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Auxílio-doença de quem ganha menos não é pago por falta de regra do governo

Bruno Rocha/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Imagem: Bruno Rocha/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

21/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Falta de decreto do governo impede pagamento a quem recebe menos do que um salário mínimo
  • Decreto precisa regulamentar como será pagamento para que trabalhador complemente o que falta de sua contribuição
  • Governo espera publicar decreto em março
  • Problema afeta quem deu entrada no pedido após reforma da Previdência, em novembro

Trabalhadores que recebem menos do que um salário mínimo estão com o pagamento do auxílio-doença travado por falta de um decreto do governo para regulamentar um artigo da reforma da Previdência, que começou a valer em novembro do ano passado.

Sem o decreto, pessoas nessa situação que deram entrada no pedido de auxílio após a reforma seguem aguardando pagamento, mesmo após passar por perícia do INSS que comprova o direito ao benefício. Trabalhadores intermitentes ou de meio período, por exemplo, podem receber abaixo do mínimo mensal (R$ 1.045, em 2020).

A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia afirma que o decreto "está em fase final de elaboração", e que a expectativa é de que seja publicado no início de março, "assim como as primeiras implementações em sistema para viabilizar as concessões [do auxílio]".

Reforma mudou regra de contribuição

Antes da reforma, mesmo quando o trabalhador ganhava abaixo de um salário mínimo, aquele mês entrava na conta do tempo de contribuição para, por exemplo, ter direito à aposentadoria e ser usado no cálculo do valor do benefício, de acordo com Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário).

Pelas novas regras, definidas no artigo 29 da reforma da Previdência, esse mês só contará se o trabalhador compensar a diferença, por exemplo, pagando o que falta para alcançar a contribuição mínima.

Governo espera que decreto saia em março

O INSS afirma que a lei não define como será feito o pagamento da diferença pelo trabalhador para complementar sua contribuição, e que o governo ainda precisa publicar o decreto estabelecendo essas regras.

O instituto afirma que, com o pagamento dessa diferença, o valor do auxílio-doença a que o trabalhador tem direito pode mudar, ficando maior.

Sem o decreto, o INSS não consegue calcular o valor do benefício, e o pagamento desses auxílios fica pendente.

"No caso específico do auxílio-doença [...] criou-se a possibilidade de complementação do recolhimento quando da contribuição abaixo do salário mínimo, o que daria ao segurado possibilidade de um benefício maior", afirma o INSS em nota enviada ao UOL. "Portanto, não se trata de sistema [do INSS], que está adequado, mas sim da definição de como será essa complementação de contribuição e isso, por se tratar de legislação, não depende do INSS."

A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho afirma que a expectativa é de que o decreto saia em março.

"O decreto está em fase final de elaboração, envolvendo diferentes áreas do governo federal, com a expectativa de que seja publicado no início de março, assim como as primeiras implementações em sistema para viabilizar as concessões", afirma em nota. "O texto tratará não apenas das mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019 [reforma da Previdência], mas também de leis aprovadas nos últimos anos e que demandavam regulamentação, o que exigiu mais tempo."

A Secretaria afirma, ainda, que os trabalhos de desenvolvimento dos sistemas para liberar o pagamento "não ficaram parados".

"As equipes estão trabalhando em esforço máximo. Os trabalhos de desenvolvimento dos sistemas, por sua vez, estão ocorrendo em paralelo à elaboração do decreto, ou seja, não ficaram parados, aguardando."

Pedidos na fila

O UOL também questionou o INSS sobre quantos pagamentos de auxílio-doença estavam pendentes por causa da falta do decreto do governo, mas o instituto não respondeu até a publicação desta reportagem.

Segundo uma fonte com conhecimento no assunto, é possível que tais pendências nem ao menos entrem na conta dos mais de 1,38 milhão de pedidos atrasados no INSS, ou seja, que estão na fila esperando resposta há mais de 45 dias, limite determinado por lei.

Isso porque esse número se refere aos pedidos que estão aguardando análise do INSS. Do total, 47.206 eram pedidos de auxílio-doença, segundo dados do INSS.

No caso da pendência de trabalhadores que ganham menos do que o mínimo, porém, os pedidos estão sendo concedidos. Eles ficam travados na etapa seguinte: o processamento do pagamento.

"Até fome eu estaria passando", diz trabalhadora

Auxílio-doença - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aletéia Santana está afastada do trabalho desde novembro, sem receber auxílio-doença
Imagem: Arquivo pessoal

Há pouco mais de um mês, o UOL publicou relatos de pessoas que estavam na fila do INSS, aguardando respostas para seus pedidos.

Uma delas era Aletéia Santana, 44, agente de trânsito e instrutora de autoescola de Curitiba, que estava afastada do trabalho desde o final de novembro por causa de uma cirurgia no ombro.

O caso dela é um dos que estão parados por causa da ausência do decreto. Ela tem dois empregos mas, em um deles, recebe menos do que o salário mínimo.

Ela passou pela perícia do INSS em dezembro, que atestou o afastamento até o final de fevereiro. O pagamento do auxílio-doença, porém, não veio até hoje. Sem receber salário, nem auxílio, ela diz que tem passado dificuldade para pagar suas contas.

"Só não está pior porque conversei com a minha empresa e eles adiantaram 50% do meu salário para quando eu receber do INSS, devolver a eles", conta. "E o vale-alimentação eles [empresa] continuam pagando normalmente, senão até fome eu estaria passando."

Comunicado do INSS

O UOL teve acesso a um comunicado interno enviado pelo INSS a seus servidores no último dia 13.

A mensagem orientava as unidades de atendimento a marcarem no sistema os registros de pedido de auxílio-doença que já passaram por perícia e estão pendentes "devido à necessidade de adequação dos sistemas à Emenda Constitucional 103 [reforma da Previdência]".

Sem essa marcação, os atendentes do 135 (telefone do INSS), não conseguem ver o motivo da pendência no sistema e acabam orientando o trabalhador que entra em contato a ir a uma agência física para buscar mais informações sobre o problema.

Foi o que aconteceu com Aletéia Santana que ligou mais uma vez ao 135 na segunda-feira (17) para saber o andamento de seu pedido e foi orientada a aguardar, ou voltar à agência onde deu entrada no requerimento. Ao chegar lá, foi informada mais uma vez que não havia previsão de quando o dinheiro seria liberado.

"A ação [da marcação no sistema] é importante para que o 135 consiga enxergar o motivo da pendência e, desta forma, não encaminhar o cidadão para verificação nas APSs [Agências da Previdência Social]. Hoje, sem nenhuma informação, não existe outra alternativa", diz o comunicado do INSS. "Ganha a unidade, que diminui as filas, e ganha o cidadão, que não tem custo com deslocamento."

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