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Salário mínimo deveria subir mais que inflação? Argumentos a favor e contra

Tatiana Vaz

Colaboração para o UOL, em São Paulo

10/04/2019 04h00Atualizada em 02/05/2019 10h33

Uma nova maneira de calcular o reajuste do salário mínimo será colocada em prática a partir de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro, usando apenas a correção da inflação, sem ter aumento real.

Afinal, o reajuste do salário mínimo deve ser acima da inflação? Quais os argumentos favoráveis e contrários a esse aumento real? A reportagem ouviu economistas sobre o assunto.

Reajuste real: aumentar o poder de compra

Até 2019, o reajuste é feito pela soma da inflação --medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) no ano anterior-- mais o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. Com esse modelo, vigente desde 2006, o salário mínimo costuma ter reajuste real, ou seja, acima da inflação, exceto quando a economia não cresce.

Essa é uma forma de aumentar o poder de compra das pessoas, incentivá-las a consumir e fazer o dinheiro circular, estimulando o crescimento da economia, segundo economistas ouvidos pela reportagem.

A favor: salário chegar até o fim do mês

Manter o formato atual de reajuste do salário mínimo, com aumento acima da inflação, seria uma maneira de permitir que o salário não acabasse antes do final do mês, na opinião de José Eduardo Amato Balian, professor de Economia da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

"Mais de 70% da população ganha de um a três salários mínimos, e é preciso garantir que essa maioria consiga consumir, ainda mais em um mercado travado como o atual", afirmou Balian. "Trata-se de um complemento importante de renda das pessoas que não pode ser ignorado."

A favor: diminuir a desigualdade

O reajuste real tem o importante efeito de contribuir para a redução da desigualdade salarial do país, afirmou Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).

"A regra é relativamente nova e foi estabelecida para corrigir parte do grande arrocho salarial de dois terços da população do país, que recebe até três salários mínimos", disse.

"Cada R$ 1 colocado na mão das pessoas que ganham menos gera um incremento de mais de 1 ponto percentual no PIB porque elas consomem, ao contrário dos que recebem salário maior e poupam ou gastam fora do país", disse ele. "Dinheiro na mão de rico não é sinônimo de eficiência econômica, diferentemente do que ocorre com os menos favorecidos."

Contra: aumenta o rombo do governo

O desafio é que 85% das aposentadorias também estão vinculadas ao salário mínimo. Por isso, todo reajuste no piso salarial representa um grande incremento no rombo da Previdência e nas contas públicas.

O país registrou déficit nas contas públicas nos últimos cinco anos, ou seja, teve gastos mais altos do que as receitas. Em 2018, o rombo foi de R$ 120,3 bilhões. As despesas da Previdência Social superaram a arrecadação em R$ 195,2 bilhões.

Contra: risco de maior inflação

Além disso, aumentar o salário mínimo acima da inflação sem ter um aumento da produtividade no país pode agravar a situação da economia e causar um aumento dos preços, segundo Joelson Sampaio, coordenador da graduação em Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas), e Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em Economia do Insper.

"Sem o aumento da produção, esse modelo vai gerar mais inflação, sem resolver o problema da economia. O ideal seria atrelar a correção ao crescimento do PIB", disse Sampaio.

"Esse modelo de correção irá impor um maior poder de compra para uma sociedade que está em seu limite produtivo. Não temos hoje um aumento de produtividade que justifique aumento de compra. Isso só causará maior inflação", afirmou Juliana.

Unanimidade: país deve investir em infraestrutura

O consenso entre os economistas ouvidos pela reportagem é de que nenhuma decisão sobre o reajuste do salário mínimo pode interferir na economia hoje tanto quanto o aumento da produtividade.

Para aumentar a produtividade, é preciso, entre outras coisas, que o governo invista em infraestrutura e crie um ambiente de negócios propício a mais investimentos, afirmam os especialistas.

"De nada adianta as pessoas poderem pagar e precisarem consumir, se não houver um maior investimento do governo em infraestrutura", disse Juliana. "É preciso mais investimento em infraestrutura para que as empresas privadas tenham mais confiança para investir no país."

"É preciso que as empresas privadas tenham como produzir mais para vender mais", disse Sampaio.

A mesma linha de raciocínio é seguida por Ganz Lúcio, do Dieese. "Se o consumo vem acompanhado de investimento em infraestrutura, as empresas conseguiriam produzir mais e empregar mais pessoas, ou seja, a economia iria girar."

Salário mínimo deveria ser R$ 4.052,65, calcula Dieese

O salário mínimo em 2019 passou de R$ 954 para R$ 998, em decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro. O texto estabelece, ainda, o valor diário do salário mínimo em R$ 33,27, e o valor por hora em R$ 4,54. O valor ficou abaixo dos R$ 1.006 aprovados pelo Congresso para o Orçamento deste ano.

Segundo estimativa feita em março pelo Dieese, o salário mínimo ideal deveria ser de R$ 4.277,04. O departamento divulga mensalmente uma estimativa de quanto deveria ser o salário mínimo para atender as necessidades básicas do trabalhador e de sua família, como estabelecido na Constituição.

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