Para sobreviver, restaurante pede até para vizinho entregar de bicicleta
Limitados a serviços de delivery durante a quarentena do coronavírus, restaurantes e outros estabelecimentos do setor em São Paulo estão escolhendo entre fechar as portas temporariamente ou continuar a operação de forma reduzida, somente com as entregas.
Mas além da decisão sobre a continuidade do negócio, os donos desses locais têm outra escolha para fazer: como proceder com o estoque de alimentos perecíveis, que estragarão em poucos dias por causa da baixa demanda durante a quarentena. É preciso usar a criatividade: alguns apelaram para as redes sociais, outros contam até com a ajuda de vizinhos, que entregam as comidas de bicicleta, para poupar dinheiro cobrado pelas empresas tradicionais de delivery.
Essa escolha também varia de acordo com o perfil e a capacidade financeira do restaurante e do estabelecimento, que estão tentando vender parte do estoque de alimentos, utilizá-lo da forma mais eficiente possível ou até mesmo doando para ONGs que distribuem alimentos na região central.
Em comum entre eles está a incerteza sobre o futuro do negócio nos próximos meses e a percepção de que somente um trabalho feito em conjunto com a comunidade renderá frutos nesse período.
Mobilização para acabar com estoque de cafeteria
Mesmo antes da medida do governo estadual, Paola Morales, dona do ZUD Café, em Santa Cecília, já havia percebido que não teria condições de continuar com o estabelecimento aberto. A cafeteria, pequena, não teria capacidade de se manter apenas com delivery. "Não somos um restaurante, trabalhamos só com café e lanches pequenos. É pouco valor agregado", explica.
Depois de tomar a difícil decisão de fechar temporariamente o ZUD Café, Paola anunciou aos clientes, pelo Instagram oficial da casa, que o último dia de operação seria na última quinta (19). "Quem puder dar uma passada por lá e nos ajudar com alguns produtos perecíveis, como café em grãos, iogurte e kombucha, seremos muito gratos. Teremos preços especiais nestes itens", escreveu.
O resultado: comovidos com a notícia, e apreciadores dos produtos da casa, os clientes apareceram em peso para "queimar" o estoque. "Foi uma questão colaborativa dos nossos vizinhos mesmo. Duas horas depois de aberto, já tinha acabado meu estoque. Eu chamei meu fornecedor, que é um pequeno produtor, para vender mais produtos. Acabou quase tudo", diz Paola.
Ela vendeu cerca de 100 pacotes de café especiais com um desconto de 20% em cada unidade, além dos outros produtos que eram comercializados no ZUD. Agora, oferece vouchers para que as pessoas comprem agora, com desconto, e utilizem quando o café reabrir. "Estou pensando em um dia de cada vez. Quero manter meus colaboradores e continuar com a proposta de trabalhar com fornecedores pequenos."
De positivo, Paola percebeu a mobilização e o senso de colaboração da comunidade, o que ficou evidente pela reação no Instagram. "Depois que avisei que iria fechar, senti um retorno tão grande dos clientes, dos amigos e dos fornecedores, e vi o lado positivo da rede social, que é essa coisa colaborativa. Espero que os outros estabelecimentos estejam fazendo coisas parecidas. É o momento de fazer junto."
Clientes ajudam no consumo e até na entrega
Outra que contou com a colaboração da comunidade foi Madu Melo, chef e dona do Mandioca Cozinha, também em Santa Cecília. No caso dela, os clientes ajudaram a manter o restaurante aberto sem contar com os grandes aplicativos para fazer o delivery.
"As taxas dos apps de delivery são altíssimas - 27%, na média - e eu só recebo 28 dias depois da venda. É quase de graça. Não tem condição de funcionar agora apenas no delivery nesse modelo antigo, pré-estado de calamidade pública", aponta a chef.
A alternativa foi encontrada entre frequentadores do restaurante e moradores do bairro. Artistas e outros trabalhadores autônomos que tiveram suas profissões prejudicadas com a quarentena foram convocados para fazer o delivery de bicicleta.
"Divulguei no meu Instagram e montei essa rede de entrega no próprio bairro, com pessoas que nunca fizeram delivery na vida. É uma oportunidade para o pessoal tirar uma renda e sobreviver durante esse período, depois de terem tantos contratos cancelados", conta ela. Os clientes "fizeram sua parte" e continuaram consumindo os pratos do Mandioca.
Nesse meio tempo, ela pensou em uma alternativa também para a questão dos alimentos estocados. "Fiz essa ação do delivery como teste para poder dar uma baixa nos perecíveis", diz. "Agora estou montando os cardápios do dia pensando no que está mais perto do vencimento."
"Os pratos principais, que custavam R$ 38, agora saem por no máximo R$ 25. O prato feito do almoço, que era R$ 22 no restaurante, está por R$ 15 no delivery."
Madu Melo imagina que o inevitável impacto econômico que atingirá os restaurantes com as quarentenas vai obrigar o setor a se reinventar. "Vamos ter que olhar para o negócio e entender onde poderemos mexer, impactando o mínimo possível nos funcionários e na cadeia de fornecedores. Eu sempre dou prioridade produtor local, e o que puder pra ajudar eles, eu vou fazer", conclui.
Doando para quem vai precisar
Nascido na Itália, um dos países que mais sofreram com o coronavírus até agora, o chef Rodolfo de Santis chegou ao Brasil em 2010 e, cinco anos depois, abriu o Nino Cucina no Jardim Europa. No início deste ano, ele já tinha oito restaurantes badalados na capital paulista, nas regiões do Jardins e Itaim Bibi.
Mas De Santis não viu outra alternativa a não ser fechar as casas com a aproximação da onda de contágio. Mesmo antes do decreto do governador, o chef fez um post no Instagram, na última quarta (18), informando aos clientes que todas as casas teriam seu funcionamento interrompido temporariamente. "Não é uma decisão fácil, pelo tamanho das operações, mas é preciso pensar no próximo", disse De Santis no post.
Ao mesmo tempo que decidiu fechar as casas, De Santis começou a organizar o sistema de delivery, previsto para começar nesta semana. Mas ainda havia o que fazer com os alimentos que seriam desperdiçados; a decisão foi distribuí-los para a população carente.
Os oito restaurantes abasteceram sete caixas de aproximadamente 7 kg, totalizando 140 kg de alimentos. "Fizemos marmitex com hortifrúti, queijos e outros alimentos que não conseguiríamos aproveitar e levamos a algumas ONGs no centro que fazem esse trabalho de distribuição", disse.
Veja mais economia de um jeito fácil de entender: @uoleconomia no Instagram.
Ouça os podcasts Mídia e Marketing, sobre propaganda e criação, e UOL Líderes, com CEOs de empresas.
Mais podcasts do UOL em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.