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Domésticas sobre Guedes: "Se a gente tiver condições, pode ir aonde quiser"

Marinalva de Souza, diarista em São Paulo - Arquivo pessoal
Marinalva de Souza, diarista em São Paulo Imagem: Arquivo pessoal

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/02/2020 13h43

"Se a gente tiver condições, vai aonde a gente quiser", disse Antônia da Silva, 49, de Maceió. "Sendo empregada ou não, a pessoa vai com seu dinheiro digno, seu suor", afirmou Marinalva de Souza, 51, de São Paulo. As duas são empregadas domésticas e respondem às declarações do ministro Paulo Guedes, da Economia, na tarde de ontem.

Em um evento privado, Guedes afirmou que, quando o dólar estava a R$ 1,80, tinha "todo mundo indo pra Disneylândia, empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada". Ele também sugeriu que o brasileiro viaje pelo Brasil, vá "passear em Foz do Iguaçu, passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita", e defendeu que o dólar alto é bom para as exportações.

"Ele viaja em aviões com o nosso dinheiro"

A fala não pegou bem entre trabalhadores do serviço doméstico. Para Antônia, um "representante do povo" deveria estimular as pessoas a terem "mais oportunidades", não o contrário.

"Não tem por que ele falar nisso, a gente está no nosso direito [de viajar]. Se a empregada tem condições, pode ir para São Paulo, Disney, Europa, qualquer canto. Ela é quem escolhe, não ele", declarou.

Ela diz que nunca saiu do Brasil e não tem vontade de fazer turismo fora do país. Mesmo assim, avalia que está mais difícil viajar para o exterior. "Eu não sei quanto é o dólar, nunca soube, mas vejo todo mundo reclamar. Só acho estranho que uma pessoa do governo ache isso bom para o povo", afirmou.

Marinalva concorda. Para ela, um ministro "que vai para os Estados Unidos sempre" não deveria achar "que é um direito só dele".

Sendo empregada ou não, a pessoa vai com seu dinheiro digno, seu suor. É ela quem escolhe porque foi ela quem pagou. E ele? Ele viaja nos aviões com o nosso dinheiro. A gente, não. A gente vai para onde quiser com o nosso dinheiro.
Marinalva de Souza, empregada doméstica

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"Isso é coisa de quem acha doméstica menor"

Para a diarista Maria Aparecida Gomes, 38, de Maceió, a posição de Guedes é a de representantes que acreditam que "pessoas com menos condições não têm o mesmo direito de se divertir".

A gente também precisa ter uma vida divertida. E se eu quiser ir [para fora do país] duas vezes? Isso [a declaração de Guedes] é coisa de quem acha empregada doméstica menor.
Maria Aparecida Gomes, empregada doméstica

"Ele está representando uma visão da elite da sociedade, de classe alta. Ele não vê a doméstica como gente, vê como uma escrava que só tem direito de comer o resto", criticou Marinalva.

Ela diz acreditar que, além de ter pouca oportunidade de viajar, pessoas mais pobres sofrem com falta de conhecimento, estimulada "pelas pessoas mais ricas".

"Tenho muita amiga que não sabe nem pegar avião por falta de conhecimento. Viaja para o Nordeste de ônibus, leva três dias e paga R$ 550, quando uma promoção de avião era R$ 250. Ele [Guedes] quer mudar isso? Para ele está bom [como está]", afirmou Marinalva.

"Tem empregada que, no almoço, vai comer lanche, em vez de entrar no [restaurante a] quilo. Paga mais caro por uma comida pior porque acha que restaurante é lugar da patroa, de gente rica. Para o ministro isso é ruim? Ele acha bom. Mas eu digo: a gente pode entrar onde quiser, é só ter conhecimento", continua.

"Não está fácil viajar nem pelo Brasil"

Maria Aparecida nunca saiu do Brasil e questiona a sugestão de Guedes, de que os brasileiros viagem internamente. "Não está fácil nem viajar pelo Brasil, ela disse.

Moradora de Maceió, ela diz que não conhece a região Sudeste, por exemplo, e que a situação econômica a impede de viajar. "Eu quero ir, sim, só que é difícil. Ele [Guedes] deveria ajudar, não é?", pergunta a diarista.

Também de Maceió, Antônia viajou de avião pela primeira vez no ano passado, quando foi conhecer a neta, no interior de São Paulo.

Por um familiar, para visitar parente, a gente viaja. Mas não é tão fácil. Falta tempo e não sobra dinheiro no dia a dia. A vida é difícil, não é? Não é fácil assim viajar.
Antônia da Silva, diarista

"Governo só abre a boca para falar besteira"

Marinalva tem três filhos. Junto com o marido, que trabalha como porteiro em São Paulo, conseguiu enviar dois deles para o exterior. Um fez estágio nos Estados Unidos, outra, um curso na França. Agora, ela diz que isso é impossível.

"É melhor para as exportações? É melhor para ele, que é rico, é empresário. Agora, a classe média e a classe baixa não conseguem fazer essas coisas. Há uns dez anos, eu ganhava dinheiro que dava para colocar as crianças em aula de inglês. E hoje? Hoje quem tem filho pequeno não paga nem escola", afirma.

Ela diz que tem uma série de colegas que não tem condições de pagar por uma educação melhor para os filhos e acabam sem estimular que eles façam faculdade.

"Ele [Guedes] fala em dólar, em um monte de coisa que eu nunca ouvi, mas é bom para as pessoas? As pessoas estão sem dinheiro, e ele fala uma besteira dessas. Anota aí: eu sou doméstica, mas tenho vergonha de toda a direção do governo que está aí, porque, quando abrem a boca, só falam besteira. Eu posso falar besteira —não sou pessoa pública, não represento ninguém. Eles representam o Brasil", criticou Marinalva.

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