Chile hoje pode ser o Brasil de amanhã, dizem economistas
Resumo da notícia
- Desigualdade é principal motivo de revolta no Chile, dizem economistas
- Assim como no Chile, no Brasil o 1% mais rico da população detém mais de 25% da renda
- Aposentadoria privada no Chile é criticada por não cobrir despesas de mais velhos
- Queda do preço do cobre e desvalorização do peso chileno agravam a situação
- Analista diz que dinheiro tem de vir de algum lugar, e aumento do metrô não pode causar essa revolta
Se uma pessoa enfiar a cabeça em um forno e colocar pernas e tronco numa geladeira vai sofrer bastante apesar de ter, na média, uma boa temperatura do corpo. Essa é uma anedota usada por professores de Economia para alertar alunos que números crus não traduzem a realidade social.
Como nessa comparação, os protestos no Chile mostram que, apesar de haver indicadores da economia melhores que os do Brasil, por exemplo, a população está sofrendo porque a desigualdade entre ricos e pobres aumentou nos últimos dois anos.
Um número que mostra isso é o índice de Gini, um indicador que vai de 0 a 1 a partir de várias estatísticas sociais e econômicas -quanto mais perto de 1, maior a desigualdade no país. O índice de Gini no Chile era de 0,57 em 1990, caiu para 0,46 em 2017, mostrando uma clara evolução de desenvolvimento econômico e social. Mas desde 2017, esse índice voltou a subir, para 0,51 agora.
Mas será que algo deu errado na economia chilena? O Brasil tem algo a aprender?
Compare indicadores de Chile e Brasil
- Salário mínimo: R$ 1.700 (Chile) / R$ 998 (Brasil)
- Renda média anual: US$ 25,2 mil (Chile) / US$ 15,7 mil (Brasil)
- Desemprego: 7,3% (Chile) / 12,2% (Brasil)
- Inflação: 2,4% (Chile) / 2,9% (Brasil)
- Expectativa de alta do PIB neste ano: 2,9% (Chile) / menos de 1% (Brasil)
Brasil tem de olhar o que acontece no Chile
"O maior problema no Chile é a péssima distribuição de renda", afirma o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP Paulo Feldmann.
São poucos os lugares do mundo em que o 1% mais rico da população ganha mais de 25% da renda total do país. Na América Latina, em apenas dois países isso acontece: no Chile e no Brasil
Paulo Feldmann, professor da USP
Para Feldmann, o Brasil precisa ficar atento ao que aconteceu no Chile.
O Chile foi o primeiro país da América Latina a entrar de cabeça na política neoliberal, quando o governo acredita que o mercado resolve tudo. E a verdade é que muitas vezes o governo precisa planejar a economia.
Paulo Feldmann
Previdência privada e suicídio de idosos
Para o economista e professor da PUC-SP, Carlos Eduardo Carvalho, um dos principais sintomas dessa desigualdade no Chile é o sistema de aposentadoria. "A questão da previdência é gravíssima", declarou.
O sistema de previdência, que era público, mudou nos anos 1980. Cada trabalhador teve que assumir a própria poupança para o futuro. Sem nenhum centavo do governo nem das empresas, as pessoas tiveram que passar a reservar de 10% a 15% da renda para a aposentadoria, colocando o dinheiro em empresas privadas, para investir no mercado financeiro.
Como a idade mínima para aposentadoria é de 60 anos para mulheres e 65 para homens, só agora as pessoas perceberam que essa reserva não é suficiente para pagar as contas. E elas não têm a quem recorrer.
Um quadro que tem levado desespero a muitos idosos. Segundo dados do próprio governo chileno, o número de suicídios entre os maiores de 80 anos chegou a 17,7 para cada 100 mil habitantes, o percentual mais alto na América Latina.
O atual modelo econômico do Chile não consegue dar uma resposta para esse aumento da desigualdade. As pessoas estão desencantadas e se afastando da política.
Carlos Eduardo Carvalho, economista e professor da PUC-SP.
Preço do cobre caiu; peso chileno está desvalorizado
O economista afirma que a economia chilena é baseada na exportação de produtos primários. O cobre, a principal fonte de riqueza do Chile, vale hoje 40% menos que em 2011.
O peso do chileno também está se desvalorizando. Caiu 25% desde fevereiro do ano passado.
Aumento do metrô: dinheiro tem de vir de algum lugar
Quando o governo decidiu aumentar a tarifa do metrô, foi como acender um fósforo perto de um barril de gasolina.
"Não existe almoço grátis", disse o professor do Insper, Roberto Dumas.
Eles [manifestantes] querem mais presença de Estado, mas o dinheiro tem que vir de algum lugar. E a única forma de reduzir desigualdade é com crescimento econômico.
Roberto Dumas
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