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Campanhas por alimentação saudável omitem informações, diz nutricionista

Aiana Freitas

Do UOL, em São Paulo

09/10/2013 06h00

O uso de campanhas e ações contra a obesidade por grandes fabricantes de bebidas e alimentos nada mais é do que "marketing nutricional". Essa é a definição dada por Renata Monteiro, professora do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UNB).

Renata Monteiro é coordenadora do programa Alimentação e Nutrição nas Diferentes Mídias - PropagaNUT, que tem por objetivo divulgar informações críticas e dados científicos referentes ao assunto. O grupo faz pesquisas desde 2005.

Segundo a professora, as iniciativas das empresas contra a obesidade geralmente deixam de fora pontos importantes.

"A indústria tem ido pelo caminho de dar um banho de saudabilidade nos seus produtos e na sua marca. Ao fazerem esse exercício e discutirem esse tema, elas tentam evitar ser responsabilizadas pelo problema da obesidade. Isso nada mais é do que um marketing alimentar e nutricional", diz.

As empresas, por outro lado, negam que suas iniciativas sejam apenas marketing e dizem que elas trazem benefícios reais aos consumidores.

Renata Monteiro cita o exemplo de campanhas recentes, como um comercial em que a Coca-Cola "ensinava" o consumidor a gastar as 123 calorias ingeridas numa latinha de refrigerante.

"A empresa não está mentindo, mas está falando só uma parte da verdade. Não fala, por exemplo, do impacto de se tomar o refrigerante todos os dias e do uso dos oxalatos, substâncias que servem para fixar o gás, mas diminuem a absorção de ferro e cálcio", diz.

Outro exemplo citado pela professora é a retirada dos refrigerantes dos anúncios do McLanche Feliz, kit infantil da rede McDonald's.

"Não adianta, porque, no inconsciente coletivo, o McLanche Feliz é composto de sanduíche, refrigerante e batata frita", afirma.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida pela coordenadora do PropagaNUT ao UOL.

Grandes empresas, como McDonald’s e Coca-Cola, estão anunciando iniciativas voltadas à promoção da saúde. O que a senhora acha dessas ações?

Há algum tempo nós vimos as empresas fazerem o que chamamos de "green washing" ["banho de verde", em tradução livre], ações em que elas passaram a se responsabilizar pelos problemas no meio ambiente e em que apresentavam como estavam contribuindo com a questão ambiental.

Agora, elas têm feito algo semelhante com relação à alimentação. É o chamado "health washing" ["banho de saúde"]. A indústria tem ido pelo caminho de dar um banho de saudabilidade nos seus produtos e na sua marca. Ao fazerem esse exercício e discutirem esse tema, elas tentam evitar ser responsabilizadas pelo problema da obesidade.

Isso nada mais é do que um marketing alimentar e nutricional. Elas tentam fazer com que as pessoas fiquem com menos peso na consciência ao consumir seus produtos. E, como não dão a informação de forma completa, as pessoas, principalmente as menos informadas, acreditam.

O que a senhora quer dizer quando fala que elas não dão a informação completa?

Quando a Coca-Cola fala que o refrigerante tem apenas 123 calorias, ela não está mentindo. Mas essa é só uma parte da verdade. A empresa não fala, por exemplo, do impacto de se tomar o refrigerante todos os dias e que quem consome muito refrigerante tem, com maior frequência, problemas como osteoporose e anemia.

[Em nota, a Coca-Cola diz que os ingredientes e a informação nutricional das bebidas constam de suas embalagens e que a relação de causalidade entre o consumo de refrigerantes e a ocorrência de osteoporose e anemia nunca foi comprovada por estudos científicos.]

Ao fazer uma campanha como essa, a empresa responsabiliza a vítima pela condição em que ela está, e não o histórico de todas as campanhas que a Coca-Cola já fez.

Atualmente, a empresa nem precisa fazer publicidade para crianças, porque o refrigerante é introduzido de maneira inadequada antes do primeiro ano de vida por muitos pais, como símbolo de status. A empresa não divulga a realidade completa, mas apenas o que realmente importa para ela.

O que a senhora acha de medidas como as adotadas pelo McDonald's, que colocou frutas no McLanche Feliz e deixou de usar refrigerantes em anúncios voltados para crianças?

Logo que a maçã começou a ser oferecida no McLanche Feliz, fizemos um teste e deixamos a fruta sete dias fora da geladeira. A maçã não teve nenhuma alteração de odor e cor nesse período.

As substâncias normais de uma maçã fazem com que ela escureça nesse período. Que produto químico foi adicionado para isso acontecer? Não sabemos. Perguntamos ao McDonald's, mas não tivemos resposta. De qualquer forma, a rede oferece uma maçã no McLanche Feliz como se isso fosse suficiente, e não é.

[Em nota, o McDonald's informa que a fruta recebe um banho de vitamina C antes de ser embalada, para que mantenha a aparência sem manchas escuras.]

E a retirada do refrigerante da publicidade?

O McLanche Feliz já está registrado na cabeça das crianças. No inconsciente coletivo, ele é composto de sanduíche, refrigerante e batata frita. Ninguém vai ao McDonald's comer "cenourita" [cenouras em formato de palitinhos oferecidas como opção à batata frita oferecida no kit].

Cenoura a criança come em casa. Além disso, a troca do refrigerante pelo suco não faz tanta diferença, porque o suco também tem uma quantidade imensa de açúcar.

[Segundo o McDonald's, a quantidade de açúcar adicionado nas bebidas à base de frutas foi diminuída em quase 40%, passando a ter um limite de 5g por 100 ml.]
 
De forma geral, o que as empresas mostram na peça publicitária não é mentira. A quantidade de gordura total em uma colher de maionese Hellmann's realmente não é diferente da que existe no azeite.

Mas o azeite tem gordura monoinsaturada e poli-insaturada, que são importantes para nossa dieta. Na maionese, usa-se gordura saturada. Além disso, para dar gosto na comida, você precisa usar uma quantidade maior de maionese.

E ela acaba sendo usada em várias outras preparações, como sanduíches e refeições não saudáveis, coisa que não acontece com o azeite. Quer dizer: a propaganda mostra uma parte que é verdadeira, mas omite outras coisas.

[A Unilever, dona da marca Hellmann's, diz, em nota, que o produto contém óleos vegetais, "que são ricos em gorduras insaturadas (mono e poli-insaturadas)". Afirma, ainda, que as gorduras saturadas do produto "representam apenas 3% dos valores diários" recomendados.]

As empresas sempre destacam muito a questão das calorias. As calorias são importantes, mas a composição do produto também é.

Qual a importância de se ter uma legislação mais rígida sobre o assunto?

Em muitos países, o que se vê são parcerias do Estado com a indústria de alimentos. Em Nova York, por exemplo, as redes de fast food foram obrigadas a deixar de vender refrigerantes em copos de 1,5 litro. Mas o Estado não pode substituir as ações da própria indústria.

Geralmente, as reduções de sódio, gordura e açúcar feitas pelas empresas são paulatinas, para que o consumidor não perceba alteração no sabor. As metas são pactuadas entre o governo e a indústria e são facilmente atingidas, então não há avanços a partir daí.

O impacto só será realmente importante se, no longo prazo, tivermos compromissos mais desafiadores. Houve um movimento assim com a gordura trans. A partir do momento em que a informação sobre sua presença passou a ser obrigatória nos produtos, as empresas passaram a fazer produtos sem gordura trans.

Qual o papel da educação dada pelos pais aos filhos, dentro de casa, com relação à alimentação saudável?

A educação é importante porque é ela que traz senso crítico para as pessoas. Quem não tem senso crítico fica refém da publicidade enganosa e não tem condições de fazer escolhas melhores. A educação faz com que a pessoa possa comparar os produtos e as informações e descobrir se o que está sendo dito é verdade.