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Trump apontou uma 45 na nossa cabeça, diz presidente de associação de aço

Presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes - Marcos Issa - Argos foto
Presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes Imagem: Marcos Issa - Argos foto

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

07/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Presidente do Instituto Aço Brasil comenta ameaça de EUA sobretaxarem aço brasileiro
  • Decisão do presidente americano não é oficial, mas travou negócios
  • Setor acredita em solução negociada, mas não descarta ação em tribunal internacional
  • Produção de aço deve fechar 2019 com queda de 8,2%

O twitter do presidente americano tumultuou ainda mais um ano que foi complicado desde o começo para setor siderúrgico brasileiro. Quando Donald Trump avisou, pela rede social, que iria elevar as tarifas sobre o aço fabricado no Brasil de imediato travou as negociações de novos contratos, criando um ambiente de incertezas para 2020, disse o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, que representa uma indústria formada por 32 usinas e que emprega 108,4 mil pessoas e fatura R$ 99 bilhões por ano.

"Ficamos perplexos", disse o executivo. "O twitter provocou um pandemônio e as negociações ficaram paradas", afirmou, sobre novos contratos que as empresas brasileiras têm em andamento com importadores dos Estados Unidos.

O executivo conta que o setor vive uma situação inusitada, pois oficialmente o governo dos Estados Unidos não tomou nenhuma medida formal. Por outro lado, trata-se de uma decisão anunciada pelo principal líder do país. Perguntado se um twitter justifica toda preocupação, Marco Polo faz uma analogia forte. "Com uma (arma calibre) 45 apontada para a cabeça, eu não quero saber se ele vai atirar ou não. Eu tenho que estar preparado para tudo", disse.

O executivo disse que o setor tem um cenário de recuperação para 2020, mas graças ao mercado doméstico, em especial à reação da construção no setor imobiliário.

A entidade estima que a produção de aço no Brasil vai fechar este ano com queda de 8,2%, somando 32,5 milhões de toneladas.

Já para 2020, o setor espera recuperar parte dessa retração, com um avanço de 5,3% na produção, que ficaria em 34,2 milhões de toneladas. Mas ainda abaixo de 2017.

Veja abaixo os principais trechos da conversa com o presidente do Instituto Aço Brasil.

UOL - O ano de 2019 foi mais complicado que o setor imaginava?

Marco Polo de Mello Lopes - O ano começou já com uma tragédia de Brumadinho, que trouxe impactos à indústria do aço por causa do fornecimento do minério que foi interrompido. A economia também foi difícil e ainda tivemos um governo novo, com estrutura diferente e formas diferentes de atuar.

Então o setor do aço afetou a economia brasileira?

Existe uma forte correlação entre consumo de aço e o PIB [para cada ponto percentual de variação no PIB, ocorre 0,89 ponto de variação no setor de aço]. Não existe PIB forte sem indústria forte.

E na reta final do ano, o twitter do presidente dos Estados Unidos prometendo elevar as tarifas sobre aço e alumínio...
Todos nós fomos surpreendidos. Ficamos perplexos.

Por quê?

Nós estivemos em outubro nos Estados Unidos para aperfeiçoar o acordo que existe no setor do aço. Fomos, por exemplo, buscar um tratamento mais adequado para nossos produtos acabados. Discutimos várias questões técnicas e saímos de lá com a sensação de que parte das reivindicações poderia ser atendida.

E as justificativas dadas pelo presidente americano para elevar as tarifas?

O arrazoado de Trump é desprovido de qualquer sentido. O Brasil não manipula o câmbio. E o Brasil não prejudica o agricultor americano, não tem nada a ver.

Mas existe um acordo comercial em vigor, que estabelece condições de exportações do Brasil para os Estados Unidos. Essas regras não podem ser quebradas pelo presidente de forma unilateral.

Imagine que alguém aponte uma (arma calibre) 45 para sua cabeça. Você não pode agir como se tivesse certeza de que ele não vai atirar. Com uma 45 apontada para a cabeça, eu não quero saber se ele vai atirar ou não. Eu tenho que estar preparado para tudo.

Os negócios já foram afetados?

Os contratos em vigor (entre exportadores brasileiros e importadores americanos) estão sendo cumpridos. Mas as negociações para novos contratos estão paradas. Ninguém sabe se haverá tarifa, com qual preço fechar o negócio.

E o que está sendo feito?

Estamos fazendo gestões com o governo, com pessoas envolvidas na questão, como o ministro (da Economia) Paulo Guedes, o ministério da Indústria e Comércio, com a embaixada. Mas o governo não tomou nenhuma medida oficial porque não há nada oficial -o que faz sentido.

Quais os argumentos do Brasil?

Por exemplo, a indústria americana do aço opera com 83% a 84% da capacidade instalada. E nós, com 64%. O Brasil vende US$ 1,7 bilhão em aço semiacabado para os Estados Unidos, mas importa US$ 4,3 bilhões em máquinas e equipamentos, além de mais US$ 1 bilhão em carvão usado nas usinas. O navio sai do Brasil para os Estados Unidos com placas de aço e volta com carvão. O Brasil é o maior exportador de aço semiacabado para os Estados Unidos.

(O Brasil exporta por ano 3,98 milhões de toneladas de aço para os EUA, sendo 3,55 milhões de toneladas de semiacabados e 433 mil toneladas de produtos acabados. Os Estados Unidos importam 30,6 milhões de toneladas de aço por ano, sendo 7,1 milhões de toneladas de semiacabados e 23,5 milhões de toneladas de produtos acabados)

Então os Estados Unidos podem sofrer algum impacto se isso for levado adiante?

Acho que é um tiro no pé da indústria americana. Poucos países têm condições de substituir o Brasil para fornecer esse aço aos Estados Unidos.

Se ainda assim os Estados Unidos seguirem com essa decisão, haveria um caminho legal?

Já formos procurados por escritórios de advocacia que dizem ver motivos para uma ação. E outras regiões, como a União Europeia, estão se movimentando.

O Brasil teria outros mercados para exportar?

O Brasil exporta para mais de cem países. Tudo é uma questão de competitividade nossa, que precisa melhorar.

O dólar valorizado já não estaria ajudando?

Existe uma ilusão de que câmbio pode resolver, mas, para nós, câmbio não é uma questão de competitividade. O real caiu 20% ante o dólar neste ano, mas a moeda russa caiu 64,5%, a da Turquia caiu 47%, a do Japão 37,5%.

E como ganhar competitividade?

É preciso atacar o custo Brasil. Um estudo (feito pela BCG Foundation) mostra que o país perde de R$ 1,4 trilhão a R$ 1,6 trilhão com o custo Brasil. Isso inclui dificuldades para obter financiamento, custos com infraestrutura, burocracia.

E qual o cenário para 2020?

A expectativa é de retomada. O índice de Confiança da Indústria do Aço, que acabamos de lançar, atingiu 62,2 pontos em novembro, maior patamar desde abril. Nossas projeções indicam que a produção de aço deve crescer 5,3% em 2020.

Esse cenário leva em conta o fato de que a política econômica do governo vem assegurando as condições necessárias para que se tenha retomada de crescimento de forma sustentada.

Também apostamos na retomada da construção civil, que estava estagnada, além da expectativa da retomada das obras de infraestrutura e uma maior participação da indústria nacional no setor de óleo e gás e energia renovável.

Os principais consumidores de aço no Brasil são a construção civil, que responde por 34,1%, o setor automotivo (22,1%) e bens de capital (20,9%).

Esse crescimento em 2020 será suficiente para o setor?

Ainda não. Com esse crescimento vamos chegar a uma produção que utiliza 67% da capacidade instalada. Mas para o setor ser sustentável a longo prazo é necessária uma utilização de 85%.

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