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CGU encontra superfaturamento de R$ 108 mi em obra da ferrovia Norte-Sul

Ferrovia Norte-Sul liga o Maranhão a Goiás e é principal corredor ferroviário do país - Eduardo Knapp/Folhapress
Ferrovia Norte-Sul liga o Maranhão a Goiás e é principal corredor ferroviário do país Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

15/11/2017 04h00

Fiscais do Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União encontraram indícios de superfaturamento de R$ 108 milhões em obras da ferrovia Norte-Sul, um dos principais corredores ferroviários do país. Dois relatórios aos quais o UOL teve acesso indicam irregularidades como pagamentos em duplicidade, preços acima do valor de mercado e até o uso de madeira podre na obra.

A ferrovia Norte-Sul é um projeto de infraestrutura que começou há quase 30 anos, durante o governo do ex-presidente José Sarney (PMDB). Atualmente, ela tem 1.575 quilômetros e liga as cidades de Açailândia, no Maranhão, a Anápolis, em Goiás.

A ferrovia começou a ser construída em 1987. No decorrer dos anos, a obra chegou a ser paralisada algumas vezes por diferentes motivos. Em 2013, por exemplo, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou a paralisação das obras após verificar indícios de irregularidades. Além do trecho original (entre Açailândia e Anápolis), foi adicionado um novo trecho, ainda em obras, entre Anápolis e Estrela D'Oeste (SP).

Desde 2010, a obra já consumiu pelo menos R$ 11,7 bilhões. A construção da ferrovia fica a cargo da estatal Valec, sob o comando do Ministério dos Transportes. Consultada pela reportagem, a Valec informou que está avaliando os relatórios (veja mais abaixo).

As irregularidades detectadas pelos fiscais da CGU foram encontradas em dois trechos da ferrovia que, juntos, somam 545 quilômetros e vão da divisa dos Estados de Tocantins e Goiás até a cidade de Anápolis.

Entre as irregularidades encontradas pelos fiscais estão a baixa qualidade de trechos entregues por Torque/Azvi e Trial/SPA, consórcios contratados pela Valec para realizar a obra.

Em um determinado trecho, os fiscais identificaram que a madeira usada como dormente (peça no leito de uma estrada de ferro) estava podre, apesar de ter sido inaugurado alguns meses antes. Em outro local, em que foram usados dormentes de concreto, as peças estavam rachadas, apesar de o fluxo na ferrovia ser baixo.

foto dormente - Divulgação/Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União - Divulgação/Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União
Fiscais da CGU encontraram dormentes podres em obra da ferrovia Norte-Sul
Imagem: Divulgação/Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União

Em outro ponto, os fiscais verificaram que as empreiteiras deixaram de colocar mantas de proteção nas encostas da ferrovia. Sem essa proteção, as encostas ficam mais suscetíveis a erosão, colocando em risco a operação da estrada de ferro. Num dos trechos, as chuvas chegaram a causar o rompimento dessas encostas.

Os relatórios apontam que, apesar de alguns trechos terem sido entregues pelas empreiteiras com irregularidades, a Valec recebeu e pagou pelas obras, o que dificultaria medidas administrativas ou judiciais para que a estatal obtivesse o ressarcimento dos valores ou a correção dos erros.

Os técnicos ainda apontaram que as irregularidades nas obras resultaram em um atraso de dois anos para a conclusão dos trechos.

A CGU indicou ainda o superfaturamento no pagamento de serviços que, segundo os técnicos, estariam acima do valor de mercado.

O órgão recomendou que a Valec inicie ações para obter o ressarcimento dos R$ 108 milhões superfaturados nestes trechos, finalizados em 2016.

Falta de planejamento e fraudes marcam história da ferrovia

Ao longo de 30 anos de obra, a ferrovia Norte-Sul ficou marcada por episódios de falta de planejamento e corrupção.

Ainda em 1987, uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo" indicou quem seria o vencedor da licitação para a construção do primeiro trecho da ferrovia. A reportagem foi do jornalista Janio de Freitas, colunista e membro do conselho editorial do jornal. Por meio de um anúncio de classificado, o jornalista indicou quem seria o vencedor da licitação antes do resultado oficial. 

A VLI, concessionária que opera o trecho que vai de Açailândia a Palmas, sofre com a falta de conectividade entre a ferrovia e as rodovias brasileiras. Apesar de cortar trechos de Goiás, Tocantins e Maranhão, novas frentes de exploração da produção de grãos, ainda faltam rodovias que conectem a Norte-Sul aos principais produtores de grãos como Mato Grosso. 

A corrupção também afetou a obra da ferrovia. Em fevereiro deste ano, a PF prendeu o ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha. Ele é suspeito de ter recebido dinheiro de propina paga por empreiteiras que atuaram na construção da ferrovia. Em entrevista à "Folha de S.Paulo", os advogados de Neves afirmaram que ele nega ter cometido atos ilícitos.

Estima-se que o prejuízo causado à Valec tenha sido de R$ 650 milhões. Só a construtora Camargo Corrêa, em seu acordo de leniência, se comprometeu a devolver R$ 65 milhões aos cofres públicos. 

Em julho deste ano, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco (PMDB), anunciou que o governo pretende leiloar a concessão do trecho que vai de Porto Nacional (TO) a Estrela D'Oeste (SP) por até R$ 1,5 bilhão. O leilão ainda não foi realizado. 

"Relatórios estão sendo analisados", diz Valec

Procurada pela reportagem, a Valec disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que “os apontamentos dos relatórios estão sendo analisados” e que “todas as medidas necessárias serão tomadas após o fim das tratativas com a CGU”.

A Valec disse ainda que os “apontamentos dos relatórios já estão sendo respondidos” e que a “CGU solicitou novos esclarecimentos que estão sendo analisados”.

A reportagem do UOL telefonou e enviou e-mails às empresas que compõem os consórcios Torque/Azvi e SPA/Trail para obter um posicionamento sobre o superfaturamento apontado pela CGU, mas até a publicação deste texto, nenhuma resposta foi fornecida.