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Sem economês e com Itamar caricato, filme ajuda jovem a entender Plano Real

Téo Takar

Colaboração para o UOL, em São Paulo

21/05/2017 04h00

O filme “Real – O Plano por Trás da História”, do diretor Rodrigo Bittencourt, chega às telas dos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira (25). Baseado no livro “3.000 dias no bunker”, do jornalista Guilherme Fiúza (autor de "Meu nome não é Johnny"), o longa conta os bastidores da criação do Plano Real e usa como figura central da narrativa o jovem e até então desconhecido economista da PUC-RJ Gustavo Franco, interpretado por Emílio Orciollo Neto.

Embora Bittencourt tenha declarado que não se trata de um documentário, mas de uma obra de ficção baseada em fatos reais, o UOL Economia decidiu conferir até que ponto o filme retrata fielmente a história. Para isso, convidou o professor do Insper Ricardo Rocha para assistir à sessão de apresentação à imprensa. Na época do Plano Real, Rocha era executivo do mercado financeiro, ocupando cargo de diretoria no banco de investimentos Crefisul.

“De forma geral, o filme retrata muito bem tudo o que aconteceu, desde a escolha do Fernando Henrique pelo Itamar, a formação da equipe que criou o real, os passos de implantação da moeda e as crises que se sucederam, como a da Ásia e da Rússia. Mas não entra nos detalhes técnicos, o que provavelmente deixaria o filme chato”, avalia Rocha.

Bom para entender importância da estabilidade econômica

“É um bom material, principalmente para essa geração dos millennials entender a importância do Plano Real. Sem a estabilidade econômica, ninguém estaria criando fintechs hoje, por exemplo”, completa o professor.

O produtor do filme, Ricardo Fadel Rihan, disse que resolveu bancar o projeto pensando justamente nos jovens. “O desafio foi transformar um tema árido como política econômica em uma narrativa que fosse interessante para o público jovem. Queremos que os jovens, que não viveram a hiperinflação, se interessem pelo tema e conheçam a história.”

Veja a seguir uma análise das principais passagens e personagens do filme, apontando quais situações aconteceram na história real, além de inconsistências, exageros ou invenções do roteiro.

Itamar caricato

É difícil falar de economia sem ser chato. Por isso, uma saída encontrada pelo filme foi criar um Itamar Franco caricato. O clássico topete, a postura e até o tom de voz são ressaltados na interpretação do ator e humorista Bemvindo Sequeira. “Era uma figura imprevisível”, afirma o roteirista Mikael de Albuquerque.

Para o professor Rocha, o filme retrata corretamente a intenção de Itamar de dar carta branca ao time de economistas da PUC Rio, ao mesmo tempo em que cobrava urgência na apresentação do plano, não apenas para conter a hiperinflação, como também para viabilizar a campanha presidencial, que se aproximava.

“Eu só acho que o Itamar merecia um tratamento um pouco mais respeitoso. Em alguns momentos, ele chega a parecer idiota, como na cena em que pede ao ministro Rubens Ricupero (Ricardo Kosovski) que explique o plano para ele”, afirma Rocha. “O presidente não precisa ser um economista. Ele precisa escolher bem os nomes e dar seu apoio a esses talentos.”

Na sequência da cena, Ricupero usa a imagem de um saco de batatas para tentar explicar de forma simples como acontecerá a mudança para o real. “Eu não me lembro se isso aconteceu mesmo”, diz Rocha. Já Albuquerque garante que sim. “Nós entrevistamos o Ricupero. Ele nos deu muitos detalhes.”

Rivalidade entre Arida e Franco

O filme sugere que havia uma grande rivalidade entre Pérsio Arida (Guilherme Weber) e Gustavo Franco. Eles teriam se estranhado logo nas primeiras reuniões para elaborar o Plano Real. E o clima de animosidade teria persistido nos meses seguintes, especialmente quando Arida chegou à presidência do Banco Central, enquanto Franco permanecia no posto de diretor de Assuntos Internacionais da instituição.

“Esse tipo de bastidor é difícil de saber. Não havia essa percepção no mercado financeiro. Mas eu me lembro que a demissão de Pérsio Arida causou muita agitação no mercado”, relata Rocha.

Pela versão do filme, Arida teria saído depois que Franco boicotou intencionalmente sua proposta de colocar o câmbio flutuante em prática. Reportagens da época sugerem que a demissão foi provocada por boatos de que Arida teria vazado informações privilegiadas para seu amigo Fernão Bracher, do Banco BBA.

Clone do Serra

Apesar das passagens rápidas ao longo do filme, José Serra rouba a cena. “Parece mesmo que é ele. A voz e o jeito de falar são muito semelhantes”, comentou o professor Ricardo Rocha. Várias pessoas que assistiram à sessão tiveram a mesma impressão.

Além do sucesso da interpretação do ator Arthur Kohl, vale destacar que todas as cenas sobre Serra são fidedignas. O político tucano não nutria nenhuma simpatia por Gustavo Franco e sempre se colocou contra a estratégia proposta pelos criadores do real, defendendo um modelo que fosse desenvolvimentista, lembra o professor do Insper.

Maxidesvalorização

O filme aborda de forma superficial a sequência de crises (México, Ásia, Rússia) que ameaçaram a estabilidade do real e coloca Gustavo Franco com um obstinado em manter a paridade da moeda frente ao dólar, combatendo duramente a ideia defendida por seus colegas de adotar o câmbio flutuante.

Mas chega o momento em que a situação se torna insustentável, e o governo é obrigado a promover a maxidesvalorização. “Aqui há uma imprecisão no filme, que dá a entender que a maxi aconteceu em março de 1999. Na verdade foi em janeiro daquele ano”, afirma Rocha.

Sérgio Moro

“O juiz Sérgio Moro e a força-tarefa de Curitiba têm feito um excelente trabalho”. A frase foi dita por Gustavo Franco em uma das últimas cenas do filme, durante seu depoimento à CPI do Banestado. Franco bate boca com o deputado petista Gonçalves (Juliano Cazarré) e rebate as acusações de que teria facilitado o envio dos recursos para o exterior ao definir as normas para as contas CC5, destinadas a não-residentes no Brasil.

Alguém desavisado pode achar que houve um pulo repentino na sequência cronológica, para 2015 ou 2016. Na verdade, trata-se de uma grande coincidência, muito bem explorada pelo filme. Sérgio Moro, que hoje é responsável pelos processos da Operação Lava Jato em Curitiba, também julgou em 2004 os acusados no caso Banestado

Empréstimo para empreiteira baiana

A citação de Sérgio Moro não é a única ponte no filme entre a história da década de 90 e o momento atual. Em determinada altura do longa, Gustavo Franco, então diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, e Denise (Mariana Lima), seu braço direito no banco, conversam sobre um empréstimo de US$ 400 milhões que uma empreiteira baiana havia solicitado ao BNDES para realizar uma obra no Irã, mas que Franco havia barrado.

Em seguida, eles recebem a visita de um senador da Bahia justamente para convencer Gustavo Franco a liberar o empréstimo. O filme não cita o nome da empreiteira, mas dá a entender que se trata da Odebrecht.

O UOL Economia não encontrou informações sobre esse empréstimo. No filme, Gustavo Franco teria impedido sua concessão por causa da expectativa de calote pelo Irã, que enfrentava uma grave crise econômica na época. Portanto, não há certeza se a passagem retrata um fato verídico ou se é apenas ficção para aproveitar o gancho com a atual Operação Lava Jato.

Faltou a parabólica

É possível notar que algumas personalidades foram poupadas de seus momentos constrangedores na vida real. O filme não faz nenhuma referência, por exemplo, ao “Escândalo da Parabólica”, como ficou conhecida a polêmica conversa entre o então ministro da Fazenda Rubens Ricupero e o jornalista Carlos Monforte, enquanto se preparavam para entrar no ar no Jornal da Globo, em setembro de 1994.

Sentindo-se à vontade por causa da proximidade com Monforte, que era seu cunhado, e acreditando que a conversa não estava sendo gravada, Ricupero fez declarações comprometedoras a respeito do Plano Real e soltou a famosa frase: “Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.” A imagem e o som acabaram sendo captados por antenas parabólicas, e o episódio caiu como uma bomba dentro do governo, forçando Ricupero a pedir demissão.

Ciro Gomes ficou de fora

Outra ausência notável no filme é a do ex-ministro Ciro Gomes, que sucedeu Rubens Ricupero na Fazenda e ocupou o cargo nos últimos quatro meses do governo de Itamar Franco, até ser substituído por Pedro Malan, quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República, em 1995.

Questionado pelo UOL Economia, o roteirista do filme, Mikael de Albuquerque, admitiu que alguns nomes importantes ficaram de fora. Além de Ciro, ele citou ainda Murillo Portugal (secretário do Tesouro Nacional na época, hoje na Febraban) e Pedro Parente (ocupou a Casa Civil, o Planejamento, Minas e Energia e hoje está na Petrobras).

“O filme se passa num período longo, de 10 anos (da criação do real, em 1993, à CPI do Banestado, em 2003). Evidentemente, houve muitas pessoas importantes nesse período. Procuramos amarrar o filme do ponto de vista da narrativa e da dramaticidade. E optamos por fazer uma elipse do período em que o Ciro Gomes esteve no ministério por entender que ele não agregaria dramaticidade ao filme”, argumentou Albuquerque.

“Colocar apenas uma cena em que o Ciro aparecesse não faria muito sentido”, acrescentou o diretor do longa, Rodrigo Bittencourt. Entretanto, essa foi a opção escolhida para retratar Ruth Cardoso, esposa de Fernando Henrique. Ela aparece brevemente no jantar de gala da posse do marido na Presidência. Bittencourt avalia que colocar muitos personagens no filme poderia acabar esvaziando a história. “Na verdade precisaríamos de uma série para contar a história do Plano Real em detalhes.”

O que é ficção

Se alguns nomes importantes ficaram de fora, a direção resolveu acrescentar personagens à história, justamente para dar ritmo e dramaticidade ao filme. É o caso do relacionamento de Gustavo Franco com Renata, interpretada por Paolla Oliveira.

Denise (Mariana Lima), o braço direito de Gustavo Franco, também é uma saída ficcional para mostrar os bastidores do Banco Central de uma forma menos burocrática e reforçar a personalidade fleumática de Gustavo Franco em meio às pressões do cargo.

A jornalista Valéria (Cássia Kis), que coloca Franco na parede durante uma dura entrevista, e o deputado petista Gonçalves, seu principal opositor na CPI do Banestado, completam o conjunto de invenções do filme.