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Tramontina, Granado, Raia: como se manter no mercado por mais de 100 anos?

Marcus Lopes

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/08/2017 04h00

Elas já passaram por diversos planos econômicos do governo, troca de moedas, hiperinflação e tabelamento compulsório de preços dos seus produtos. Atravessaram até problemas como escassez de matéria-prima durante guerras.

Empresas fundadas há mais de cem anos relatam ao UOL como sobreviveram a crises ocorridas em décadas passadas e enfrentam o atual momento de crise da economia nacional.

“Uma empresa é como uma pessoa: se ela cuidar da saúde, fazer dieta e exercícios irá viver muito”, diz o diretor-superintendente da FTD Educação, Antônio Rios, 56. A editora foi fundada pelo Instituto Marista em 1902.

Segundo ele, os períodos econômicos difíceis são importantes para detectar desperdícios e excesso de gastos.

Em tempos de bonança, é comum as empresas fecharem os olhos para determinadas coisas e se permitirem (gastar) mais do que deveriam. A cada crise enfrentada, a empresa renasce, e a tormenta acaba sendo um grande aprendizado

O pior período enfrentado pela FTD, diz o diretor, foi durante o governo Fernando Collor (no início dos anos 90). “Houve forte retração da demanda porque as pessoas ficaram sem dinheiro”, afirma Rios. Na época, a empresa teve de fazer demissões e empréstimos bancários para honrar os compromissos assumidos.

Sobre a crise atual, Rios é otimista: “Estamos até assustados porque estamos bem”, diz. A FTD encerrou o ano de 2016 com faturamento de R$ 640 milhões, crescimento de 20% em relação a 2015.

Segredo é manter a qualidade do produto

Para Ricardo Oliveira Selmi, 52, presidente da indústria de alimentos Selmi, dona da farinha de trigo e do macarrão Renata, um dos segredos é “manter sempre o pé no chão” e não abrir mão da qualidade do seu produto, mesmo em períodos difíceis da economia. “Nossa marca é o nosso maior patrimônio”, diz Selmi.

Ele cita como exemplo o tabelamento de preços durante o Plano Cruzado, em 1986. O quilo da farinha de trigo produzida pela empresa foi tabelado por um preço que não cobria os custos de produção do moinho.

“Preferimos tirar a farinha do mercado durante um ano”, relata Selmi, da quarta geração da família a comandar a empresa, fundada em 1887 em Campinas (93 km a noroeste de São Paulo).

Outro período difícil foi a Segunda Guerra Mundial, quando faltava farinha de trigo para a elaboração das massas. “Meu avô contava que comprava pão (que sobrava nas padarias) para moer e fazer o macarrão que vendíamos na época”, diz.

Programa permanente de capacitação e treinamento

“Estamos trabalhando para ultrapassar os 200 anos”, diz o vice-presidente de planejamento do Grupo RD, Eugênio De Zagottis. O Grupo RD reúne as redes de farmácias Droga Raia, Drogasil e Farmasil.

Hoje com 630 lojas, a Droga Raia foi fundada em 1905 em Araraquara (273 km a noroeste de São Paulo). Em 2016, o faturamento do Grupo RD foi de R$ 11,8 bilhões, 25% a mais do que em 2015.

Por lidar diretamente com o público em mais de 1.500 lojas das três marcas espalhadas por 19 Estados, o grupo RD mantém um programa permanente de capacitação e treinamento dos 30 mil funcionários, além de uma estrutura de logística descentralizada em oito centros de distribuição, instalados em seis Estados.

Longevidade é atribuída à memória afetiva
Casa Granado - sede da empresa no Rio em 1888 -  Divulgação/Acervo Casa Granado -  Divulgação/Acervo Casa Granado
Sede da Granado na Rua Direita (atual Primeiro de Março), no Rio de Janeiro, em 1888
Imagem: Divulgação/Acervo Casa Granado

A Granado atribui a longevidade da marca à qualidade, preços justos e memória afetiva de seus produtos, como o polvilho antisséptico, lançado em 1903.

Fundada no Rio de Janeiro em 1870 pelo português José Antônio Coxito, a Granado conta hoje com 1.500 funcionários e 55 lojas próprias espalhadas por 17 Estados brasileiros.

Em 2004, a perfumaria Phebo foi incorporada à empresa. Em 2016, a espanhola Puig tornou-se sócia minoritária.

Inovação tecnológica, novos produtos e promoção

Para a Tramontina, conhecida marca de utilidades domésticas, em uma crise econômica como a atual é preciso, em primeiro lugar, assumir que a crise existe e driblá-la com as ferramentas possíveis: investimentos em inovação tecnológica, lançamento de novos produtos para atrair o consumidor e promoções.

A empresa nasceu em 1911 como uma simples ferraria em Carlos Barbosa (RS). Hoje, são produzidas mais de 3 milhões de peças por dia em dez fábricas instaladas no país. São 7.500 funcionários. O faturamento da empresa em 2016 foi de R$ 5 bilhões. 

Empresa deve saber se reinventar, diz consultor

Para o consultor Eduardo Cabrera, 51, CEO da empresa de consultoria e auditoria Mazars Cabrera, os principais fatores que contribuem para a longevidade das empresas centenárias são: adaptar-se e transformar-se de acordo com a época, evitar conflitos na sucessão das gerações que comandam o negócio e planejar a longo prazo.

“A empresa deve saber se reinventar nos momentos difíceis”, afirma o consultor, citando empresas como a Kodak, ex-gigante no mundo da fotografia que pediu recuperação judicial (a ex-concordata) em 2012.

“A Kodak não conseguiu enxergar as mudanças que estavam ocorrendo no mundo com a chegada de novas tecnologias”, diz.

Segundo o consultor, o período atual pode ser considerado o mais desafiador para as empresas. “Há uma convergência de problemas políticos, econômicos e rápidas transformações nos negócios por causa das novas tecnologias”, diz.