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Após consultas e exames, clínicas populares já fazem cirurgias; é seguro?

Unidade da Policlínica Granato, no Rio - Policlínica Granato/Divulgação
Unidade da Policlínica Granato, no Rio Imagem: Policlínica Granato/Divulgação

Juliana Elias

Do UOL, em São Paulo

28/09/2018 04h00

O modelo é novo, mas se popularizou rápido: clínicas que oferecem atendimento médico particular, sem plano de saúde, mas com preços bem mais acessíveis do que a média do mercado.

Em um momento em que o número de clientes de planos de saúde no país só encolhe, as chamadas clínicas populares se proliferaram por diversas cidades, oferecendo exames tão baratos quanto R$ 10 e consultas a R$ 50 ou R$ 60. Agora, elas dão um passo à frente: começam também a oferecer cirurgias.

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A ideia é a mesma. Oferecer o procedimento de maneira particular, sem a intermediação de planos de saúde, mas com valores que podem chegar a menos da metade do preço tradicionalmente cobrado pelos hospitais. É seguro? Segundo o CFM (Conselho Federal Medicina), só olhar o preço é pouco: o consumidor deve se certificar de que a equipe é qualificada e que o estabelecimento tem a estrutura necessária para aquele tipo de cirurgia (leia mais abaixo).

Em geral, as cirurgias não são feitas nas próprias clínicas. Elas fecham parcerias com hospitais particulares e usam o espaço e a estrutura deles em dias e horários de pouco movimento.

Sem 'devolver' o paciente ao SUS

Um exemplo é a Policlínica Granato, que surgiu em 2008 e tem hoje sete unidades no Rio de Janeiro. Há um mês começou a oferecer cirurgias a preços mais acessíveis, com pagamento parcelado em até 12 vezes.

Em São Paulo, a Doktor's aproveitou para incluir no catálogo até procedimentos que os planos de saúde, em geral, não cobrem, como cirurgias plásticas e de redução de estômago. Fundada no final de 2016 fazendo consultas e exames, na zona oeste da capital paulista, a empresa oferece cirurgias aos clientes desde o início de 2017.

Em Vila Velha, na Grande Vitória, a recém-inaugurada Provmed planeja construir um hospital próprio, que permitirá, além das cirurgias, fazer atendimento em pronto-socorro e internações.

"É natural buscarmos um modelo que ofereça tudo em só lugar", disse o cirurgião-dentista Rodrigo Aguiar, um dos sócios da Doktor's. "Não adianta nada atender o paciente, fazer o exame, diagnosticar a necessidade de uma cirurgia e devolvê-lo para o SUS. Então, vamos oferecer a cirurgia também."

Foco em operações simples

Em geral, as cirurgias que essas clínicas oferecem são procedimentos de baixa complexidade, normalmente agendados, que não exigem equipamentos de alta tecnologia nem mais que um dia de internação.

São procedimentos como operação de hérnia, retirada de pedra na vesícula, vasectomia, intervenções oftalmológicas (como catarata) e ginecológicas (como correção de endometriose), parto normal ou cesárea.

Na Doktor's, a cirurgia de redução de estômago (que só é coberta por planos de saúde para quem tem obesidade mórbida) sai na faixa de R$ 15 mil, incluindo equipe médica, anestesista, equipamentos e internação, parcelados em até dez vezes. É um pacote que, segundo Aguiar, pode chegar a R$ 40 mil no mercado convencional. 

Na Granato, a cirurgia de hérnia custa em média R$ 6.000, ante cerca de R$ 18 mil no particular convencional, e o parto é oferecido na faixa de R$ 7.000, ante valores que chegam a R$ 15 mil em outros lugares. Os procedimentos podem ser parcelados em até 12 vezes.

Mais complexas, cirurgias cardiovasculares e neurológicas são exemplos de operações que, por ora, não estão nos portfólios. Elas podem durar até dez horas, exigem alta tecnologia, demandam vários dias de internação e, com frequência, precisam de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

"Quanto mais complexa a cirurgia, mais cara e mais difícil de se conseguir um preço que, mesmo reduzido, o paciente consiga pagar", disse o fundador da Policlínica Granato, o patologista Paulo Granato. 

Hospitais ociosos ajudam na economia

Na Granato, diferentemente das consultas e exames, que são feitos por médicos da rede dentro das unidades próprias, as cirurgias são feitas fora, em hospitais com os quais a clínica fechou parceria.

Essas parcerias permitiram barganhar valores mais baixos e viabilizar o preço final menor para o paciente, segundo o fundador. "Damos volume para o hospital e agendamos as nossas cirurgias para horários e dias em que ele fica ocioso", disse Granato.

Por isso, é mais provável que a operação de uma pessoa vinda da Granato, por exemplo, seja agendada para uma sexta-feira ou um final de semana, dias em que centros cirúrgicos e leitos hospitalares costumam ter menor movimento.

Isso significa que o hospital aceitou ganhar menos para fazer, para os pacientes da parceira, o mesmo procedimento que faz a um valor mais caro para os seus próprios? Não exatamente, segundo Granato.

Segundo ele, são pouquíssimos os pacientes que fazem o atendimento particular diretamente com o hospital. A grande maioria chega pelo plano de saúde, que, graças ao alto volume, já paga aos estabelecimentos valores abaixo do preço original.

Na prática, o que as novas clínicas estão fazendo é oferecer aos hospitais preços próximos aos que já são pagos pelas operadoras de planos. A diferença é que elas criaram um modelo novo: esses preços com desconto são pagos diretamente pelo paciente, sem precisar passar pela mensalidade de um convênio.

Comissão maior que pelo convênio

Doktor's, clínica popular na Lapa, em São Paulo - Victor Nascimento/Doktor's/Divulgação - Victor Nascimento/Doktor's/Divulgação
A Doktor's, em São Paulo, oferece cirurgias desde 2017
Imagem: Victor Nascimento/Doktor's/Divulgação

Aguiar, da Doktor's, afirmou que parte importante da economia vem também do acordo com os médicos e cirurgiões que integram o corpo da clínica.

"São profissionais que têm de vestir a camisa", disse. "Eles não vão ganhar o que cobrariam por fora, mas trabalham com um número maior de atendimentos e se engajam pelo viés social do projeto, que é tornar a saúde acessível."

Ainda assim, afirmou Aguiar, a clínica garante aos profissionais uma remuneração igual ou maior do que a paga quando o atendimento ou a cirurgia é feita por meio de um plano de saúde.

Hospital próprio e controle de custos

Provmed - Provmed/Divulgação - Provmed/Divulgação
Atendimento na Provmed, inaugurada em julho em Vila Velha (ES)
Imagem: Provmed/Divulgação

Na Provmed, em Vila Velha, a aposta para ampliar o atendimento e garantir preços acessíveis será a construção de um hospital próprio, que deve ser erguido nos próximos dois anos, segundo planejamento da empresa.

Internações e cirurgias mais simples serão também o foco pretendido: "Terá o perfil de um hospital-dia, voltado para intercorrências mais simples, em que a pessoa, geralmente, chega de manhã e sai à noite", disse o fundador da Provmed, o administrador de empresas José Carlos Provedel.

Os valores das futuras cirurgias ainda não estão definidos, mas, segundo ele, devem ser cerca da metade do preço médio de mercado. "Com planejamento e gestão, é possível baixar os custos", disse.

"Há uma classe média que não consegue mais pagar plano de saúde, mas que também não quer ir ao SUS", afirmou. "É um público que cresceu muito e que procura alternativas."

Clínicas precisam estar adequadas a normas médicas

Segundo José Fernando Vinagre, corregedor do CFM (Conselho Federal de Medicina), as clínicas populares são um fenômeno muito novo, que têm ajudado a atender a carência de um público que estava desassistido, mas que, por outro lado, precisa de atenção.

"Ter a certeza de que o local dispõe de uma equipe qualificada é o mais importante; ser barato ou ser caro não é o principal indicador de segurança, porque os preços variam muito mesmo de um lugar para outro." 

É obrigatório, por exemplo, que a clínica popular tenha um diretor técnico com registro no conselho regional médico (o CRM) do estado. Isso pode ser verificado no site dos CRMs e do CFM por meio do nome da clínica, do hospital, do médico ou pelo seu número de registro.

Ele faz um alerta em relação a procedimentos como cirurgias plásticas, bariátrica e cesáreas. "Cirurgias que exigem intervenções mais complexas não devem ser feitas em clínicas, devem ser em um ambiente hospitalar, onde haja todo o suporte necessário ao paciente para o caso de uma intercorrência", disse. "E é importante que o hospital também esteja regular junto ao conselho".

O registro formal é o que garante que o profissional e o estabelecimento sejam fiscalizados e sigam padrões de ética e segurança estabelecidos pelas normas médicas, segundo o representante do CFM.