O que o cancelamento do Festival de Cannes representa para a publicidade?
A organização do Festival Internacional de Criatividade de Cannes, mais importante evento de propaganda e publicidade do mundo, anunciou nesta sexta-feira (3) que a edição deste ano do festival não será realizada devido à pandemia do coronavírus.
Num primeiro momento, o evento deste ano tinha sido transferido de junho para outubro. No entanto, os organizadores do festival decidiram que não conseguirão realizar o festival "devido aos impactos da pandemia do coronavírus no mundo e na indústria da comunicação".
No ano passado, as empresas brasileiras inscreveram mais de 2 mil campanhas na premiação, que avaliza as agências "mais criativas" do mundo. Em 2019, o país ficou com 85 troféus na competição, os "leões", sendo dois "Grandes Prêmios", oito Ouros, 21 Pratas e 54 Bronzes.
A próxima edição do Cannes Lions será realizada somente em 2021, entre os dias 21 e 25 de junho.
Qual a influência desta decisão no mercado publicitário brasileiro? A reportagem do UOL pediu a opinião de alguns dos principais executivos do mercado nacional. Confira:
Luiz Sanches, presidente da AlmapBBDO e presidente do júri de Outdoor da edição 2021
Precisamos ajudar os clientes nesse momento tão difícil. Até hoje não conheço, em toda a história, um momento de reinvenção tão grande
Cannes e a publicidade são peças pequenas perto de tudo o que está acontecendo no mundo hoje. O mundo está sendo impactado por algo muito maior do que qualquer indústria, qualquer atividade. Eu vejo como saudável a decisão de não termos o festival em 2020.
O festival cria reputação, fortalece as agências e o nosso negócio. A decisão do cancelamento, no entanto, era essencial e está alinhada com o que ocorre no mundo hoje. Todas as empresas estão sendo impactadas.
Isso também mostra o quanto os grupos de comunicação estão ligados na necessidade de terem que alocar todos os talentos e recursos para, mais do que nunca, ajudar os clientes nesse momento tão difícil. Até hoje não conheço, em toda a história, um momento de reinvenção tão grande.
Marcia Esteves, CEO da Lew'Lara TBWA
Sob o ponto de vista global, entendo que o cancelamento foi a medida acertada: mostra que o mercado publicitário não está "em festa", enquanto o resto da sociedade chora suas perdas, tanto de capital humano quanto empresarial.
Não quero aqui reduzir o Cannes Lions: o festival é sempre muito importante, com trocas de experiências, aprendizados e conhecimentos, uma escola anual para o mercado publicitário.
A mensagem é de que o mercado publicitário está atento para as transformações do mundo e o momento em que vivemos. Sairemos mais fortalecidos, mais unidos e mais conectados com todos clientes, com a sociedade, com os governos.
Kevin Zung, chefe de operações da WMcCann
A publicidade tem tido um papel de educação, conscientização e entretenimento mais do que em qualquer outra época
Estamos vivendo um momento sem precedentes e não há dúvidas que viveremos uma reconstrução como sociedade. Consequentemente, isso vai afetar no relacionamento das marcas e seus consumidores. A publicidade tem tido um papel de educação, conscientização e entretenimento mais do que em qualquer outra época. E as marcas têm uma missão mais importante na vida das pessoas.
A população espera que as empresas ajudem num cenário de crise. E provavelmente vai continuar exigindo isso quando a crise passar. No ano que vem, teremos uma sociedade nova e novos critérios possivelmente serão colocados em prática. Os critérios e categorias dos prêmios também devem evoluir.
Estamos nos adaptando à pandemia e às novas prioridades que ela impõe. Nosso foco agora é manter nossos funcionários seguros e nossas marcas em constante evolução e com ações significativas para a vida das pessoas.
Rafael Pitanguy, vice-presidente de criação da Y&R
Num ano com tamanha tragédia, não há espaço para palcos e celebrações
Na verdade, a publicidade não existe isolada de um contexto. Ainda mais quando falamos de uma situação como a atual, que tem consequências em todas as áreas e em todo o planeta. O cancelamento do Festival de Cannes faz todo o sentido. Pelo lado econômico, claro.
Mas também por um contexto emocional, humano. Num ano com tamanha tragédia, não há espaço para palcos e celebrações.
A pandemia do coronavírus trouxe tantas mudanças para a empresa que o cancelamento do festival acaba sendo mais um desses reflexos. Cannes sempre celebrou o que há de mais interessante no presente do mundo da comunicação, mas também apontou direções para o futuro. Porém, num ano como esse, é difícil pensar num futuro sem uma reflexão ainda maior e mais profunda dos dias de hoje.
Ricardo John, CEO & chefe de criação da FCB Brasil
Cannes é o balizador, a referência anual para anunciantes e agências do poder da criatividade como fator gerador e multiplicador de negócios. Nesse sentido, é uma perda enorme. Mas precisamos ser pragmáticos. A luta das agências agora é por sobrevivência. E neste cenário, os custos que envolvem inscrever os trabalhos no festival tornam-se proibitivos.
Keka Morelle, chefe de criação da Wunderman Thompson Brasil
Foi a atitude mais responsável a ser tomada nesse momento, já que as prioridades do ano mudaram. A criatividade continua, sim, sendo parte importante do nosso trabalho e está sendo muito valorizada nesses dias de incertezas e de rápidas transformações. Toda nossa energia e tempo devem estar voltados agora para apoiar nossos colaboradores e clientes.
Eduardo Lima, diretor executivo de criação da W+K
É uma oportunidade incrível para que o mercado publicitário brasileiro repense seus valores
Na minha opinião, foi a decisão mais acertada.
Além disso, é uma oportunidade incrível para que o mercado publicitário brasileiro repense seus valores. Quem sente por cancelamentos como este são os mais vaidosos, os que anabolizam o trabalho pensando em premiação, os que jogam fora das quatro linhas sonhando em catapultar suas carreiras. A decisão de festivais serem cancelados não nos afeta. Nossa filosofia é resolver criativamente problemas de negócios para os nossos clientes. Nossa vida segue esse foco.
Erh Ray, CEO da BETC/Havas
O cancelamento é um reflexo do que o mundo está passando. E, em primeiro lugar, é necessário o senso de responsabilidade social, em que vamos cuidar da saúde das pessoas, dos nossos colaboradores, familiares, clientes e parceiros. E, depois, também é preciso destacar que há uma conscientização de todos os grupos de comunicação. Estamos vivendo um fato inédito, e todos os grupos vão reavaliar os investimentos, incluindo festivais e viagens.
No mundo da publicidade, o impacto será mais visível após a decisão do festival em considerar ou não em 2021 os trabalhos da temporada 2019/2020. Acho muito importante termos o registro desses anos, pois acredito que muita coisa boa merece ser reconhecida. Não podemos esquecer os trabalhos bons. A pandemia não pode acabar com a criatividade.
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