Estatais de saúde e pesquisa são as que mais gastam dinheiro do governo
Entre as estatais federais que não geram receita própria, as que mais gastam dinheiro do governo incluem os setores de hospitais, pesquisa agropecuária e abastecimento. Em 2017, o governo federal teve um prejuízo de R$ 9,3 bilhões com suas estatais, considerando 148 empresas do país que têm a União como dona ou principal acionista. As informações são do Boletim de Estatais do Tesouro Nacional.
Isso acontece porque, enquanto algumas estatais conseguem se sustentar com o próprio negócio --caso da Petrobras, Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil--, outras geram pouca ou nenhuma receita própria e só sobrevivem graças aos repasses do governo, feitos por meio do Tesouro. São as chamadas estatais dependentes, aquelas que precisam dessas subvenções para manter as contas do dia a dia, como salários, manutenção e equipamentos.
A conta delas é alta e está crescendo. Só de 2016 para 2017, houve um aumento de 11% no total de dinheiro que demandaram do Tesouro e, em última instância, dos nossos impostos. O problema é que acabar com esse "prejuízo" não é uma tarefa tão simples. Entre as estatais dependentes, um grupo formado por 18 das 148 companhias federais, estão hospitais públicos, centros de pesquisa e desenvolvimento, abastecimento e empresas de transporte urbano e logística.
Sem receita, dificilmente conseguiriam ser privatizadas, e, se extintas, deixariam em vários casos uma lacuna de serviços. É o caso dos hospitais ou de empresas de pesquisa como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a EPE (Empresa de Pesquisas Energéticas, que planeja a expansão energética do país). Outras, por outro lado, são mais controversas e teriam potencial para gerar mais receita, como a rede de comunicações EBC e a fabricante de semicondutores Ceitec.
Veja as 18 estatais dependentes do Tesouro Nacional e o quanto gastaram em 2017:
- Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) - R$ 3,64 bilhões
- Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) - R$ 3,32 bilhões
- Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) - R$ 1,29 bilhões
- Grupo Hospitalar Conceição (GHC) - R$ 1,23 bilhões
- Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) - R$ 964 milhões
- Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) - R$ 932 milhões
- Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) - R$ 533 milhões
- Cia. de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) - R$ 531 milhões
- Empresa Brasil de Comunicação (EBC) - R$ 503 milhões
- Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep) - R$ 383 milhões
- Indústrias Nucleares do Brasil (INB) - R$ 373 milhões
- Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) - R$ 317 milhões
- Valec Engenharia, Construções e Ferrovias - R$ 259 milhões
- Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) - R$ 175 milhões
- Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel) - R$ 168 milhões
- Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) - R$ 99 milhões
- Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica (Ceitec) - R$ 75 milhões
- Empresa de Planejamento e Logística (EPL) - R$ 44 milhões
5 estatais dependentes consumiram 70% dos gastos
Em 2017, entre as cinco companhias dependentes que mais demandaram recursos do contribuinte, estão a Embrapa, que desenvolve soluções para ganho de produtividade na agropecuária; a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que gerencia armazéns e políticas públicas de abastecimento e agricultura familiar, e três grupos hospitalares, todos com atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Dos hospitais, dois compõem os principais complexos públicos de saúde do Rio Grande do Sul, o HCPA (Hospital de Clínicas de Porto Alegre) e o GHC (Grupo Hospitalar Conceição), dono de cinco unidades também em Porto Alegre. A diferença deles, que são empresas, para os demais hospitais públicos, geridos diretamente pelo Ministério ou pelas secretarias locais de Saúde, é basicamente administrativa, na maneira como foram constituídos.
Juntas, as cinco maiores dependentes consumiram 70% (R$ 10,4 bilhões) de todas as subvenções desembolsadas pelo Tesouro a suas estatais no ano passado.
Gestora de hospitais universitários foi a que mais gastou
A estatal que mais gastou recursos foi a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), criada em 2011 para dar apoio na gestão dos hospitais ligados às universidades federais, que também atendem pelo SUS. Hoje, a Ebserh gere, junto às universidades, 40 dos 50 hospitais universitários federais do país.
Sem gerar nenhuma receita própria e sustentada em praticamente 100% pelas verbas do Tesouro, seu orçamento saiu do zero em 2011 para R$ 3,6 bilhões em 2017.
Por outro lado, o número de funcionários e a capacidade de atendimento na rede da Ebserh também cresceram: o total de funcionários, em sua maioria médicos e profissionais do atendimento, subiu de 36,3 mil em 2013 para 54,1 mil atualmente. As consultas, no conjunto dos 40 hospitais, subiram de 5,8 milhões para 6,8 milhões (alta de 16%), as internações foram de 280 mil para 359 mil por ano (+21%) e as cirurgias passaram de 133 mil para 232 mil (+75%), segundo a empresa.
Viver totalmente sem estatais é difícil, diz especialista
"É difícil viver totalmente sem estatais. O que precisa, quando elas são inevitáveis, é melhorar eficiência e governança", disse o coordenador da Escola de Economia de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas), Joelson Sampaio. "Há áreas em que, por alto custo ou falta de demanda, o setor privado não vai atuar, e é justamente por não terem capacidade de gerar receita que precisam ser estatais."
"Há muitas estatais que poderiam ser extintas e reduzidas, mas o Estado também tem uma função, e há várias atividades cuja finalidade não é mesmo gerar recursos", disse Elena Landau, presidente do Livres, movimento de estudo e promoção do liberalismo econômico.
"Algumas delas, como as de pesquisa ou os hospitais, se não fossem empresas, seriam o braço de algum ministério, mas os recursos sairiam do Tesouro do mesmo jeito", afirmou a economista, que dirigiu a área de privatizações do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Ser uma estatal dependente é diferente de ser uma estatal que dá prejuízo, como aconteceu com a Petrobras ou a Eletrobras nos últimos anos, por exemplo. O prejuízo faz com que elas tenham o caixa reduzido ou aumentem o endividamento, como qualquer outra empresa privada quando fica no vermelho, mas não significa necessariamente que irão precisar de dinheiro do bolso do dono --o Tesouro, neste caso-- para pagarem as contas, que é o que caracteriza a estatal dependente.
Papel social das estatais não pode ser esquecido
"É equivocado olhar essas empresas apenas do ponto de vista do lucro e prejuízo, a função de muitas delas é muito mais social do que econômica", disse a cientista política Jessica Naime, coordenadora do núcleo de pesquisas em estatais do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). "É necessário olhar o todo. Algumas estatais são deficitárias, outras são lucrativas e, no conjunto, elas se pagam."
Nos últimos dois anos, a diferença entre o que as empresas lucrativas (como BNDES, Caixa, Banco do Brasil e Petrobras) pagaram ao Tesouro em dividendos e o que as dependentes demandaram em subvenções foi negativa, mas, até a recessão de 2015, o saldo costumava ser inverso: no total de 2012 a 2017, os ganhos com dividendos passaram os gastos com subvenções em R$ 20 bilhões.
Por outro lado, se considerados também os aportes do Tesouro para aumento de capital às suas companhias (R$ 78,6 bilhões de 2012 a 2017), que são recursos extras geralmente para investimentos e dívida, a conta ficou no vermelho em quase todos os anos desde 2012 (à exceção de 2014). Foram R$ 142,5 bilhões desembolsados em empresas públicas no total, contra retornos em dividendos e pagamentos de juros de R$ 95,9 bilhões entre 2012 e 2017, uma perda de R$ 46,6 bilhões.
Estatais criticadas
Se empreendimentos públicos como Embrapa, Conab ou hospitais dificilmente encontram opositores mesmo entre defensores da redução do Estado, outras companhias que estão na lista das dependentes já são mais controversas.
Da lavra de estatais criadas nos governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), a Ceitec, de semicondutores, a desenvolvedora de tecnologia submarina Amazul e a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), criada originalmente para planejar o trem-bala, que não saiu, e expandida para projetos de logística, estão entre as companhias públicas que não se sustentam sozinhas e que recebem críticas.
A Valec, destinada a planejar e gerir a malha ferroviária nacional, também têm grande coro de críticos. Juntas, elas drenaram R$ 695 milhões do Tesouro em 2017, 4,8% do total de subvenções.
"A estatal tem que ter um interesse coletivo muito bem determinado. Se não é o caso, e ela não gera recurso, tem que fechar as portas", disse Elena Landau, do Livres. "Outras poderiam ser fundidas ou migradas para dentro de algum ministério, o que enxugaria parte dos custos", disse, mencionando o caso da INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e da Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), também dependentes, ambas voltadas para energia nuclear.
Para outros, elas continuam sendo negócios que estão em áreas estratégicas, como defesa e planejamento, e nas quais é importante ter o pé do Estado por razões que extrapolam as finanças.
"A Valec planeja a expansão da malha ferroviária e também atua como reguladora para que os trilhos atendam a vários setores e não só a uma empresa", disse Jessica, do Dieese.
"As empresas de Defesa garantem autonomia ao país em relação a outros países ou empresas privadas", disse, mencionando o caso da Imbel, outra estatal dependente responsável pela fabricação dos armamentos usados pelas Forças Armadas e polícias do país.
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