalta o economista. 

Hausmann classifica 2015 como um ano horrível para a Venezuela, com o PIB em queda de 10% após uma baixa de 4% em 2014, enquanto a inflação superou os 200% e o déficit fiscal avançou para 20% do PIB, financiado principalmente pela impressão de moeda. No mercado livre, o bolívar perdeu 92% de seu valor nos últimos 24 meses, com o dólar custando 150 vezes a taxa oficial: o maior diferencial da taxa de câmbio já registrado. "Escassez e longas filas nas lojas têm feito a vida cotidiana muito difícil. Não admira que o governo perdeu as eleições para a Assembleia Nacional em dezembro".

E pior do que isso: 2016 pode ser ainda mais negativo para o país.  As importações, que já caíram 20% em 2015 para US$ 37 bilhões, teria que cair mais de 40%. Isso por que, se  os preços do petróleo permanecerem aos níveis médios de janeiro, as exportações em 2016 seriam de menos de US$ 18 bilhões, enquanto que o serviço da dívida custaria mais de US$ 10 bilhões. Isso deixaria um espaço de menos de US$ 8 bilhões para as importações. As reservas líquidas são inferiores a US$ 10 bilhões.

"Enquanto isso, o governo não anunciou quaisquer planos para enfrentar os desequilíbrios internos ou o problema da balança de pagamentos. Ele não tem uma estratégia de buscar a assistência financeira da comunidade internacional. [...]  Por outro lado, a oposição, que agora controla a Assembleia Nacional, está lutando para ter a sua autoridade reconhecida pelos outros poderes. Ela não está em posição para liderar um ajuste econômico. Mesmo o melhor e mais estável governo não poderia evitar um desempenho ruim em tais circunstâncias. Mas no meio de uma crise política, as coisas ficam ainda mais confusas", destaca o economista. 

Para Hausmann, sob essas condições, um default desordenado, numa escala similar à crise argentina, é quase inevitável. E não são só os venezuelanos que sentirão os efeitos disso. Além disso,  os países vizinhos e da comunidade internacional têm-se mantido surpreendentemente passivos, afirma o economista, destacando que "parece que eles esqueceram que o FMI (Fundo Monetário Internacional) foi criado para evitar que os países causem danos a outros através de suas políticas econômicas". Os outros países não podem saber o que está acontecendo na Venezuela agora porque o governo não permite o FMI desde 2004.

Segundo ele, para proteger as suas economias, os outros países deveriam começar a exercer pressão para que o FMI supervisionasse a Venezuela.

" Provavelmente é tarde demais para evitar uma catástrofe venezuelana de forma completa. Mas, para reduzir a sua duração e intensidade, o país precisa adotar um plano econômico sólido que pode mobilizar um amplo apoio financeiro internacional", diz o economista. É improvável que isso aconteça enquanto Nicolás Maduro estiver no poder, afirma. "Mas a transição será facilitada por sinais internacionais positivos e uma vontade de apoiar um governo alternativo que possa formular um caminho crível para a recuperação. Esta não é hora de ficar à margem", conclui Hausmann.