Se pente-fino do INSS não virar lei, o que acontece a quem perder auxílio?
O presidente Jair Bolsonaro assinou em janeiro a medida provisória (MP) do pente-fino do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para combater fraudes. Vão ser revisados benefícios de auxílio-reclusão, pensão por morte e aposentadoria rural.
Uma medida provisória tem validade imediata, e benefícios considerados ilegais podem ser cortados já. Mas a MP só dura no máximo 120 dias. Antes disso, precisa ser aprovada pelo Congresso. Se não for, perde a validade. Se alguém tiver aposentadoria cortada por causa da MP e ela deixar de valer, o Congresso pode reavaliar esse impacto e dar o direito de volta à pessoa. Entenda como uma MP pode se transformar em lei ou não.
Efeitos são imediatos, mas podem ser questionados
Assinada em 18 de janeiro, a MP começou a valer imediatamente. De acordo com o advogado Flávio de Leão Bastos Pereira, isso significa que o governo já pode começar a convocar os contribuintes para as reavaliações.
"A MP já nasce com força de lei, é uma medida excepcional dentro do sistema constitucional", disse o professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Se for recusada, a MP para de valer no mesmo momento. "Ela deixa de ter efeito, e a Constituição determina que seja criada outra comissão mista no Congresso para avaliar e decidir o que pode ser feito quanto às pessoas que foram impactadas pela medida enquanto estava vigente, como cidadãos que tiveram as aposentadorias cortadas, por exemplo, neste caso do pente-fino", afirmou Pereira.
A medida provisória segue o chamado processo interdito da lei --por isso, já começa a valer. Veja o caminho normal de um projeto de lei (PL):
- Proposto por deputados ou senadores
- Votado na Câmara e no Senado
- Submetido à Presidência para sanção [confirmação] ou veto
MP faz o caminho oposto ao de uma lei
Com a MP, é o oposto:
- Presidente faz a MP e a envia ao Congresso
- Congresso tem 120 dias para votar (60 dias + 60 dias de extensão)
- Legislativo cria Comissão Parlamentar Mista (CPM), com 12 deputados e 12 senadores
- Comissão avalia a proposta e a envia ao Plenário para votação
Na sequência, há três caminhos possíveis:
- Aprovação integral
- Aprovação com emendas
- Recusa
Na primeira opção, a MP vira lei e continua a valer normalmente.
Deputados e senadores podem mudar proposta original
Em caso de aprovação com emendas de parlamentares, a MP ganha roupagem de projeto de lei e segue o mesmo trâmite de um PL: é votada no Congresso e encaminhada ao Executivo com as mudanças.
O presidente tem as seguintes opções:
- Sancionar, caso aceite as alterações
- Vetar integralmente, caso discorde
- Vetar algumas partes, caso discorde parcialmente
Feito o veto, o PL volta para o Congresso, que debate e vota de novo. Dessa vez, no entanto, os parlamentares têm o poder de aprovar a proposta mesmo sem a concordância da Presidência.
Presidente não pode fazer o que quiser com MP
Pereira disse que, por ser um ato unipessoal do presidente, há alguns limites estabelecidos constitucionalmente.
Uma MP não pode tratar de alguns assuntos:
- Nacionalidade
- Cidadania
- Direitos políticos
- Partidos políticos e direito eleitoral
- Modificar direito penal
- Alterar organizações do Poder Judiciário e do Ministério Público
"O objetivo é evitar que temas relacionados a direitos fundamentais e direitos humanos sejam tratados unilateralmente", declarou o especialista.
Além disso, até que o Congresso vote sua situação, ela só pode ser reeditada uma vez. "Antes não havia limite, eles estabeleceram porque os diferentes presidentes passaram a abusar dessa prerrogativa", disse Pereira. "O real, por exemplo, que foi instituído como MP, era alterado uma vez por mês até ser votado."
Mesmo aprovado, pente-fino pode ser contestado
Mesmo aprovada e transformada em lei, no entanto, há uma manobra jurídica que pode ser adotada por parlamentares que não concordem com o processo adotado pelo governo para edição da MP.
"O Artigo 62 da Constituição, que versa sobre as medidas provisórias, afirma que elas podem ser adotadas pelo presidente 'em caso de relevância e urgência', que são pressupostos objetivos", afirmou Pereira. "Isso significa que, no projeto, ele tem de mostrar por que se trata de um plano relevante e urgente."
"Os presidentes -todos eles- usaram e abusaram das MPs no Brasil, tratando, inclusive, de temas que não eram relevantes e urgentes cronologicamente", disse Pereira. "No caso do pente-fino, imagino, seja o número de fraudes sofridos pela Previdência, só que isso tem de estar demonstrado lá."
Caso não haja explicação quanto à relevância e urgência da MP do pente-fino no INSS, Pereira disse que um parlamentar pode recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) alegando inconstitucionalidade formal. "Seria pelo processo, não pelo conteúdo."
(Reportagem: Lucas Borges Teixeira; edição de texto: Armando Pereira Filho)
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