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Nazismo, AI-5, autoritarismo: por que mercado ignora polêmicas do governo?

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

22/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Bolsa sustenta ganhos apesar de aproximação de integrantes do governo a temas polêmicos
  • Ibovespa tem alta mesmo quando assuntos como nazismo e autoritarismo dominam noticiário
  • Agentes de mercado dizem que economia é o que importa, mas especialistas alertam para riscos contra democracia

O mercado tem ignorado polêmicas do governo Bolsonaro envolvendo temas críticos numa democracia, como autoritarismo, ditadura e nazismo. Mesmo quando integrantes do primeiro escalão do executivo federal ou pessoas próximas ao presidente tocam nesses assuntos, o Ibovespa, principal índice do mercado acionário do país, segue em alta.

Isso vem ocorrendo de alguma forma desde o início do governo, com alguns casos recentes mais exemplares. No dia 25 de novembro, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse para ninguém se assustar caso alguém pedisse a volta do AI-5, Ato Institucional que endureceu a ditatura no país, o Ibovespa até recuou um pouco, 0,25%.

Mas isso pode ter ocorrido porque, no mesmo dia, o ministro falou que o dólar poderia subir mais ante o real. Depois daquele dia, o Ibovespa retomou a valorização e ganhou 6,66% até 30 de dezembro passado. No ano, o indicador acumulou valorização de 31,58%, a maior desde 2016.

Na semana passada, as polêmicas voltaram, com denúncias de corrupção envolvendo o chefe da Secretaria de Comunicação, no dia 16, quando o Ibovespa subiu 0,25%.

Autoritarismo e nazismo

No dia seguinte, quando o secretário de Cultura copiou em um vídeo oficial trechos do discurso do ministro de Hitler, o assunto dominou redes sociais e o noticiário político, mas o Ibovespa avançou 1,52%. No dia seguinte, quando Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, afirmou que comunismo era pior que nazismo, a Bolsa ignorou novamente e fechou com ganho de 0,32%.

"Os ruídos seguem, mas o que importa é a recuperação da economia", afirma o analista da Mirae Asset, Pedro Galdi. "Há claros sinais de retomada, mesmo com alguns dados de atividades não tão bons do mês de novembro. O novo governo pegou a economia em frangalhos e ajustar tudo isto não virá do dia para a noite. Mas o viés é este, o da recuperação, e não importam ruídos", afirmou o profissional da corretora estrangeira, também é conselheiro da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais-DF).

Recuperação econômica é o que importa

As projeções dos agentes de mercado apontam para uma retomada da atividade econômica, com juros baixos e inflação sob controle. No boletim Focus — pesquisa do banco Central com dezenas de economistas, analistas e consultores — a expectativa traçada para 2020 e de um PIB avançando 2,30%, com taxa básica de juros de 4,50% e inflação de 3,58%, além de investimento estrangeiro direto na casa de US$ 80 bilhões.

"Os mercados já se habituaram com esses factoides. Por outro lado, você tem uma perspectiva de melhora da economia, de aumento do fluxo de recursos, seja para o mercado acionário seja para investimentos, e o PIB crescendo fazem com que isso seja jogado para um segundo plano", afirma o economista-chefe do banco digital Modalmais, Alvaro Bandeira.

Ou seja, para os chamados agentes de mercados - investidores, gestores de recursos, analistas e consultores - a recuperação da economia tem se tornado um fator principal para a tomada de decisão na hora de alocar recursos.

Confiança na gestão econômica

Essa visão encontra algum eco entre professores que acompanham política e direito. "Os agentes econômicos já entenderam que esse governo tem uma comunicação ruim, em que as pessoas falam demais, sendo muita gente despreparada. Do outro lado, há confiança em uma gestão econômica estável e discreta. São esses dois fatores que levam os agentes econômicos a não darem muita atenção às polêmicas", afirma o professor de direito do Ibmec-SP e da FGV-SP, Luis André Azevedo.

Não combina com liberalismo

Mas há quem veja a construção de um enredo perigoso nessa relação entre agentes de mercados e os acenos do governo a temas contrários à democracia, especialmente por haver contradições.

"Na prática, uma declaração dessas é totalmente dissonante em relação à política econômica adotada, que é liberal e naturalmente antiautoritária", afirma o professor titular do departamento de economia da USP Rodrigo de Losso.

Agência de risco se preocupa com polarização

Em relatório divulgado nesta terça-feira (dia 21) , a agência internacional e classificação de risco Moody's, aponta que a consolidação fiscal continua a ser fundamental para a trajetória de crédito do Brasil, mas avisa que "o aumento da polarização política ou o surgimento de agitação social podem afetar negativamente o perfil de crédito do Brasil".

"Falta de sensibilidade e responsabilidade"

"No fundo, os agentes de mercado se calam diante de situações graves, como as alusões ao nazismo, o discurso de ódio contra minorias e as medidas de exceção que o establishment governamental impõe contra populações vulneráveis. De fato, trata-se de uma falta de sensibilidade e responsabilidade imensa", afirma o doutor e mestre em direito público pela USP, professor de direito constitucional e administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Alessandro Soares.

Para ele, com essa atitude, os agentes de mercado acabam por sustentar as atitudes do governo. "E esse contexto pode levar no futuro a situações graves e os agentes de mercado não poderão se furtar à responsabilidade", disse Soares.

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