Agronegócio gaúcho fala em colapso da pecuária ao hortifrúti
Zonas rurais ilhadas, pessoas desaparecidas nos deslizamentos de terra e a falta de suprimentos básicos, como água potável, são preocupações das populações que vivem nos interiores do Rio Grande do Sul. A urgência é salvar vidas. Em paralelo, a pergunta que
se faz é a seguinte: o que será dos agricultores que perderam sua fonte de renda debaixo da chuva?
Mais de 300 mil produtores são enquadrados na agricultura familiar e se deparam com perdas de safra e infraestrutura, como tratores e armazéns.
As lavouras gaúchas de soja, que já indicavam o maior índice de atraso da colheita do Brasil, agora tendem a apresentar queda relevante de produtividade. Segundo Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Consultoria e nome relevante do agronegócio no Rio Grande do Sul, diz que ainda é cedo para estimativas sobre quebra de safra. O que já dá para afirmar é que serão necessárias medidas para renegociação de dívidas dos produtores rurais.
O estado é o segundo maior produtor de soja no Brasil, cuja colheita estava em 70% da área total até o início das inundações. Os 30% restantes não colhidos representam cerca de 2 milhões de hectares e 6,5 milhões de toneladas. Segundo o consultor, esse volume sob risco representa 5% da safra estimada para o país, algo em torno de 147 milhões de toneladas.
"Quem tem condições, está correndo para salvar o que está na lavoura. Essa perda, que a gente ainda não consegue estimar, vai afetar o total da produção brasileira, aumentar preço lá fora, aqui dentro e causar impacto nas cadeias de carne. O Brasil ainda tinha uma safra relativamente grande, mas que pode cair de 142 a 145 milhões de toneladas. Fica uma safra insuficiente para acalmar os ânimos globais", ele afirma.
Cogo também é membro titular do Comitê Gestor Interministerial do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis do Ministério da Agricultura. Ele revela que está em constante conversa com a equipe do ministro Carlos Fávaro para pensar alternativas que minimizem os prejuízos de agricultores e pecuaristas.
Na segunda-feira (6), entidades representantes de produtores rurais gaúchos, agroindústrias e cerealistas do Rio Grande do Sul pediram ao secretário de política agrícola do Mapa, Neri Geller, medidas "extraordinárias" para reerguer o setor produtivo no estado. O setor fala em renegociação de dívidas e pediu um encontro com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
À beira do colapso
Um setor que já estava enfrentando cenário de baixos preços e produtores desistindo da atividade é o da pecuária leiteira. Agora, a situação é ainda mais crítica e já se fala em colapso do segmento. "O leite vai entrar em colapso logo. Não tem logística, não tem estradas, já estava ruim antes [em relação ao preço pago ao produtor]. Uma grande parte dos produtores não está operando, e quem está operando não vai conseguir escoar essa produção", diz Carlos Cogo. O motivo é a falta de infraestrutura e logística.
Quem também já fala em colapso é o próprio governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Em coletiva de imprensa, ele admitiu que a atividade da pecuária tende a colapsar, pois os próprios frigoríficos ficaram debaixo d'água. Segundo Leite, a secretaria de
agricultura do Estado "está acompanhando a situação junto a empresas produtoras de proteína animal e alimentos".
A atividade é exercida majoritariamente por produtores de pequeno porte e de agricultura familiar, sendo ainda mais suscetíveis à falência dos negócios. Carlos Joel, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag-RS), diz que há mais de 300 mil propriedades gaúchas classificadas como agricultura familiar. "Vamos dizer que 50% delas estão nessa área com prejuízos, sendo 40% com perdas muito grandes", ele afirma.
Ele conta que esteve em reunião com os setores da proteína animal e com o governo estadual para traçar linhas de acesso às propriedades, pois muitas estradas estão destruídas. "Estamos criando corredores para que os caminhões possam buscar o leite,
levar ração para frangos e suínos ou trazê-los para o abate", afirma.
Desabastecimento de arroz
Entre tantas preocupações com relação ao agronegócio gaúcho, está a produção de arroz. O Rio Grande do Sul produz 70% de todo o arroz no Brasil, e a estimativa de colheita da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) era de 7,48 milhões de toneladas colhidas em 2024.
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Quero receberAlém dos 20% que faltava ser colhido, havia um volume já recebido em armazéns e silos que também se perderam nas enchentes. Diante desta realidade, o país deve se preparar para a falta de cerca de um milhão de toneladas, segundo Carlos Cogo.
Nesta terça-feira (7), o presidente Lula afirmou que já considera a possibilidade de importar o alimento. "Se for o caso, para equilibrar a produção, a gente vai ter que importar arroz, a gente vai ter que importar feijão, para colocar na mesa do povo brasileiro um preço compatível com aquilo que ele ganha", afirmou.
O consultor gaúcho não se mostra otimista quanto a esta possibilidade. "Talvez vá faltar entre 1 milhão e 1,5 milhão de toneladas. Não temos isso disponível nos países do Mercosul. O ministro [Carlos Fávaro] me perguntou isso [de um acordo comercial com os
países vizinhos], mas eles não têm essa possibilidade de troca. A importação da Ásia está extremamente difícil, leva tempo. Não vejo uma saída próxima para os nossos estoques. Vai haver desabastecimento, está na cara."
De frutas a máquinas agrícolas
Carlos Joel, da Fetag, conta que os produtores relatam perdas não apenas na soja, milho, arroz e silagem para gado. Em conjunto com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-RS), os esforços de resgate continuam, inclusive porque há mais previsão de chuva para quarta-feira (8). Galpões, tratores e demais infraestruturas, constituem uma perda incalculável.
"Máquinas agrícolas, animais de corte e leite, e infraestruturas de armazenagem também se foram. Mesmo silos com alta vedação podem ter tido problema. As perdas são muito grandes, é algo incalculável, além das vidas perdidas", diz.
Também é imensurável o impacto para as chamadas minor crops, culturas de menor proporção em área plantada, em relação às grandes commodities, a exemplo das frutas, legumes e verduras — grupo chamado de FLV. Este tipo de alimento foi impactado dentro da Central de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa/RS), que corresponde a 54% do abastecimento dos hortifrutigranjeiros comercializados no estado.
Na terça-feira, a Ceasa emitiu uma nota afirmando que as atividades passarão da zona norte de Porto Alegre para uma unidade no município de Gravataí. "Em conjunto com a Emater e a Ceasa, estão sendo implementadas medidas para identificar os produtores e realizar a logística necessária para assegurar o abastecimento contínuo. Encontramos essa alternativa para que a população não fique desabastecida, o produtor e o comerciante não sejam penalizados mais vez, com a perda dessa receita", afirma Ronaldo Santini, Secretário de Desenvolvimento Rural, em nota.
Aproximadamente R$ 300 mil serão investidos pela Ceasa nos próximos 15 dias para a manutenção do funcionamento da operação. Ainda assim, o custo de plantio dos hortifrútis versus a capacidade de compra da população pode apresentar prejuízos financeiros de
prazo inestimável aos produtores.
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