Cobrar contribuição sindical em boleto é inconstitucional? Advogados opinam
Cobrar a contribuição sindical em um boleto em vez de descontar no contracheque do trabalhador é inconstitucional? Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro editou medida provisória (MP 873) que mudou as regras da contribuição sindical paga pelos trabalhadores. Pelo texto, o pagamento, que era recolhido diretamente do salário do empregado, deve passar a ser feito por boleto bancário.
Além disso, a medida também proíbe que a cobrança vire obrigatória, mesmo se isso for determinado em assembleia ou negociação coletiva entre entidades sindicais, trabalhadores e empresas. Especialistas ouvidos pelo UOL se dividem sobre a constitucionalidade.
Contribuição é feita uma vez por ano
A contribuição sindical, também conhecida como imposto sindical, é paga pelo trabalhador uma vez por ano e corresponde à remuneração de um dia de trabalho (1/30 do salário mensal). Com a reforma trabalhista, em 2017, ela passou a ser opcional e só deve ser cobrada dos trabalhadores que a autorizem.
A interpretação de que a nova MP seria inconstitucional permitiria que entidades sindicais entrem com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal), que pode decidir por barrá-la.
Duas confederações de servidores públicos já ingressaram com uma Adin no STF, e as principais centrais sindicais que representam trabalhadores do setor privado informaram que estão avaliando essa possibilidade também.
Veja os principais pontos questionados por sindicatos e especialistas:
Cobrança por boleto bancário
- O recolhimento do imposto sindical deixa de ser feito sobre o salário e passa a ser por boleto bancário, que deve ser enviado por correio ou email ao trabalhador.
Para alguns, isso seria conflitante com a Constituição Federal de 1988, que prevê o desconto sindical em folha de pagamento:
A assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei
Constituição Federal, art. 8º, inciso IV
Por que seria inconstitucional?
"É um conflito direto e autoevidente, porque, se a Constituição diz que o desconto deve ser em folha, não cabe a uma medida provisória alterá-la", disse o presidente da comissão especial de direito do trabalho da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Jorge Pinheiro Castelo.
Uma mudança desse tipo, afirmou, só poderia ser feita por meio de PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que tem maiores exigências para aprovação pelo Congresso.
Por que não seria inconstitucional?
O advogado trabalhista Ricardo Calcini afirmou que esta não é a única interpretação possível do ponto em questão da Constituição: "O inciso se refere à contribuição 'para custeio do sistema confederativo', que é a contribuição confederativa e é diferente da sindical, que seria a contribuição 'prevista em lei'", afirmou.
A cobrança confederativa, disse Calcini, é destinada a manter a estrutura dos sindicatos e suas confederações e só pode ser cobrada dos trabalhadores que sejam diretamente filiados ao sindicato. Já a contribuição sindical é voltada ao custeio de serviços e negociações feitos pelas entidades sindicais e podem ser cobrados de qualquer empregado que a autorize.
MP sem caráter de urgência
Um dos pontos de maior polêmica das novas regras é o fato de terem sido definidas por medida provisória. Isso poderia ser questionado no STF e ser considerado inconstitucional por si, já que, pela Constituição, uma medida provisória só pode ser usada em caráter de "urgência e relevância".
Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
Constituição Federal, art. 62
Por que seria inconstitucional?
"A obrigatoriedade da contribuição sindical foi retirada na reforma trabalhista em 2017; se fosse algo realmente urgente, isso [a cobrança via boleto] já poderia ter sido discutido e proposto lá atras", disse a advogada especializada em direito coletivo Lúcia Porto Noronha, sócia do escritório Crivelli Advogados.
"A MP não cria nada de muito diferente do que já foi feito pela reforma trabalhista, e esse pressuposto da urgência é um ponto que pode ser questionado e considerado inconstitucional", disse o advogado Calcini.
De acordo com ele, o caminho ideal seria fazer esses ajustes na contribuição sindical por meio de projeto de lei comum, que deve passar pelo Congresso antes da entrada em vigor. As medidas provisórias têm validade imediata, tendo que ser apreciadas pelo Congresso nos 120 dias seguintes a sua publicação. O Congresso pode aprová-las ou derrubá-las.
Autonomia sindical
A nova medida provisória incluiu no texto da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) uma passagem tornando nulas regras que definam a obrigatoriedade do imposto sindical, mesmo que isso tenha sido decidido coletivamente em convenção ou assembleia pelos sindicatos e seus associados.
Por que seria contraditório?
Para alguns, isso vai contra um dos grandes princípios introduzidos pela reforma trabalhista: a noção de que o "negociado" pode se sobrepor ao "legislado" em diversos pontos.
Em outras palavras, a legislação trabalhista passou a aceitar que algumas condições de trabalho decididas nas negociações sindicais podem ser diferentes do que está na lei. Duração da hora de almoço, fatiamento das férias e duração da jornada diária são alguns dos pontos que entraram nessa lista.
"A MP faz o contrário do que a reforma trabalhista fez lá atrás, ao decidir que o que é negociado tem que ceder", afirmou Castelo, da OAB-SP. Segundo ele, é uma proposta que caracterizaria interferência do Estado na autonomia e na organização sindical, o que também está protegido pela Constituição.
É livre a associação profissional ou sindical
Constituição Federal, art. 8º
Por que não seria contraditório?
O advogado Calcini afirmou que não há contradição entre a MP de Bolsonaro e a reforma trabalhista de 2017 porque, mesmo que tenha criado a possibilidade de os acordos coletivos prevalecerem sobre a lei, a reforma também criou exceções para essa regra.
"A liberdade de associação profissional não pode ser objeto de acordo coletivo, e as convenções que decidiram pela cobrança de toda a categoria são ilegais", disse Calcini.
[Constitui objeto ilícito de convenção ou de acordo coletivo:] Liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho
CLT, art. 611-B, inciso XXVI
Sindicatos podem recorrer
Duas Adins já foram levadas ao STF por entidades ligadas aos servidores públicos, a Conacate (Confederação Nacional das Carreiras Típicas do Estado) e a Proifes, federação dos professores do ensino superior e técnico federais. Elas argumentam que a MP do imposto sindical fere o direito à livre associação, em especial do servidor público.
O presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, afirmou que as centrais sindicais ligadas aos trabalhadores privados também estão avaliando a possibilidade de uma ação conjunta de inconstitucionalidade.
"Estamos fazendo uma análise técnica e em profundidade junto a advogados para ver se podemos entrar com uma ação no âmbito jurídico ou se ficaremos apenas na atuação política, para combatê-la no Congresso", disse Patah ao UOL.
Em nota, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) afirmou que a medida é "antidemocrática e inconstitucional" e "visa retirar das entidades que legitimamente representam a classe trabalhadora os recursos que ainda lhes restam".
A CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) informou, em comunicado, que as centrais também "denunciarão o governo brasileiro na OIT [Organização Internacional do Trabalho] e demais organismos internacionais por práticas antissindicais".
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