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ONG pede 'doação' de R$ 300 por emprego, mas diz que taxa não é obrigatória

Trabalhadores em busca de emprego em frente à ONG Agefes-Saúde nesta sexta-feira - Ricardo Marchesan/UOL
Trabalhadores em busca de emprego em frente à ONG Agefes-Saúde nesta sexta-feira Imagem: Ricardo Marchesan/UOL

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

04/08/2017 16h21

Dezenas de pessoas se aglomeravam em frente à porta de um pequeno sobrado na rua Cardeal Arcoverde, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, na manhã desta sexta-feira (4), em busca de um emprego.

Ali, a ONG Agefes-Saúde oferece vagas de trabalho em empresas de construção civil. Os candidatos que aguardavam ser atendidos dizem que, caso fossem contratados, teriam que dar à entidade R$ 300 de seu primeiro salário. Segundo o Ministério Público do Trabalho de São Paulo, "uma empresa, empregador ou agência de empregos não têm o direito de exigir nenhuma parcela do salário de um empregado para o que quer que seja".

Segundo seu site, a ONG realiza "assistência aos pacientes portadores de câncer e seus familiares", e as empresas são "parceiras em doações de vagas de empregos". Diz ainda que "os profissionais serão parceiros dos pacientes portadores de câncer em doações de uma cesta básica uma única vez no valor de R$ 300 no qual e (SIC) descontado no primeiro salário".

Print - ONG - Reprodução - Reprodução
Mensagem publicada no site da empresa fala em desconto de R$ 300 do salário
Imagem: Reprodução

Nesta sexta-feira, as pessoas no local aguardavam para receber senhas ou ser chamadas para uma entrevista. Enquanto isso, ocupavam grande parte da calçada e até uma das faixas da rua, embaixo da garoa que caía na capital paulista.

Entre eles estava Cícero Fonseca, 38, que afirma ter chegado ali à 6h da manhã e aguardava uma senha. Por volta das 12h ele ainda não tinha sido atendido.

Fonseca diz que, desde dezembro, trabalhou apenas 16 dias, como carpinteiro em uma obra.

Ele conta que já tinha ido ao endereço da ONG na manhã da terça-feira (1º), falou com funcionários do local e foi orientado a voltar na sexta para passar por uma entrevista. Nessa primeira ida, segundo ele, recebeu a informação de que deveria pagar R$ 300 à ONG se conseguisse o trabalho. Esse dinheiro seria pago quando recebesse o primeiro salário, afirma.

ONG diz que pagamento é opcional

Tiago de Souza, que disse ao UOL fazer parte do RH da ONG, afirma que o valor não é uma cobrança, mas sim uma doação opcional, e que o candidato diz se quer ou não dar o dinheiro quando faz a entrevista. "A gente não cobra, não é obrigatório dar." Ele também negou que o pagamento é descontado do salário, dizendo que o funcionário volta à ONG para fazer a doação.

Cícero Fonseca diz, porém, que na primeira conversa com os funcionários não recebeu a informação de que o pagamento era opcional.

O UOL questionou Tiago de Souza sobre essa declaração. O funcionário reafirmou que é deixado claro que o pagamento não é obrigatório, e que a confusão pode ser causada porque "às vezes ele (candidato) não está nem prestando atenção" nas informações passadas. "Mas a gente tira todas as dúvidas antes de ele ser liberado", afirma.

De acordo com Souza, a ONG "faz uma pré-seleção para o RH da empresa" e são mais de 150 empresas parceiras. Atualmente, são oferecidas 150 vagas na construção civil, segundo ele. O funcionário não soube informar, porém, quantos candidatos já se inscreveram pela ONG, nem quantos conseguiram emprego.

Sobre a trabalho da instituição, Souza diz que ela atua há 11 anos "no combate ao câncer de pessoas de baixa renda e seus familiares" e que atualmente tem parcerias "em todo o Brasil". "A gente doa cesta, se for remédio, o que for que eles precisam", afirma, e que inclusive "arruma encaixe de vagas (em hospitais) para câncer, sem muita fila, sem muita burocracia."

Ele não soube informar, porém, quantas pessoas são atendidas pela instituição.

ONG não pode exigir pagamento, diz MPT

O UOL consultou o Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP) sobre a exigência de pagamento de parte do salário em caso de contratação por meio da entidade. Em nota, o ministério afirmou que o "salário é impenhorável".

"No caso de uma agência de trabalhos domésticos, pode-se cobrar taxa do empregador – mas nunca, em hipótese alguma, do empregado", afirma o MPT, em nota. 

Segundo o ministério, a ONG pode ser denunciada por qualquer pessoa, tanto ao MPT "quanto ao Ministério do Trabalho, à Justiça do Trabalho ou ao sindicato da categoria afetada". "Após uma denúncia, são abertas investigações para apurar os fatos. Se ficar comprovada a ilegalidade, a empresa pode ser multada ou processada, dependendo do desenrolar do caso", afirma.

Segundo a advogada Maria Lucia Benhame, da Benhame Sociedade de Advogados, uma entidade beneficente não poderia cobrar nenhuma contribuição obrigatória dos trabalhadores. "É da essência da doação ser voluntária", afirma.

Outro problema apontado pela advogada é a falta de clareza sobre o que está sendo acordado. "Tem que deixar bem claro que a contribuição é voluntária", afirma. "Se uma empresa vai cobrar pelos serviços, precisa avisar antes."