Justiça trabalhista mantém desconto sindical no seu salário, não em boleto
O governo federal editou uma medida provisória (MP) que impede os sindicatos de descontarem a contribuição sindical (um dia de seu salário) diretamente no contracheque. O pagamento seria por boleto bancário. Os sindicatos reclamaram que isso reduziria muito as contribuições e enfraqueceria a defesa dos trabalhadores. Centrais sindicais e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entraram na Justiça dos estados e no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a iniciativa.
Entre argumentos de inconstitucionalidade e de enfraquecimento de órgãos coletivos, diferentes tribunais trabalhistas do país, como os de São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro, contrariaram a decisão do governo e deram liminares a favor de os sindicatos manterem a contribuição na folha de pagamento, e não em boleto.
Isso significa que o trabalhador pode ser descontado sem saber? Há diferença de pagamento entre estados? Saiba como fica a situação dos descontos e quando ela deverá ser resolvida.
O que muda com a MP 873?
A MP 873 editada pelo governo faz alterações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), já alterada pela reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467), que tornou a contribuição sindical facultativa.
A mais significativa diz que o recolhimento deve ser feito "exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico" e não mais descontado diretamente na folha de pagamento, como sempre foi feito.
A segunda alteração que chamou atenção é que a autorização de cobrança passa a ser feita de forma "individual, expressa e por escrito" e não mais por meio de decisões coletivas nas assembleias gerais dos sindicatos, como tem sido feito desde a reforma.
Qual é o principal entrave?
Tanto os tribunais que deram causa para os sindicatos quanto especialistas na área argumentam que a MP entra em conflito com alguns artigos não alterados da CLT.
O Artigo 611-A, por exemplo, afirma que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm "prevalência sobre a lei" em casos como "plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado".
Isso significa que, caso a medida vire lei, normas de mesma hierarquia, mas conflitantes, passam a coexistir.
Se o governo decidiu uma coisa e alguns tribunais regionais decidiram outra, qual está valendo?
É a norma mais nova que passa a valer. Neste caso, se a MP passar, ela substitui as regras da CLT até que haja outra mudança na legislação ou pacificação por parte do STF.
O que tem acontecido é que órgãos de 1ª e 2ª instância têm questionado a MP, considerando que a regra contrairia a reforma trabalhista de 2017 ou fere a Constituição, por meio de liminares. São decisões específicas para cada processo, e não globais, e podem ser derrubadas por instâncias superiores.
O TRT-SP (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo), por exemplo, explicou ao UOL que o STF apaziguou a questão da não obrigatoriedade da cobrança, mas não legislou sobre sua forma. Por isso decidiu em favor de um sindicato do litoral paulista. Mas a MP já é instituída com força de lei e está vigente.
Quando haverá uma definição final?
A MP foi enviada ao Congresso no dia 1º de março. Ela já tem força de Lei, mas ainda é provisória, o que significa que o Congresso tem 120 dias (60+60 prorrogáveis) para debater possíveis mudanças.
Dessa forma, a MP pode ser recusada, aprovada ou aprovada com ressalvas, mas terá uma definição máxima até 1º de julho.
A lei pode ser revista?
Caso a lei seja aprovada pelo Congresso, ela ainda pode parar no STF. Alguns órgãos já entraram com ações contra a medida.
O Conselho da OAB, por exemplo, afirma que a MP pretende "dificultar ao máximo" o processo de organização das entidades representativas dos trabalhadores e dos servidores públicos federais, assim como limita indevidamente a liberdade de associação e de autodeterminação dos cidadãos.
Neste caso, dependerá do julgamento do STF. Com o aumento deste tipo de ação, especialistas avaliam que algum tribunal superior deverá interferir.
O que acontece se a lei cair?
Caso a MP caia já no Congresso, o Senado pode ditar o que deve ser feito com os órgãos que se sentirem lesados. Caso não faça isso, a Constituição disciplina que o que houve enquanto a medida ficou vigente fique como está, mas, a partir do momento que ela cai, as normas e cobranças voltam a ser como eram antes.
A MP tira a não obrigatoriedade da contribuição?
Não. Desde a reforma trabalhista de 2017, a contribuição sindical é facultativa. Este é o entendimento do STF, inclusive. A discussão gira em torno da forma de cobrança e suas regras.
O valor pode ser descontado do meu salário sem que eu autorize?
Não. Também de acordo com a reforma trabalhista, o trabalhador tem de ser avisado de forma prévia. O que a MP proíbe é que esta autorização seja aprovada por meio de assembleia geral dos sindicatos e deva ser avisada individualmente.
Alguns colegiados regionais, no entanto, seguem a instrução da reforma de que estes assuntos podem ser tratados coletivamente.
Qual o valor da contribuição e quando é paga?
O valor total do pagamento sindical depende dos sindicatos e seus acordos coletivos. A contribuição sindical, estabelecida pela Constituição, é anual e equivale a um dia de trabalho (1/30 do salário mensal).
Há, no entanto, outras cobranças sindicais, como a contribuição confederativa, a mensalidade sindical e contribuição associativa, que dependem de cada acordo coletivo. Hoje, todos estes pagamentos são facultativos.
*Reportagem feita com a assistência jurídica dos advogados Arthur Wainberg e Rodrigo Camargo, especialistas em Direito Sindical, e Rubens Glezer, especialista em Direito Constitucional.
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