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Projeto eleva imposto em pão, carne e leite e promete pagar pobre depois

Filipe Andretta

Do UOL, em São Paulo

12/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Produtos essenciais pagam menos impostos para mais gente poder comprar
  • Reforma tributária da Câmara quer acabar com essa redução e restituir parte do dinheiro para os pobres
  • O argumento é que a regra atual beneficia quem não precisa
  • Especialistas alertam que a cesta básica pode ficar cara demais
  • Há risco de o governo acabar arrecadando mais sem usar o dinheiro em políticas públicas

Alimentos e itens considerados essenciais, reunidos numa lista chamada de cesta básica, pagam menos impostos para ficar mais baratos. Alguns exemplos são carne, pão, leite e café. A proposta de reforma tributária da Câmara quer acabar com esses benefícios para arrecadar mais imposto e implantar um sistema que restitui parte do dinheiro diretamente às pessoas mais pobres. A ideia é criticada por especialistas.

Apoiadores afirmam que a restituição do imposto seria mais eficiente na redução das desigualdades, porque o benefício ficaria apenas com quem mais precisa. Críticos afirmam que a medida não resolve o problema e ainda pode excluir mais pessoas do consumo de produtos básicos.

O governo federal também pensa em tirar as vantagens de produtos alimentícios considerados sofisticados e que hoje pagam menos impostos, como salmão, iogurte e leite condensado.

Como é hoje?

A cesta básica é uma lista de produtos considerados essenciais. Normalmente inclui alimentos populares, itens de higiene pessoal e produtos de limpeza.

Não é vendida em nenhum lugar como um produto único. Ela é um conceito. Seus itens têm menos impostos e, em tese, devem ser mais baratos em qualquer ponto de venda: supermercados, feiras etc. Os produtos que a compõem e os impostos cobrados variam de um estado para o outro.

Em São Paulo, por exemplo, são cobrados 7% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em alimentos como leite em pó, café torrado e manteiga. No extremo oposto, o cigarro é um dos produtos mais tributados do estado, com alíquota de 30% no ICMS, por ser um item cujo consumo o governo quer desestimular.

Por que essa política pode acabar?

Há estudos que apontam que benefícios fiscais sobre a cesta básica não são uma boa política de distribuição de renda, porque os produtos mais baratos são consumidos também por famílias de classe média e alta.

Segundo o último Boletim Mensal de Subsídios da União, o governo federal abriu mão de arrecadar R$ 15,9 bilhões em 2018 em razão dos subsídios à cesta básica, mas isso beneficiou mais os ricos do que os pobres.

A equipe técnica responsável pelo estudo, ligada ao Ministério da Economia, propõe voltar a cobrar impostos de alguns itens, como peixes, iogurtes, queijos e outros derivados de leite, com o objetivo destinar a arrecadação extra para o programa Bolsa Família.

Restituição pelo CPF

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de reforma tributária que avança na Câmara não fala em usar o dinheiro no Bolsa Família, mas num programa de restituição direta em que os consumidores informam o CPF na hora da compra (semelhante ao que já existe em alguns estados).

Este projeto tem como base estudos do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal). O diretor da instituição, Nelson Machado, que foi ministro da Previdência entre 2005 e 2007, defende a restituição, por ser um mecanismo mais justo para as pessoas de baixa renda.

"A desoneração da cesta básica não é um benefício focado. Famílias que ganham um salário mínimo consomem o mesmo óleo de soja das famílias que ganham acima de R$ 15 mil por mês", afirma.

Quem teria direito à restituição

A PEC da reforma tributária na Câmara não especifica os critérios que seriam adotados para a restituição. Isso é um problema grave, na opinião da advogada Tahiane Piscitelli, professora da faculdade de direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo.

"Vamos imaginar que aqueles que recebem até o limite de isenção do Imposto de Renda (que hoje é R$ 1.903,98 por mês) seriam os beneficiados com a restituição. Imagine agora a situação de uma mãe com dois filhos que recebe um salário de R$ 2.200. Seria justo ela pagar mais caro e não receber nada de volta?", disse.

Tahiane também fala de outros pontos não esclarecidos na PEC, como a correção do valor restituído e em quanto tempo os mais pobres receberiam o dinheiro. Segundo a advogada, o modelo atual de benefícios fiscais tem falhas, mas ainda é melhor do que a proposta de restituição.

Para Machado, do CCiF, essas são questões de política pública, e o sistema tributário não deve tratar delas. Ele também afirma que já existem mecanismos para organizar a restituição de impostos, como o cadastro único (usado para selecionar beneficiários do Bolsa Família).

E se governo arrecadar, mas não restituir?

A advogada Betina Grupenmacher, professora da UFPR (Universidade Federal do Paraná), considera "absurda" a ideia de retirar os benefícios sobre a cesta básica. "O dinheiro vai entrar nos cofres públicos, mas nada nos garante que vai sair em forma de políticas públicas. Não dá para confiar", diz.

Segundo ela, mecanismos que deixem mais baratos produtos essenciais são necessários para garantir a dignidade humana, independentemente da classe social em que a pessoa se encontra. "Alimento, medicamento, vestuário e tudo que diga respeito ao mínimo necessário para um ser humano precisam de desoneração."

A professora afirma que a melhor solução para as falhas no modelo atual é fazer uma revisão técnica sobre os benefícios e fiscalizar a eficiência deles, mas não eliminá-los.

Presidente da Comissão defende imposto maior

Na opinião de Hildo Rocha (MDB-MA), presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária na Câmara, o governo será obrigado a compensar os mais pobres com a restituição do imposto. "Vai ser colocado um dispositivo constitucional. Se o governo não aplicar, o Congresso aplica", afirma.

Segundo ele, vai ser apresentada uma lei complementar que define a restituição para quem recebe até dois salários mínimos (R$ 1.996 hoje). Quem ganha mais não seria contemplado. O relator também afirma que, mesmo com o fim dos benefícios fiscais, o consumidor pagará menos no total porque outros bens e serviços ficarão mais baratos.

A proposta de reforma tributária que avança na Câmara (PEC 45/2019) é de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP). O projeto tem 209 emendas. A ideia original prevê um IVA com alíquota definida por estado, unificando PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.

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bandrs