STF nega participação de sindicato em acordo para cortar salário e jornada
Em sessão na tarde de hoje, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu alterar a decisão individual do ministro Ricardo Lewandowski e negar a necessidade de participação dos sindicatos nos acordos individuais para redução de salário ou suspensão do contrato de trabalho feitos com base na MP (medida provisória) 936, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
Com a decisão, fica preservada a medida provisória e a validade dos acordos celebrados, que têm vigência imediata.
A medida, editada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), tem como justificativa permitir a redução dos custos das empresas durante a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus e, dessa forma, evitar demissões em massa.
Números do Ministério da Economia apontam que até ontem cerca de 2,4 milhões de trabalhadores aderiram a acordos para redução da jornada ou suspensão do contrato de trabalho.
Hoje, por maioria de votos, os ministros do STF definiram que os sindicatos não têm o poder de contestar os acordos entre empresa e trabalhador, e também não podem dar início posteriormente a um processo de negociação coletiva com o objetivo de modificar os termos dos acordos individuais.
Votaram dessa forma sete dos dez ministros que participaram do julgamento: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli, presidente da Corte.
Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber defenderam a proibição dos acordos individuais, argumentando que a Constituição exige a participação sindical para que haja redução de salário.
O ministro Ricardo Lewandowski manteve o posicionamento de sua primeira decisão, que permitia que posteriormente os sindicatos negociassem os termos dos acordos.
Entenda o julgamento
Ao julgar individualmente a ação no último dia 6, Lewandowski, relator do processo, afirmou que os acordos individuais têm validade imediata, mas determinou que eles possam ser posteriormente contestados pelos sindicatos, que têm que ser comunicados sobre o acordo em 10 dias e podem dar início à negociação de um acordo coletivo.
A medida provisória já determinava a comunicação do acordo ao sindicato em dez dias, mas não previa a possibilidade de as entidades de classes negociarem acordos coletivos.
Após essa primeira decisão de Lewandowski, o processo foi submetido a julgamento pelo plenário do STF. Hoje, essa decisão individual do ministro perdeu efeito.
O partido Rede Sustentabilidade foi o autor da ação no STF que contestou pontos da MP 936.
A MP permite a redução de salários e de jornada de trabalho por até 90 dias, e a suspensão dos contratos de trabalho por até 60 dias com base em acordos individuais.
Acordos individuais são aqueles celebrados entre a empresa e o empregado, sem a intermediação dos sindicatos das categorias.
Na ação, a Rede afirma que a Constituição Federal proíbe a redução de salário, a não ser quando negociada por acordo coletivo entre trabalhadores e empresa, e, por isso, pedia que fosse obrigatório a participação dos sindicatos em acordos do tipo.
No caso do corte de jornada e salário, os trabalhadores afetados recebem do governo uma parcela do seguro desemprego a que o empregado teria direito. Quando há a suspensão temporária do contrato, os trabalhadores recebem valor equivalente ao seguro desemprego durante o prazo da suspensão.
O governo estima que a suspensão dos contratos ou redução de salário e jornada deve alcançar 24,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada.
Segundo o IBGE, até fevereiro o Brasil tinha 33 milhões de trabalhadores com carteira assinada no setor privado.
Como votaram os ministros
A maioria dos ministros afirmou que a exigência de aval dos sindicatos para a efetivação dos acordos poderia levar as empresas a optarem pela demissão durante a crise.
"É importante que nós reconheçamos que um direito constitucional de crise não pode negar validade a essa norma sob pena de, querendo proteger, matar o doente. E os doentes aqui são muitos, são as empresas, o sistema econômico produtivo, são os trabalhadores", disse Gilmar Mendes.
"Não há estrutura sindical no Brasil nesse momento capaz de atender a tempo e a hora as demandas de urgência de redução de jornada e suspensão de contrato", afirmou Luís Roberto Barroso.
"E, portanto, se for dado esse protagonismo aos sindicatos, inexoravelmente as empresas vão optar pelo caminho mais fácil da demissão. As empresas, nesse momento de dificuldade, vão acabar escolhendo o caminho mais fácil da demissão do que o caminho mais tormentoso de ficar na dependência da intervenção dos sindicatos nesse contexto", disse Barroso.
Voto contrário à maioria formada no julgamento, Edson Fachin defendeu que a crise provocada pela pandemia não poderia ser usada para superar a exigência feita pela Constituição de participação dos sindicatos em negociações do tipo.
"Medidas urgentes e necessárias devem ser tomadas, mas é imperioso que elas sempre sejam feitas em conformidade com a Constituição", disse Fachin.
O advogado Mauro Menezes, que representou a Rede Sustentabilidade no julgamento, disse ver com preocupação a decisão de hoje pois, ele sustenta, o STF fez o texto de uma medida provisória prevalecer sobre uma regra da Constituição.
"O STF permitir que uma medida provisória produza efeito contra o texto literal da Constituição é muito perigoso, é um flerte com o estado de exceção jurídica", disse o advogado.
"Várias outras matérias que podem restringir liberdades chegarão ao STF. Assistimos hoje à abertura de um precedente perigoso", afirmou Menezes.
A Constituição Federal proíbe a "irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo", diz o texto legal.
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) disse ver como "extremamente positivo" o resultado do julgamento, pois permite às empresas preservar empregos em meio à crise.
"A MP [medida provisória] estabelece que, em todas essas situações, o empregado terá garantia provisória do emprego na vigência da redução de salário ou suspensão do contrato e por período equivalente após a sua cessação", afirma a CNI, em nota divulgada após o julgamento.
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