Por que obras públicas no país atrasam tanto e têm qualidade questionável?
Já se perguntaram sobre a demora, eficiência e qualidade das obras públicas no Brasil? Notaram como são realizadas as obras de manutenção e reparos em ruas, calçadas, pontes e viadutos de cidades como São Paulo ou outras menores? Repararam nos resultados, nos custos e no número de vezes que a obra é refeita?
Os exemplos país afora são intermináveis, principalmente os de custos reduzidos, como buracos em ruas e calçadas. Mas também não faltam os de grande porte. Especialistas apontam problemas como licitações fraudadas, falta de transparência, corrupção e mau uso do dinheiro público
Exemplos recentes de problemas
- Viaduto na marginal Pinheiros (São Paulo)
Em meados de novembro do ano passado, em São Paulo, um viaduto da pista expressa da marginal Pinheiros, na zona oeste da cidade, cedeu cerca de dois metros. A obra de reparo levou pouco mais de quatro meses e já consumiu R$ 19,9 milhões numa primeira etapa.
Outros R$ 6,58 milhões ainda devem ser gastos na segunda fase (reformas), que não tem previsão de finalização, já que a data para o recebimento e abertura dos envelopes das propostas das empreiteiras foi adiada para 13 de maio.
- Ponte de acesso à via Dutra (São Paulo)
Ainda em São Paulo, uma ponte que dá acesso à rodovia Presidente Dutra pela pista expressa da Marginal Tietê foi interditada na última semana de janeiro por apresentar risco de desabamento. Até agora, não se sabe quando será reaberta e nem quanto custará a obra.
- Ciclovia Tim Maia (Rio)
No Rio, a ciclovia Tim Maia ao longo da avenida Niemeyer, que custou R$ 44 milhões e deveria ser legado olímpico, desabou pela quarta vez durante o temporal de segunda-feira da semana passada (8).
O que explica a ineficiência pública brasileira?
São vários os fatores que levam a essa situação no Brasil, segundo Henrique Dinis, professor de engenharia civil da Universidade Mackenzie. "Muitos inerentes ao próprio contexto do reparo. Mas a maioria em decorrência de uma tendência natural à inoperância do setor público", disse ele.
O professor afirmou que favorecimentos em processos licitatórios, protecionismo, falta de transparência, fisiologismo político, corrupção e desvio do dinheiro público para campanhas eleitorais estão entre os fatores que atrasam e encarecem as obras de reparo, além de gerar perdas para o bolso do contribuinte.
Cidadão não tem retorno dos impostos pagos
Dinis disse ainda que a questão principal não é falta de verba. O problema está no uso errado do dinheiro. "Entre os países de maiores economias do mundo, o Brasil talvez esteja entre aqueles que dão o pior retorno à população frente aos impostos cobrados", disse o professor.
Ao final do ano passado, a carga tributário no país chegou a 32,43% do PIB (Produto Interno Bruto). Essa taxa é superior à de Chile (20,4%), EUA (26%) e Canadá (31,7%).
Outros fatores que atrasam e encarecem obras
- Burocracia. Cada etapa de uma obra de reparo exige aprovação de um órgão diferente. Qualquer pedra no caminho é um entrave que pode encarecer a obra e atrasar por meses, até anos, a sua conclusão.
- Decisões simultâneas sobre investimentos públicos (pavimentação, iluminação, coleta de lixo, esgoto, drenagem, programas de habitação popular, atualização e ampliação da infraestrutura de transporte e de fornecimento de energia, adequação dos serviços operacionais de manutenção e de reparos, entre outros).
- Investimentos necessários superam o volume de recursos disponíveis. E ainda são aplicados sem planejamento, atendendo apenas a urgências.
- Dificuldade de estabelecer uma cultura para cobrar a eficiência do serviço público.
Dificuldades para melhor desempenho do serviço público
- Falta de continuidade dos investimentos
- Objetivos de longo prazo não são cumpridos
- Alterações e/ou mudanças nas prioridades
"Tudo isso consome vultosas fatias de recursos públicos, que levam à ineficiência no desempenho dos setores afetados", disse o professor da Universidade Mackenzie.
Ao longo do tempo, esses fatores geram perda de conhecimento acumulado na estrutura organizacional para a realização de obras e serviços públicos, causando um processo de desqualificação, segundo Dinis.
Para ele, do ponto de vista de engenharia, parece não haver dificuldades. "Então, o problema está na gestão."
Vinicius Marchese Marinelli, presidente do Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo), disse que a mão de obra no país é qualificada e ávida para trabalhar.
Prefeitura de SP reconhece deficiências
Em Fukuoka (Japão), o asfalto do cruzamento entre duas avenidas movimentadas cedeu, em novembro de 2016, formando uma cratera de 15 metros de profundidade e 30 metros de largura. No mesmo país, um trecho de pouco mais de 150 metros de uma rodovia em Naka, na província de Ibaraki, afundou em março de 2011 com a força do terremoto e tsunami que devastaram a costa nordeste.
Aquele cruzamento foi consertado em apenas dois dias. Já o trabalho de reparo daquela rodovia não levou uma semana. Os dois exemplos mostram, segundo Dinis, eficiência jamais vista e impensável em cidades brasileiras.
A Prefeitura de São Paulo reconhece a deficiência exposta pelo professor, mas não aceita comparações, principalmente com o Japão.
"Lá existem protocolos para enfrentar emergências decorrentes de furações e terremotos, entre outros fenômenos naturais. Por isso, a prefeitura entende não ser adequado comparar o Brasil com aquele país, não apenas do ponto de recursos disponíveis, mas principalmente pelo fato de os japoneses estarem preparados para enfrentar desastres naturais", disse a prefeitura paulistana.
Por meio de sua assessoria, afirmou ainda que o Brasil enfrenta sérios problemas de falta de cultura de manutenção em diversas áreas.
"Na cidade de São Paulo não é diferente. O viaduto da marginal Pinheiros colocou luz sobre essa questão", disse a assessoria do prefeito Bruno Covas.
Embora as obras daquele viaduto tenham demorado pouco mais de quatro meses, a prefeitura declarou que elas foram concluídas dois meses antes do prazo previsto.
A prefeitura paulistana disse ainda que, embora a engenharia nacional não deixe nada a desejar em relação à de outros países, existem aspectos técnicos que precisam ser levados em conta.
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