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Por que é tão difícil colocar as contas públicas do Brasil em ordem?

Adriano Machado/Reuters
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Luiz Guilherme Gerbelli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

07/01/2018 04h00

A crise nas contas públicas ganhou novos contornos neste começo de ano: circulou a notícia de que o governo quer mudar a Constituição para suspender a chamada regra de ouro. Essa regra impõe limites para os gastos púbicos e proíbe, por exemplo, fazer dívidas para pagar alguns tipos de despesas, como gastos com pessoal. Com a mudança, o presidente Michel Temer evitaria ser acusado de crime de responsabilidade fiscal no futuro.

Essa "proposta" indica, sobretudo, que o governo brasileiro precisa promover uma reorganização nas suas finanças. Assim como acontece com as contas de uma família, quando o salário não chega até o fim do mês, o governo precisa parar de gastar mais do que arrecada.

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O discurso de que é preciso equilibrar as contas públicas --fazer o chamado ajuste fiscal-- tem sido repetido como um mantra pelo governo desde 2015, no primeiro ano do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. Um ano antes, os indícios de piora das contas públicas começaram a aparecer: o Brasil deixou de registrar superavits primários, ou seja, a economia feita para pagar os juros da dívida, e passou a ficar no vermelho.

O governo Michel Temer também não conseguiu colecionar resultados melhores. Para este ano, por exemplo, o presidente sancionou o orçamento com previsão de déficit de R$ 157 bilhões.

Risco maior, sem selo de bom pagador

Como o país de fazer essa economia extra para pagar os juros da dívida, a dívida passou a aumentar muito e, consequentemente, passou a ser visto no cenário internacional como um local mais arriscado para se investir. 

Em 2015, o país perdeu o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador concedido pelas agências de classificação de risco. Hoje, portanto, os investidores consideram que há um risco de calote maior do que há alguns anos.

Os gastos públicos federais cresciam a um ritmo de 6% ao ano acima da inflação. É óbvio que essa não é uma trajetória sustentável no longo prazo, a não ser que o PIB brasileiro crescesse 6% ao ano.

Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

'Remédio' tradicional não funciona mais

O quadro atual das finanças brasileiras é ainda mais perverso porque a fórmula tradicional usada para equilibrar as contas --reduzir despesas e aumentar receitas-- não é mais tão simples de se aplicar no Brasil.

Do lado das despesas, o orçamento é bastante rígido, o que dificulta cortes. Além disso, existem diversos gastos com tendências de crescimento, como a Previdência.

No lado das receitas, há pouco espaço para o aumento dos impostos e a economia ainda dá sinais tímidos de recuperação, depois de dois anos seguidos de recessão, o que faz com que a arrecadação seja limitada.

Reforma da Previdência ajuda, mas não é suficiente

No processo de ajuste fiscal, o governo tem enfatizado a necessidade de endurecer as regras para as pessoas poderem se aposentar. A reforma da Previdência é considerada fundamental para o ajuste das contas públicas, mas sozinha não deve resolver o problema, segundo especialistas.

A previsão do governo para este ano é de que o rombo do regime geral da Previdência --ou seja, apenas dos trabalhadores de empresas privadas, sem incluir servidores-- chegue a R$ 185,8 bilhões. No ano passado, o rombo foi de R$ 151,9 bilhões.

O governo tem enfrentado bastante dificuldade para levar a reforma da Previdência adiante. Mesmo com uma proposta mais enxuta em relação à versão original, ainda não conseguiu apoio dos deputados em 2017 e adiou a votação para fevereiro deste ano.

A Reforma da Previdência ajuda muito, mas somente ela não é suficiente.

Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV)

Muitas despesas que não podem ser cortadas

Além do rombo previdenciário, o excesso de despesas obrigatórias dificulta o ajuste. Quase todos os gastos do governo têm destino certo, o que dá pouca margem de manobra para o corte de despesas.

Até novembro, o governo gastou R$ 1,143 trilhão, sendo R$ 503,6 bilhões de gastos com a Previdência e R$ 256,8 bilhões com pessoal.

Dessa forma, quando o governo precisa reduzir os gastos, acaba tendo que cortar o investimento. A consequência: dificulta ainda mais a retomada da economia.

Por exemplo, os desembolsos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) recuaram 40,3% entre janeiro e novembro do ano passado na comparação com o mesmo período de 2016. Foram gastos R$ 19,997 bilhões, ante R$ 33,474 bilhões.

Adoção de medidas sem saber como pagar por elas

Por fim, o Brasil enfrenta um grave descompasso: nem sempre, quando se cria uma nova despesa e um novo incentivo, o governo tem a certeza de que eles poderão ser financiados.

Nos últimos anos, o Brasil concedeu uma série de subsídios e reduções de impostos para diversos setores. Com isso, abriu mão de parte importante do que poderia arrecadar.

Em 2018, o país deve deixar de arrecadar R$ 283,45 bilhões, o equivalente a 3,97% do PIB, por causa desses "incentivos" fiscais, estima a Receita Federal.

"É fundamental uma revisão dos gastos tributários e dos subsídios. Uma análise de custo-benefício dessas políticas tem que ser pré-requisito antes de se criar ou ampliar um incentivo dessa natureza", afirma Vilma, do Ibre.

O ajuste fiscal vai além de uma ou outra medida. É desafiador, e o governo tem que fazer muitas mudanças para colocar as contas fiscais nos eixos.

Vilma da Conceição Pinto, do Ibre/FGV

Mercado confiante na continuidade do ajuste

O cenário para as finanças públicas do Brasil é bastante complicado, mas, no geral, há uma confiança no mercado de que o processo de ajuste deve continuar nos próximos anos, inclusive quando um novo governo assumir a Presidência, em 2019.

Algumas medidas recentes ajudam a sustentar esse "otimismo". Por exemplo, foi definido um limite máximo para os gatos públicos e foram alterados os juros usados nos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o objetivo de reduzir os subsídios.

O mercado parece não estar tão preocupado assim porqe há expectativa de que o governo que for eleito no ano que vem vai dar sequência ao ajuste fiscal.

Bruno Lavieri, economista da consultoria 4E

Nas projeções da consultoria, só em 2023 o Brasil deve chegar a um resultado primário zero, ou seja, deve igualar receitas e despesas, mas sem conseguir poupar para pagar os juros da dívida. A dívida só deixaria de avançar em 2025, estima a 4E, quando estaria próxima de 90% do Produto Interno Bruto (PIB). Em novembro, último dado divulgado, a dívida estava em 74,4% do PIB.

"A partir daí, você precisaria de um superavit primário em torno de 2% do PIB (R$ 130 bilhões) para não deixar essa dívida continuar subindo", diz Lavieri.